A Intermediação de Maria Mãe dos Homens
para nos levar ao Cordeiro de Deus

'O ROSÁRIO É A VIDA DE CRISTO CONTEMPLADA COM O OLHAR DE MARIA'
"
Maria é aquela que nos acompanha na escuridão da noite até o clarear do novo dia”

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                                                   Criado em 30 de março de 2005

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86 ANOS DE GRAÇAS E BÊNÇÃOS no Brasil e no mundo

Catecismo da Igreja - Parte 9

PÁGINA INICIAL

ARTIGO 8

O OITAVO MANDAMENTO

«Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo» (Ex. 20, 16).

«Foi dito aos antigos: "não faltarás ao que tiveres jurado; hás de cumprir os teus juramentos para com o Senhor"» (M.t 5, 33).

2464. O oitavo mandamento proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem. Esta prescrição moral decorre da vocação do povo santo para ser testemunha do seu Deus, que é e que quer a verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou por atos, a recusa em empenhar-se na retidão moral: são infidelidades graves para com Deus e, nesse sentido, minam os alicerces da Aliança.

I. Viver na verdade

2465. O Antigo Testamento declara: Deus é a fonte de toda a verdade. A sua Palavra é verdade (Cf. Pr. 8, 7, 2 Sm. 7, 28). A sua lei é verdade (Sl. 119, 142). «A sua fidelidade permanece de geração em geração» (Sl. 119, 90) (Cf. Lc. 1, 50). Uma vez que Deus é o «Verdadeiro» (Rm. 3, 4), os membros do seu povo são chamados a viver na verdade (Cf. Sl. 119, 30).

2466. Em Jesus Cristo, a verdade de Deus manifestou-se na sua totalidade. Cheio de graça e de verdade (Cf. Jo. 1, 14), Ele é a «luz do mundo» (Jo. 8, 12), Ele é a verdade (Cf. Jo. 14, 6). Quem nele crê não fica nas trevas (Cf. Jo. 12, 46). O discípulo de Jesus «permanece na sua palavra» para conhecer a verdade que liberta (Cf Jo. 8, 31-32) e que santifica (Cf. Jo. 17, 17). Seguir Jesus é viver do Espírito de verdade (Cf. Jo. 14, 17) que o Pai envia em seu nome (Cf. Jo. 14, 26) e que conduz «à verdade total» (Jo. 14, 17; 16, 13). Aos seus discípulos, Jesus ensina o amor incondicional à verdade: «que a vossa linguagem seja: "sim, sim; não, não"» (Mt. 5, 37).

2467. O homem tende naturalmente para a verdade. É obrigado a honrá-la e a testemunhá-la: «em virtude da sua dignidade, todos os homens, porque pessoas, [...] são impelidos pela sua própria natureza e obrigados por exigência moral a procurar a verdade, em primeiro lugar aquela que diz respeito à religião. São obrigados também a aderir à verdade desde que a conheçam e a regular toda a sua vida segundo as exigências da verdade» (II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 2: AAS 58 (1966) 931).

2468. A verdade, como retidão da ação e da palavra humana, chama-se veracidade, sinceridade ou franqueza. A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro nos atos e em dizer a verdade nas palavras, evitando a duplicidade, a simulação e a hipocrisia.

2469. «Os homens não seriam capazes de viver juntos, se não tivessem confiança uns nos outros, isto é, se não se dissessem a verdade» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 109, a. 3, ad 1: Ed. Leon. 9, 418). A virtude da veracidade dá justamente a outrem o que lhe é devido. A veracidade observa um justo meio-termo entre o que deve ser dito e o segredo que deve ser guardado: implica honestidade e discrição. Por justiça, «um homem deve honestamente ao outro a manifestação da verdade» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 109, a. 3, c: Ed. Leon. 9. 418).

2470. O discípulo de Cristo aceita «viver na verdade», isto é, na simplicidade duma vida conforme ao exemplo do Senhor e permanecendo na Sua verdade. «Se dizemos que estamos em comunhão com Ele e andamos nas trevas, mentimos, não praticamos a verdade» (1ª Jo. 1, 6).

II. «Dar testemunho da verdade»

2471. Diante de Pilatos, Cristo proclama que «veio ao mundo para dar testemunho da verdade»
(Cf. Jo. 18, 37). O cristão não deve «envergonhar-se de dar testemunho do Senhor» (2ª Tm. 1, 8). Em situações que exigem a confissão da fé, o cristão deve professá-la sem equívoco, conforme o exemplo de São Paulo diante dos seus juízes. É preciso guardar uma consciência irrepreensível diante de Deus e dos homens» (At. 24, 16).

2472. O dever dos cristãos, de tomar parte na vida da Igreja, leva-os a agir como testemunhas do Evangelho e das obrigações que dele dimanam. Este testemunho é transmissão da fé por palavras e obras. O testemunho é um ato de justiça que estabelece ou que dá a conhecer a verdade (Cf. Mt. 18, 16): «Todos os fiéis cristãos, onde quer que vivam, têm obrigação de manifestar, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de que se revestiram pelo Batismo e a virtude do Espírito Santo, com que foram robustecidos na Confirmação» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 11: AAS 58 (1966) 959).

2473. O martírio é o supremo testemunho dado em favor da verdade da fé; designa um testemunho que vai até à morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Suporta a morte com um ato de fortaleza. «Deixai-me ser pasto das feras, pelas quais poderei chegar à posse de Deus» (Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Romanos, 4, 1: SC 10bis, p. 110 (Funk, 1, 256)).

2474. A Igreja recolheu com o maior cuidado as memórias daqueles que foram até ao fim na confissão da sua fé. São as Atas dos Mártires, as quais constituem os arquivos da verdade escritos com letras de sangue:

- «de nada me serviriam os atrativos do mundo ou os reinos deste século. Prefiro morrer em Cristo Jesus a reinar sobre todos os confins da terra. Procuro Aquele que morreu por nós; quero aquele que ressuscitou por nossa causa. Estou prestes a nascer...» (Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Romanos, 6, 1: SC 10bis, p. 114 (Funk, 1, 258-260)).

«Eu Te bendigo por me teres julgado digno deste dia e desta hora, digno de ser contado no número dos teus mártires (...). Tu cumpriste a tua promessa, Deus da fidelidade e da verdade. Por esta graça e por tudo, eu Te louvo e Te bendigo; eu Te glorifico pelo eterno e celeste Sumo-Sacerdote Jesus Cristo, Teu Filho muito-amado. Por Ele, que está contigo e com o Espírito, glória a Ti, agora e pelos séculos sem fim. Amém» (Martyrium Polycarpi, 14, 2-3: SC 10bis, p. 228 (Funk 1, 330-332)).

III. As ofensas à verdade

2475. Os discípulos de Cristo «revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeiras» (Ef. 4, 24). «Libertos da mentira» (Ef. 4, 25), devem rejeitar «toda a malícia, falsidade, hipocrisia, invejas e toda a espécie de maledicência» (1ª Pe. 2, I).

2476. Falso testemunho e perjúrio. Uma afirmação contrária à verdade feita publicamente, reveste-se de gravidade particular: perante um tribunal, é um falso testemunho (Cf. Pr. 19, 9); quando mantida sob juramento, é um perjúrio. Estes modos de agir contribuem quer para condenar um inocente, quer para absolver um culpado ou aumentar a pena em que tiver incorrido o acusado (Cf. Pr. 18, 5). E comprometem gravemente o exercício da justiça e a equidade da sentença pronunciada pelos juízes.

2477. O respeito pela reputação das pessoas proíbe toda e qualquer atitude ou palavra suscetíveis de lhes causar um dano injusto (Cf. CIC can. 220). Torna-se culpado:

- de juízo temerário, aquele que, mesmo tacitamente, admite como verdadeiro, sem prova suficiente, um defeito moral do próximo;
- de maledicência, aquele que, sem motivo objetivamente válido, revela os defeitos e as faltas de outrem a pessoas que os ignoram
(Cf. Sir. 21, 28);
- de calúnia, aquele que, por afirmações contrárias à verdade, prejudica a reputação dos outros e dá ocasião a falsos juízos a seu respeito.

2478. Para evitar o juízo temerário, cada um procurará interpretar em sentido favorável, tanto quanto possível, os pensamentos, as palavras e os atos do seu próximo:

- «todo o bom cristão deve estar mais pronto a interpretar favoravelmente a opinião ou afirmação obscura do próximo do que a condená-la. Se de modo nenhum a pode aprovar, interrogue-se sobre como é que ele a compreende: se ele pensa ou compreende menos retamente, corrija-o com benevolência; e se isso não basta, tentem-se todos os meios oportunos para que, compreendendo-a bem, ele regresse do erro são e salvo» (Santo Inácio de Loyola, Exercitia spiritualia, 22: MHSI 100, 164).

2479. A maledicência e a calúnia destroem a reputação e a honra do próximo. Ora, a honra é o testemunho social prestado à dignidade humana e todos gozam do direito natural à honra do seu nome, à boa reputação e ao respeito. Por isso, a maledicência e a calúnia lesam as virtudes da justiça e da caridade.

2480. Deve condenar-se toda a palavra ou atitude que, por lisonja, adulação ou complacência, estimula e confirma outrem na malícia dos seus atos e na perversidade da sua conduta. A adulação é uma falta grave, se se tornar cúmplice de vícios ou de pecados graves. Nem o desejo de prestar um serviço nem a amizade justificam a duplicidade de linguagem. A adulação é um pecado venial quando apenas se deseja ser agradável, evitar um mal, valer a uma necessidade ou obter vantagens legítimas.

2481. A jactância ou vanglória constitui um pecado contra a verdade. O mesmo se diga da ironia que visa depreciar alguém, caricaturando, de modo malévolo, um ou outro aspecto do seu comportamento.

2482. «A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar» (Santo Agostinho, De mendacio, 4, 5: CSEL 41, 419 (PL 40, 491)). O Senhor denuncia na mentira uma obra diabólica: «vós tendes por pai o diabo, [...] nele não há verdade; quando fala mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira» (Jo. 8, 44).

2483. A mentira é a ofensa mais direta à verdade. Mentir é falar ou agir contrariamente à verdade, para induzir em erro. Lesando a relação do homem com a verdade e com o próximo, a mentira ofende a relação fundamental do homem e da sua palavra com o Senhor.

2484. A gravidade da mentira mede-se pela natureza da verdade que ela deforma, atendendo às circunstâncias, às intenções de quem a comete e aos danos causados àqueles que são suas vítimas. Embora a mentira, em si, não constitua mais que um pecado venial, torna-se mortal quando lesa gravemente as virtudes da justiça e da caridade.

2485. A mentira é, por sua natureza, condenável. É uma profanação da palavra, a qual tem por fim comunicar aos outros a verdade conhecida. O propósito deliberado de induzir o próximo em erro, por meio de afirmações contrárias à verdade constitui uma falta contra justiça e contra a caridade. A culpabilidade é maior quando a intenção de enganar pode ter consequências funestas para aqueles que são desviados da verdade.

2486. A mentira (porque é uma violação da virtude da veracidade) é uma autêntica violência feita a outrem. Este é atingido na sua capacidade de conhecer, a qual é condição de todo o juízo e de toda a decisão. A mentira contém em gérmen a divisão dos espíritos e todos os males que a mesma suscita. É funesta para toda a sociedade: destrói pela base a confiança entre os homens e retalha o tecido das relações sociais.

2487. Qualquer falta cometida contra a justiça e contra a verdade implica o dever da reparação, mesmo que o seu autor tenha sido perdoado. Quando for impossível reparar publicamente um mal, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que foi lesado não pode ser indemnizado diretamente, deve dar-se-lhe uma satisfação moral, em nome da caridade. Este dever de reparação diz respeito também às faltas cometidas contra a reputação alheia. A reparação, moral e às vezes material, deve ser avaliada segundo a medida do prejuízo causado e obriga em consciência.

IV. O respeito pela verdade

2488. O direito à comunicação da verdade não é absoluto. Cada um deve conformar a sua vida com o preceito evangélico do amor fraterno, mas este requer, em situações concretas, que avaliemos se convém ou não revelar a verdade a quem a pede.

2489. É a caridade e o respeito pela verdade que devem ditar a resposta a qualquer pedido de informação ou de comunicação. O bem e a segurança de outrem, o respeito pela vida privada e pelo bem comum, são razões suficientes para calar o que não deve ser conhecido ou para usar uma linguagem discreta. Muitas vezes, o dever de evitar o escândalo impõe uma estrita discrição. Ninguém é obrigado a revelar a verdade a quem não tem o direito de a conhecer (Cf. Sir. 27, 17; Pr. 25, 9-10).

2490. O sigilo do sacramento da Reconciliação é sagrado e não pode ser revelado sob pretexto algum. «O sigilo sacramental é inviolável; pelo que o confessor não pode denunciar o penitente, nem por palavras nem por qualquer outro modo, nem por causa alguma» (CIC can. 983, § 1).

2491. Os segredos profissionais - conhecidos, por exemplo, por políticos, militares, médicos, juristas - ou as confidências feitas sob sigilo, devem ser guardados, salvo em casos excepcionais em que a retenção do segredo poderia causar a quem o confiou, a quem o recebeu, ou a terceiros, danos muito graves e somente evitáveis pela revelação da verdade. Mesmo que não tenham sido confiadas sob sigilo, as informações particulares prejudiciais a outrem não devem ser divulgadas sem uma razão grave e proporcionada.

2492. Cada qual deve observar uma justa reserva a propósito da vida privada das pessoas. Os responsáveis pela comunicação devem guardar uma justa proporção entre as exigências do bem comum e o respeito pelos direitos particulares. A ingerência dos órgãos de informação na vida privada das pessoas comprometidas numa atividade política ou pública é condenável na medida em que atenta contra a sua intimidade e a sua liberdade.

V. O uso dos meios de comunicação social

2493. Na sociedade moderna, os meios de comunicação social desempenham um papel de grande relevo na informação, na promoção cultural e na formação. Este papel é cada vez maior, em virtude dos progressos técnicos, do alcance e diversidade das notícias transmitidas e da influência exercida sobre a opinião pública.

2494. A informação mediática está ao serviço do bem comum (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 11: AAS 56 (1964) 148-149). A sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade, na justiça e na solidariedade.

- «O uso reto deste direito requer que a comunicação seja, quanto ao objeto, sempre verídica, e quanto ao respeito pelas exigências da justiça e da caridade, completa; quanto ao modo, que seja honesta e conveniente, quer dizer, que na obtenção e difusão das notícias, observe absolutamente as leis morais, os direitos e a dignidade do homem» (II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 5: AAS 56 (1964) 147).

2495 «Também neste domínio é necessário que todos os membros da sociedade cumpram os seus deveres de justiça e de verdade. Devem utilizar os meios de comunicação social no sentido de concorrer para a formação e difusão de uma reta opinião pública» (II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 8: AAS 56 (1964) 148).

 A solidariedade é consequência duma comunicação verdadeira e justa e da livre circulação das ideias que favorecem o conhecimento e o respeito pelos outros.

2496. Os meios de comunicação social (em particular os mass-média) podem gerar uma certa passividade nos utentes, fazendo deles consumidores pouco cautelosos de mensagens e espetáculos. Os utentes devem impor a si próprios moderação e disciplina em relação aos mass-média. Hão de formar-se uma consciência esclarecida e reta, para resistir mais facilmente às influências menos honestas.

2497. Pela própria natureza da sua profissão na imprensa, os seus responsáveis têm a obrigação, na difusão da informação, de servir a verdade sem ofender a caridade. Esforçar-se-ão por respeitar, com igual cuidado, a natureza dos fatos e os limites do juízo crítico em relação às pessoas. Devem evitar ceder à difamação.

2498. «Cabem às autoridades civis deveres particulares em razão do bem comum. [...] Os poderes públicos devem defender e proteger a verdadeira e justa liberdade de informação» (II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 12: AAS 56 (1964) 149). Promulgando leis e velando pela sua aplicação, os poderes públicos «responsabilizar-se-ão por que o mau uso das mídias não venha a causar graves prejuízos aos costumes públicos e aos progressos da sociedade» (II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 12: AAS 56 (1964) 149). Sancionarão a violação dos direitos de cada um ao bom nome e à privacidade; prestarão a tempo e honestamente as informações que dizem respeito ao bem geral ou correspondem a justas preocupações da população. Nada pode justificar o recurso às falsas informações para manipular a opinião pública através das mídias. Essas intervenções não deverão atentar contra a liberdade dos indivíduos e dos grupos.

2499. A moral denuncia a chaga dos estados totalitários, que falsificam sistematicamente a verdade, exercem através das «midias» o domínio político da opinião, «manipulam» os acusados e as testemunhas dos processos públicos e pensam assegurar a sua tirania sufocando e reprimindo tudo o que consideram como «delitos de opinião».

VI. Verdade, beleza e arte sacra

2500. A prática do bem é acompanhada por um prazer espiritual gratuito e pela beleza moral. Do mesmo modo, a verdade comporta a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A verdade é bela por si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência; mas a verdade pode encontrar também outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo quando se trata de evocar o que ela comporta de indizível: as profundezas do coração humano, as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes mesmo de Se revelar ao homem em palavras de verdade, Deus revela-se-lhe pela linguagem universal da criação, obra da sua Palavra e da sua Sabedoria: a ordem e a harmonia do  cosmos - que podem ser descobertas tanto pela criança como pelo homem de ciência - , «a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sb. 13, 5), «porque foi a própria fonte da beleza que as criou» (Sb. 13, 3).

- «Com efeito, a Sabedoria é um sopro do poder de Deus, efusão pura da glória do Onipotente; por isso, nenhum elemento impuro a pode atingir. Ela é o esplendor da luz eterna, límpido espelho da atividade de Deus, imagem da sua bondade» (Sb. 7, 25-26). «A Sabedoria é, de fato, mais formosa do que o sol e supera todas as constelações. Comparada com a luz, revela-se mais excelente, porque à luz sucede a noite, mas a maldade nada pode contra a Sabedoria (Sb. 7, 29-30). Amei-a [...] e enamorei-me dos seus encantos» (Sb. 8, 2)

2501. «Criado à imagem de Deus» (Cf. Gn. 1, 26), o homem exprime também a verdade da sua relação com Deus Criador pela beleza das suas obras artísticas. A arte é, com efeito, uma forma de expressão especificamente humana. Para além da busca da satisfação das necessidades vitais, comum a todas as criaturas vivas, a arte é uma superabundância gratuita da riqueza interior do ser humano. Fruto do talento dado pelo Criador e do esforço do próprio homem, a arte é uma forma de sabedoria prática, unindo conhecimento e habilidade (Cf. Sb. 7, 17) para dar forma à verdade duma realidade, em linguagem acessível à vista ou ao ouvido. A arte comporta assim uma certa semelhança com a atividade de Deus no mundo criado, na medida em que se inspira na verdade e no amor dos seres. Como qualquer outra atividade humana, a arte não tem em si mesma o seu fim absoluto; mas é ordenada e enobrecida pelo fim último do homem (Cf. Pio XII, Mensagem radiofónica (24 de Dezembro de 1955): AAS 48 (1956) 26-41; Id., Mensagem radiofónica aos membros das associações de jovens operários cristãos (J.O.C.) (3 de Setembro de 1950): AAS 42 (1950) 639-642).

2502. A arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde, pela forma, à sua vocação própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o mistério transcendente de Deus, sobre eminente beleza invisível da verdade e do amor, manifestada em Cristo, «esplendor da sua glória e imagem da sua substância» (Heb. 1, 3), no Qual «habita corporalmente toda a plenitude da divindade» (Cl. 2, 9); beleza espiritual refletida na santíssima Virgem Mãe de Deus, nos anjos e nos santos. A verdadeira arte sacra leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus, Criador e Salvador, Santo e Santificador.

2503. Por isso, os Bispos devem, por si próprios ou por delegados, velar pela promoção da arte sacra, antiga e nova, sob todas as suas formas e, com o mesmo religioso cuidado, afastar da liturgia e dos lugares de culto tudo o que não for conforme com a verdade da fé e a autêntica beleza da arte sacra (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 122-127: AAS 56 (1964) 130-132)

Resumindo:

2504. «Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo» (Ex 20, 16). Os discípulos de Cristo revestiram-se «do homem novo, que foi criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade, próprias da verdade» (Ef 4, 24).

2505. A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro nos atos e em dizer a verdade nas palavras, evitando a duplicidade, a simulação e a hipocrisia.

2506. O cristão não deve «envergonhar-se de dar testemunho do Senhor» (2ª Tm. 1, 8) em atos e palavras. O martírio é o supremo testemunho dado em favor da verdade da fé.

2507. O respeito pelo bom nome e pela honra das pessoas proíbe toda e qualquer atitude ou palavra de maledicência ou calúnia.

2508. A mentira consiste em dizer o que é falso, com a intenção de enganar o próximo.

2509. Uma falta cometida contra a verdade exige reparação.

2510. Em situações concretas, a regra de ouro ajuda a discernir se convém ou não revelar a verdade a quem a pede.

2511. «O sigilo sacramental é inviolável» (CIC can. 983, § 1). Os segredos profissionais devem ser guardados. As confidências prejudiciais a outrem não devem ser divulgadas.

2512. A sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade e na justiça. É preciso impor-se moderação e disciplina no uso dos meios de comunicação social.

2513. As belas-artes, mas sobretudo a arte sacra, «estão relacionadas, por sua natureza, com a infinita beleza de Deus, que deve ser expressa de algum modo nas obras humanas. E tanto mais se consagram a Deus e contribuem para o seu louvor e para a sua glória, quanto mais se afastarem de todo o propósito que não seja o de contribuir o mais eficazmente possível, através das suas obras, para dirigir o espírito dos homens, piamente, para Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 122: AAS 56 (1964) 130-131).

ARTIGO 9

O NONO MANDAMENTO

«Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a mulher do próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, ou o seu jumento, nem nada que lhe pertença» (Ex. 20, 17).

«Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt. 5, 28).

2514. São João distingue três espécies de cupidez ou concupiscência: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida (Cf. 1ª Jo. 2, 16 (Vulgata)). Segundo a tradição catequética católica, o nono mandamento proíbe a concupiscência carnal; e o décimo, a cobiça dos bens alheios.

2515. Em sentido etimológico, «concupiscência» pode designar todas as formas veementes de desejo humano. A teologia cristã deu-lhe o sentido particular de impulso do apetite sensível, contrário aos ditames da razão humana. O apóstolo São Paulo identifica-a com a revolta que a «carne» instiga contra o «espírito» (Cf. Gl. 5, 16.17.24; Ef. 2, 3). Procede da desobediência do primeiro pecado (Cf. Gn. 3, 11). Desregra as faculdades morais do homem e, sem ser nenhuma falta em si mesma, inclina o homem para cometer pecado (Cf. Concílio de Trento, Sess. 5ª, Decretum de peccato originali, can. 5: DS 1515).

2516. No homem, porque é um ser integrado de espírito e corpo, já existe uma certa tensão. Trava-se nele uma certa luta de tendências entre o «espírito» e a «carne». Mas esta luta, de fato, faz parte da herança do pecado, é uma consequência dele e, ao mesmo tempo, uma sua confirmação. Faz parte da experiência quotidiana do combate espiritual:

- «para o Apóstolo, não se trata de desprezar e condenar o corpo que, com a alma espiritual, constitui a natureza do homem e a sua personalidade de sujeito; pelo contrário, ele fala das obras, ou antes, das disposições estáveis, virtudes e vícios, moralmente boas ou más, que são o fruto da submissão (no primeiro caso) ou, pelo contrário, da resistência (no segundo caso) à ação salvadora do Espírito Santo. É por isso que o Apóstolo escreve: "se vivemos pelo Espírito, caminhemos também segundo o espírito"» (Gl. 5, 25) (João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, 55: AAS 78 (1986) 877-878).

I. A purificação do coração

2517. O coração é a sede da personalidade moral: «do coração procedem as más intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições» (Mt. 15, 19). A luta contra a concupiscência carnal passa pela purificação do coração e pela prática da temperança:

- «mantém-te na simplicidade, na inocência, e serás como as criancinhas que ignoram o mal, destruidor da vida dos homens» (Hermas, Pastor 27, 1 (mandatum 2. 1): SC 53, 146 (Funk 1, 70)).

2518. A sexta bem-aventurança proclama: «bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt. 5, 8). Os «puros de coração» são os que puseram a inteligência e a vontade de acordo com as exigências da santidade de Deus, principalmente em três domínios: a caridade (Cf. 1ª Ts. 4, 3-9: 2ª Tm. 2, 22); a castidade ou retidão sexual (Cf. 1ª Ts. 4, 7; Cl. 3, 5; Ef. 4, 19); o amor da verdade e a ortodoxia da fé (Cf. Tt. 1, 15; 1ª Tm. 1, 3-4; 2ª Tm. 2, 23-26), existe um nexo entre a pureza do coração, do corpo e da fé:

- os fiéis devem crer nos artigos do Credo, «para que, crendo, obedeçam a Deus; obedecendo a Deus, vivam como deve ser; vivendo como deve ser, purifiquem o seu coração; e purificando o seu coração, compreendam aquilo em que creem» (Santo Agostinho, De fide et symbolo, 10, 25: CSEL 25, 32 (PL 40, 196)).

2519. Aos «puros de coração» é prometido que verão a Deus face a face e serão semelhantes a Ele (Cf. 1ª Cor. 13, 12; l Jo. 3. 2). A pureza do coração é condição prévia para a visão. Já desde agora, permite-nos ver segundo Deus, aceitar o outro como um «próximo» e compreender o corpo humano, o nosso e o do próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.

II. O combate pela pureza

2520. O Batismo confere a quem o recebe a graça da purificação de todos os pecados. Mas o batizado tem de continuar a lutar contra a concupiscência da carne e os desejos desordenados. Com a graça de Deus, consegui-lo-ei:

- pela virtude e pelo dom da castidade, pois a castidade permite amar com um coração reto e sem partilha;
- pela pureza de intenção, que consiste em ter em vista o verdadeiro fim do homem: com um olhar simples, o batizado procura descobrir e cumprir em tudo a vontade de Deus
(Cf. Rm. 12, 2; Cl. 1, 10);
- pela pureza do olhar, exterior e interior; pela disciplina dos sentidos e da imaginação; pela rejeição da complacência em pensamentos impuros que o levariam a desviar-se do caminho dos mandamentos divinos: «a vista excita a paixão dos insensatos» (Sb. 15, 5).
- pela oração:

- «eu pensava que a continência dependia das minhas próprias forças, forças que em mim não conhecia. E era suficientemente louco para não saber [...] que ninguém pode ser continente, se Tu lhe não concederes. E de certo Tu o terias concedido, se com gemido interior eu chamasse aos teus ouvidos e se com fé sólida lançasse em Ti o meu cuidado» (Santo Agostinho, Confissões, 6, 11, 20: CCL 27. 87 (PL 32, 729-730)).

2521. A pureza exige o pudor. O pudor é parte integrante da temperança. O pudor preserva a intimidade da pessoa. Designa a recusa de mostrar o que deve ficar oculto. Ordena-se à castidade e comprova-lhe a delicadeza. Orienta os olhares e as atitudes em conformidade com a dignidade das pessoas e com a união que existe entre elas.

2522. O pudor protege o mistério da pessoa e do seu amor. Convida à paciência e à moderação na relação amorosa e exige que se cumpram as condições do dom e do compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é modéstia. Inspira a escolha do vestuário, mantém o silêncio ou o recato onde se adivinha o perigo duma curiosidade malsã. O pudor é discrição.

2523. Existe um pudor dos sentimentos, tal como existe um pudor corporal. Ele protesta, por exemplo, contra as explorações exibicionistas do corpo humano em certa publicidade, ou contra a solicitação de certos meios de comunicação em ir longe demais na revelação de confidências íntimas. O pudor inspira um modo de viver que permite resistir às solicitações da moda e à pressão das ideologias dominantes.

2524. As formas de que o pudor se reveste variam de cultura para cultura. No entanto, ele continua a ser, em toda a parte, o pressentimento duma dignidade espiritual própria do homem. Nasce com o despertar da consciência pessoal. Ensinar o pudor às crianças e adolescentes é despertá-los para o respeito pela pessoa humana.

2525. A pureza cristã exige uma purificação do ambiente social. Exige dos meios de comunicação social uma informação preocupada com o respeito e o recato. A pureza de coração liberta do erotismo difuso e afasta dos espetáculos que favorecem a curiosidade mórbida e a ilusão.

2526. A chamada permissividade dos costumes assenta numa concepção errónea da liberdade humana; para se edificar, esta precisa de se deixar educar previamente pela lei moral. Deve pedir-se aos responsáveis pela educação que ministrem à juventude um ensino respeitador da verdade, das qualidades do coração e da dignidade moral e espiritual do homem.

2527. «A boa-nova de Cristo renova constantemente a vida e a cultura do homem decaído; combate e repele os erros e os males provenientes da sedução sempre ameaçadora do pecado. Purifica e eleva sem cessar a moralidade dos povos. Com as riquezas do alto, fecunda, consolida, completa e restaura em Cristo, como que a partir de dentro, as qualidades espirituais e os dotes de todos os povos e eras» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 58: AAS 58 (1966) 1079).

Resumindo:

2528. «Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt. 5, 28).

2529. O nono mandamento acautela-nos contra a cupidez ou concupiscência carnal.

2530. A luta contra a concupiscência carnal passa pela purificação do coração e pela prática da temperança.

2531. A pureza de coração permitir-nos-á ver a Deus: desde já, permite-nos ver tudo segundo Deus.

2532. A purificação do coração exige a oração, a prática da castidade, a pureza de intenção e do olhar.

2533. A pureza do coração requer o pudor que é paciência, modéstia e discrição. O pudor preserva a intimidade da pessoa.

ARTIGO 10

O DÉCIMO MANDAMENTO

«Não cobiçarás [...] nada que pertença [ao teu próximo]» (Ex. 20, 17). «Não cobiçarás a casa [do teu próximo], nem o seu campo, nem o seu servo nem a sua serva, o seu boi, ou o seu jumento, nem nada que lhe pertença» (Dt. 5, 21).

«Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração» (Mt. 6, 21).

2534. O décimo mandamento desdobra e completa o nono, que tem por objeto a concupiscência da carne. Proíbe cobiçar o bem de outrem, raiz de onde procede o roubo, a rapina e a fraude, proibidos pelo sétimo mandamento. A «concupiscência dos olhos» (1ª Jo. 2, 16) conduz à dolência e à injustiça, proibidas pelo quinto mandamento (Cf. Mq. 2, 2). A cobiça, bem como a fornicação, tem a sua origem na idolatria, proibida nos três primeiros mandamentos da Lei (Cf. Sb. 14, 12). O décimo mandamento incide sobre a intenção do coração e resume, com o nono, todos os preceitos da Lei.

I. A desordem das cobiças

2535. O apetite sensível leva-nos a desejar as coisas agradáveis que não possuímos. Exemplo disso é desejar comer quando se tem fome ou aquecer-se quando se tem frio. Estes desejos são bons em si mesmos; muitas vezes, porém, não respeitam os limites da razão e levam-nos a cobiçar injustamente o que não é nosso e que pertence, ou é devido, a outrem.

2536. O décimo mandamento condena a avidez e o desejo duma apropriação desmesurada dos bens terrenos; e proíbe a cupidez desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e do seu poder. Interdita também o desejo de cometer uma injustiça pela qual se prejudicaria o próximo nos seus bens temporais:

- «quando a Lei nos diz: "não cobiçarás", diz-nos, por outras palavras, que afastemos os nossos desejos de tudo o que não nos pertence. Porque a sede da cobiça dos bens alheios é imensa, infindável e insaciável, conforme está escrito: "o avarento nunca se fartará de dinheiro"» (Sir. 5, 9) (Cat Rom 3, 10, 13, p. 518).

2537. Não é violar este mandamento desejar obter coisas que pertencem ao próximo, desde que seja por meios legítimos. A catequese tradicional menciona, com realismo, «os que têm que lutar mais contra as suas cobiças criminosas» e que, portanto, precisam de ser «exortados com mais insistência a observarem este preceito»:

- «são [.. .] os comerciantes que desejam a falta ou carestia das coisas, que veem com pena não serem eles os únicos a comprar e a vender, o que lhes permitiria vender mais caro e comprar mais barato; os que desejam ver o seu semelhante na miséria, para obterem maiores lucros, quer vendendo quer comprando [...]. Os médicos, que desejam que haja doentes; os advogados, que reclamam causas e processos importantes e numerosos...» (Cat Rom 3, 10, 23, p. 523).

2538. O décimo mandamento exige que seja banida a inveja do coração humano. Quando o profeta Natan quis estimular o arrependimento do rei David, contou-lhe a história do pobre que só possuía uma ovelha, tratada como se fosse uma filha, e do rico que, apesar dos seus numerosos rebanhos, tinha inveja dele e acabou por lhe roubar a ovelha (Cf. 2ª Sm. 12, 1-4). A inveja pode levar aos piores crimes (Cf. Gn. 4, 3-8; 1º Rs. 21, 1-29). «Foi pela inveja do demónio que a morte entrou no mundo» (Sb. 2, 24).

- «Combatemo-nos uns aos outros e é a inveja que nos arma uns contra os outros [...]. Se todos se encarniçam assim a abalar o corpo de Cristo, onde chegaremos nós? Estamos a aniquilar o corpo de Cristo. [...] Declaramo-nos membros dum mesmo organismo e devoramo-nos como feras» (São João Crisóstomo, In epistulam II ad Corinthios, homilia 27, 3-4: PG 61, 588).

2539. A inveja é um vício capital. Designa a tristeza que se sente perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele, mesmo indevidamente. Se desejar ao próximo um mal grave, é pecado mortal:

- Santo Agostinho via na inveja «o pecado diabólico por excelência» (Santo Agostinho, De disciplina christiana, 7, 7: CCL 46, 214 (PL 40, 673); ID., Epistula 108, 3, 8: CSEL 34, 620 (PL 33, 410)).
«Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pelo mal do próximo e o desgosto causado pela sua prosperidade»
(São Gregório Magno, Moralia in Job, 31, 45, 88: CCL 143b, 1610 (PL 76, 621)).

2540. A inveja representa uma das formas da tristeza e, portanto, uma recusa da caridade; o batizado lutará contra ela, opondo-lhe a benevolência. Muitas vezes, a inveja nasce do orgulho; o batizado exercitar-se-á a viver na humildade:

- «quereríeis ver Deus glorificado por vós? Pois bem, alegrai-vos com os progressos do vosso irmão e, assim, será por vós que Deus é glorificado. Deus será louvado, dir-se-á, pelo facto de o seu servo ter sabido vencer a inveja, pondo a sua alegria nos méritos dos outros» (São João Crisóstomo, In epistulam as Romanos, homilia 7, 5: Pg. 60, 448).

II. Os desejos do Espírito

2541. A economia da lei e da graça desvia o coração dos homens da cobiça e da inveja; inicia-o no desejo do sumo bem; e instrui-o nos desejos do Espírito Santo que sacia o coração do homem.

O Deus das promessas desde sempre pôs o homem de prevenção contra a sedução daquilo que, desde as origens, aparece como «bom para comer, [...] de atraente aspecto e precioso para esclarecer a inteligência» (Gn, 3, 6).

2542. A Lei, confiada a Israel, nunca foi suficiente para justificar aqueles que lhe estavam sujeitos; chegou até a tornar-se instrumento de «concupiscência» (Cf. Rm. 7, 7). A inadequação entre o querer e o fazer (Cf. Rm. 7, 15) manifesta o conflito entre a Lei de Deus, que é a «lei da razão», e uma outra lei «que me retém cativo na lei do pecado, que se encontra nos meus membros» (Rm. 7, 23).

2543. «Agora, foi sem a Lei que se manifestou a justiça de Deus, testemunhada pela Lei e pelos Profetas: a justiça que vem para todos os crentes, mediante a fé em Jesus Cristo» (Rm. 3, 21-22). E assim, os fiéis de Cristo «crucificaram a carne com as suas paixões e desejos» (Gl. 5, 24); são conduzidos pelo Espírito (Cf. Rm. 8, 14) e seguem os desejos do Espírito (Cf. Rm. 8, 27).

III. A pobreza de coração

2544. Jesus impõe aos seus discípulos que O prefiram a tudo e a todos e propõe-lhes que renunciem a todos os seus bens (Cf. Lc. 14, 33) por causa d'Ele e do Evangelho (Cf. Mc. 8, 35). Pouco antes da sua paixão, deu-lhes o exemplo da pobre viúva de Jerusalém que, da sua penúria, deu tudo o que tinha para viver (Cf. Lc. 21, 4). O preceito do desapego das riquezas é obrigatório para entrar no Reino dos céus.

2545. Todos os fiéis de Cristo devem «ordenar retamente os próprios afetos, para não serem impedidos de avançar na perfeição da caridade pelo uso das coisas terrenas e pelo apego às riquezas, em oposição ao espírito de pobreza evangélica» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 42: AAS 57 (1965) 49).

2546. «Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt. 5, 3). As bem-aventuranças revelam uma ordem de felicidade e de graça, de beleza e de paz. Jesus celebra a alegria dos pobres, aos quais o Reino pertence desde já (Cf. Lc. 6, 20):

- «o Verbo chama "pobreza em espírito" à humildade voluntária do espírito humano e à sua renúncia; e o Apóstolo dá-nos como exemplo a pobreza de Deus, quando diz: «Ele fez-Se pobre por nós» (2ª Cor. 8, 9) (São Gregório de Nissa, De beatitudinibus, oratio 1: Gregorii Nysenni opera, ed. W. Jaeger, v. 7/2 (Leiden 1992) p. 83 (Pg. 44, 1200)).

2547. O Senhor lamenta-Se dos ricos, porque eles encontram a sua consolação na abundância de bens (Cf. Lc. 6, 24). «O orgulhoso procura o poder terreno, ao passo que o pobre em espírito procura o Reino dos céus» (Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 1, 1, 3: CCL 35, 4 (PL 34, 1232)). O abandono à providência do Pai do céu liberta da preocupação pelo amanhã. A confiança em Deus dispõe para a bem-aventurança dos pobres (Cf. Mt. 6, 25-34). Eles verão a Deus.

IV. «Quero ver a Deus»

2548. O desejo da verdadeira felicidade liberta o homem do apego imoderado aos bens deste mundo, e terá a sua plenitude na visão beatífica de Deus. «A promessa de ver a Deus ultrapassa toda a bem-aventurança. [...] Na Escritura, ver é possuir. [...] Por isso aquele que vê a Deus obteve todos os bens que se possam imaginar» (São Gregório de Nissa, De beatitudinibus, oratio 6: Gregorii Nysenni opera, ed. W. Jaeger. v. 7/2 (Leiden 1992) p. 138 (PG 44, 1265)).

2549. Resta ao povo santo lutar, com a graça do Alto, para alcançar os bens que Deus promete. Para possuir e contemplar a Deus, os fiéis de Cristo mortificam os seus maus desejos e, com a graça do mesmo Deus, triunfam das seduções do prazer e do poder.

2550. Neste caminho da perfeição, o Espírito e a Esposa chamam quem os escuta (Cf. Ap. 22, 17) à comunhão perfeita com Deus:

- «ali será a verdadeira glória; ninguém ali será louvado por engano ou por lisonja; as verdadeiras honras não serão nem recusadas aos que as merecem, nem dadas aos indignos delas; aliás, não haverá ali indigno que as pretenda, pois só os dignos lá serão admitidos. Ali reinará a verdadeira paz; ninguém terá oposição, nem de si mesmo nem dos outros. O próprio Deus será a recompensa da virtude, Ele que a deu e Se lhe prometeu como recompensa, a maior e melhor que possa existir: [...] "Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (Lv. 26, 12) [...] É também este o sentido das palavras do Apóstolo: "para que Deus seja tudo em todos" (1ª Cor. 15, 28). Ele mesmo será o fim dos nossos desejos, Ele que nós havemos de contemplar sem fim, de amar sem saciedade, de louvar sem cansaço. É este dom, este afeto, esta ocupação será, sem dúvida, comum a todos como a vida eterna» (Santo Agostinho, De civitate Dei, 22, 30: CSEL 40/2, 665-666 (PL 41, 801-802)).

 Resumindo:

2551. «Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração» (Mt. 6, 21).

2552. O décimo mandamento proíbe a cupidez desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e seu poder.

2553 Inveja é a tristeza que se experimenta perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele. É um vício capital.

2554 O batizado combate a inveja pela benevolência, pela humildade e pelo abandono à providência divina.

2555. Os fiéis de Cristo «crucificaram a carne com as suas paixões e desejos» (Gl. 5, 24); são conduzidos pelo Espírito e seguem os seus desejos.

2556. O desapego das riquezas é necessário para entrar no Reino dos céus. «Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt. 5, 3).

2557. O homem de desejo diz: «quero ver a Deus», sede de Deus é saciada pela água da vida eterna» (Cf. Jo 4, 14).

QUARTA PARTE - A ORAÇÃO CRISTÃ

 PRIMEIRA SECÇÃO

A ORAÇÃO NA VIDA CRISTà

2558. «Mistério admirável da nossa fé!». A Igreja professa-o no Símbolo dos Apóstolos (primeira parte) e celebra-o na liturgia sacramental (segunda parte), para que a vida dos fiéis seja configurada com Cristo no Espírito Santo para glória de Deus Pai (terceira parte). Este mistério exige, portanto, que os fiéis nele creiam, o celebrem e dele vivam, numa relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Esta relação é a oração.

O QUE É A ORAÇÃO?

«Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria» (Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscrit C, 25r: Manuscrits autobiographiques (Paris 1992) p. 389-390. [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1996) p. 276]).

A ORAÇÃO COMO DOM DE DEUS

2559. «A oração é a elevação da alma para Deus ou o pedido feito a Deus de bens convenientes» (São João Damasceno, Expositio fidei, 68 [De fide orthodoxa 3, 24]: PTS 12, 167 (PG 94, 1089)). De onde é que falamos, ao orar? Das alturas do nosso orgulho e da nossa vontade própria, ou das «profundezas» (Sl. 130, 1) dum coração humilde e contrito? Aquele que se humilha é que é elevado (Cf. Lc. 18, 9-14). A humildade é o fundamento da oração. «Não sabemos o que havemos de pedir para rezarmos como deve ser» (Rm. 8, 26). A humildade é a disposição necessária para receber gratuitamente o dom da oração: o homem é um mendigo de Deus (Cf. Santo Agostinho, Sermão 56, 6, 9: ed. P. Verbraken: Revue Bénédictine 68 (1958) 31 (PL 38, 381)).

2560. «Se conhecesses o dom de Deus»! (Jo. 4, 10). A maravilha da oração revela-se precisamente, à beira dos poços aonde vamos buscar a nossa água: aí é que Cristo vem ao encontro de todo o ser humano; Ele antecipa-se a procurar-nos e é Ele que nos pede de beber. Jesus tem sede, e o seu pedido brota das profundezas de Deus que nos deseja. A oração, saibamo-lo ou não, é o encontro da sede de Deus com a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede d'Ele (Cf. Santo Agostinho, De diversis quaestionibus octoginta tribus, 64, 4: CCL 44A, 140 (PL 40, 56)).

2561. «Tu é que Lhe terias pedido e Ele te daria água viva» (Jo. 4, 10). Paradoxalmente, a nossa oração de súplica é uma resposta. Resposta ao lamento do Deus vivo: «abandonou-Me a Mim, nascente de águas vivas, e foi escavar cisternas fendidas» (Jr. 2, 13); resposta de fé à promessa gratuita da salvação (Cf. Jo. 7, 37-39; Is. 12, 3; 51, 1); resposta de amor à sede do Filho Único (Cf. Jo 19, 28; Zc 12, 10; 13, 1).

A ORAÇÃO COMO ALIANÇA

2562. De onde procede a oração do homem? Seja qual for a linguagem da oração (gestos e palavras), é o homem todo que ora. Mas para designar o lugar de onde brota a oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do espírito ou, com mais frequência, do coração (mais de mil vezes). É o coração que ora. Se ele estiver longe de Deus, a expressão da oração será vã.

2563. O coração é a morada onde estou, onde habito (e segundo a expressão semítica ou bíblica, aonde eu «desço»). É o nosso centro oculto, inapreensível, quer para a nossa razão quer para a dos outros: só o Espírito de Deus é que o pode sondar e conhecer. E o lugar da decisão, no mais profundo das nossas tendências psíquicas. É a sede da verdade, onde escolhemos a vida ou a morte. É o lugar do encontro, já que, à imagem de Deus, vivemos em relação: é o lugar da aliança.

2564. A oração cristã é uma relação de aliança entre Deus e o homem em Cristo. É ação de Deus e do homem; jorra do Espírito Santo e de nós, toda orientada para o Pai, em união com a vontade humana do Filho de Deus feito homem.

A ORAÇÃO COMO COMUNHÃO

2565. Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus com o seu Pai infinitamente bom, com o seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo. A graça do Reino é «a união de toda a Santíssima Trindade com a totalidade do espírito» (São Gregório Nazianzo, Oratio 16, 9: PG 35, 945). Assim, a vida de oração consiste em estar habitualmente na presença do Deus três vezes santo e em comunhão com Ele. Esta comunhão de vida é sempre possível porque, pelo Batismo, nos tornámos um só com Cristo (Cf. Rm. 6, 5). A oração é cristã na medida em que for comunhão com Cristo, dilatando-se na Igreja que é o seu corpo. As suas dimensões são as do amor de Cristo (Cf. Ef. 3, 18-21).

PRIMEIRA SECÇÃO

A ORAÇÃO NA VIDA CRISTÃ

 CAPÍTULO PRIMEIRO

A REVELAÇÃO DA ORAÇÃO

O apelo universal à oração

2566. O homem anda à procura de Deus. Pela criação, Deus chama todos os seres do nada à existência. Coroado de glória e esplendor (Cf. Sl. 8, 6), o homem, depois dos anjos, é capaz de reconhecer «que o nome do Senhor é grande em toda a terra» (Cf. Sl. 8, 2). Mesmo depois de, pelo pecado, ter perdido a semelhança com Deus, o homem continua a ser à imagem do seu Criador. Conserva o desejo d'Aquele que o chama à existência. Todas as religiões testemunham esta busca essencial do homem (Cf. At. 17, 27).

2567. Mas é Deus que primeiro chama o homem. Muito embora o homem se esqueça do seu Criador ou se esconda da sua face, corra atrás dos ídolos ou acuse a divindade de o ter abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama incansavelmente cada pessoa ao misterioso encontro da oração. Na oração, é sempre o amor do Deus fiel a dar o primeiro passo; o passo do homem é sempre uma resposta. A medida que Deus Se revela e revela o homem a si mesmo, a oração surge como um apelo recíproco, um drama de aliança. Através das palavras e dos atos, este drama compromete o coração e manifesta-se ao longo de toda a história da salvação.

ARTIGO 1

NO ANTIGO TESTAMENTO

2568. A revelação da oração no Antigo Testamento inscreve-se entre a queda e o levantar-se do homem, entre o doloroso chamamento de Deus pelos seus primeiros filhos: «onde estás? [...] Porque fizeste isso»? (Gn. 3, 9,13), e a resposta do Filho único, ao entrar neste mundo: «eis que venho, [...] ó Deus, para fazer a tua vontade» (Heb. 10, 7) (Cf. Heb. 10, 5-7). A oração está assim ligada à história dos homens; é a relação com Deus nos acontecimentos da história.

A CRIAÇÃO - FONTE DA ORAÇÃO

2569. Antes de mais, é a partir das realidades da criação que a oração se vive. Os nove primeiros capítulos do Génesis descrevem esta relação com Deus como oferta das primeiras crias do rebanho por Abel (Cf. Gn. 4, 4), como invocação do nome divino por Henoc (Cf. Gn. 4, 26), como «caminhada com Deus» (Cf. Gn. 5, 24). A oferenda de Noé é «agradável» a Deus que o abençoa e, através dele, abençoa toda a criação (Cf. Gn. 8, 20-9, 17) porque o seu coração é justo e íntegro. Também ele «anda com Deus» (Gn. 6, 9). Esta qualidade da oração é vivida por uma multidão de justos em todas as religiões.

Na sua aliança indefectível com os seres vivos (Cf. Gn. 9, 8-16), Deus está sempre a chamar os homens para lhe rezarem. Mas é sobretudo a partir do nosso Pai Abraão que a oração se revela no Antigo Testamento.

A PROMESSA E A ORAÇÃO DA FÉ

2570. Quando Deus o chama, Abraão parte «como o Senhor lhe tinha mandado» (Gn. 12, 4). O seu coração está completamente «submetido à Palavra»: ele obedece. A escuta do coração que se decide em conformidade com Deus é essencial à oração; as palavras têm um valor relativo. Mas a oração de Abraão exprime-se, antes de mais, em atos: homem de silêncio, constrói, em cada etapa, um altar ao Senhor. Só mais tarde é que aparece a sua primeira oração por palavras: uma queixa velada que lembra a Deus as suas promessas que não parecem cumprir-se (Cf. Gn. 15, 2-3). Assim nos aparece, desde o princípio, um dos aspectos do drama da oração: a prova da fé na fidelidade de Deus.

2571. Tendo acreditado em Deus (Cf. Gn. 15, 6) caminhando na sua presença e em aliança com Ele (Cf. Gn. 17, 1-2), o patriarca está pronto para acolher na sua tenda o Hóspede misterioso: é a admirável hospitalidade de Mambré, prelúdio da Anunciação do verdadeiro Filho da promessa (Cf. Gn. 18, 1-15; Lc. 1, 26-38). Desde então, tendo-lhe Deus confiado o seu desígnio, o coração de Abraão fica em sintonia com a compaixão do seu Senhor pelos homens e ousa interceder por eles com uma confiança audaciosa (Cf. Gn. 18, 16-33).

2572. Como última purificação da sua fé, é pedido ao «depositário das promessas» (Heb. 11, 17) que sacrifique o filho que Deus lhe deu. A sua fé não vacila: «Deus proverá quanto ao cordeiro para o holocausto» (Gn. 22, 8), «porque Deus, pensava ele, é capaz até de ressuscitar os mortos» (Heb. 11, 19). E assim, o pai dos crentes conformou-se com a semelhança do Pai que não poupará o seu próprio Filho, mas O entregará por todos nós (Cf. Rm. 8, 32). A oração restaura o homem na semelhança com Deus e fá-lo participante no poder do amor de Deus que salva a multidão (Cf. Rm. 4, 16-21).

2573. Deus renova a sua promessa a Jacob, o antepassado das doze tribos de Israel (Cf. Gn. 28, 10-22). Antes de enfrentar o seu irmão Esaú, ele luta durante uma noite inteira com «alguém», um ser misterioso que se nega a revelar o seu nome, mas que o abençoa, antes de o deixar, ao raiar da aurora. A tradição espiritual da Igreja divisou nesta narrativa o símbolo da oração como combate da fé e vitória da perseverança (Cf. Gn. 32, 25-31; Lc. 18, 1-8).

MOISÉS E A ORAÇÃO DO MEDIADOR

2574. Quando começa a realizar-se a promessa (a Páscoa, o Êxodo, o dom da Lei e a conclusão da Aliança), a oração de Moisés é a tocante figura da oração de intercessão, que terá a sua realização no «Mediador único entre Deus e os homens, Cristo Jesus» (1ª Tm. 2, 5).

2575. Também aqui, a iniciativa é de Deus. Ele chama Moisés do meio da sarça ardente (Cf. Ex. 3, 1-10). Este acontecimento ficará como uma das figuras primordiais da oração na tradição espiritual judaica e cristã. Com efeito, se «o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob» chama o seu servo Moisés, é porque Ele é o Deus vivo, que quer a vida dos homens. Revela-Se para os salvar, mas não sozinho nem apesar deles: chama Moisés para o enviar, para o associar à sua compaixão, à sua obra de salvação. Há como que uma imploração divina nesta missão e Moisés, após um longo debate, conformará a sua vontade com a de Deus salvador. Mas neste diálogo em que Deus Se confia, Moisés também aprende a orar: esquiva-se, objeta e, sobretudo, interroga. E é em resposta à sua pergunta que o Senhor lhe confia o seu Nome inefável, o qual se revelará nas suas magníficas proezas.

2576. «O Senhor falava com Moisés frente a frente, como um homem fala com o seu amigo» (Ex. 33, 11). A oração de Moisés é o tipo da contemplação, graças à qual o servo de Deus se mantém fiel à sua missão. Moisés «conversa» muitas vezes e demoradamente com o Senhor, subindo à montanha para O ouvir e O implorar, descendo depois até junto do povo para lhe repetir as palavras do seu Deus e o guiar. «Eu estabeleci-o sobre toda a minha casa! Falo com ele frente a frente, à vista e não por enigmas» (Nm. 12, 7-8), porque «Moisés era um homem deveras humilde, mais que todos os homens que há sobre a face da terra» (Nm. 12, 3).

2577. Nesta intimidade com o Deus fiel, lento em irar-se e cheio de amor (Cf. Ex. 34, 6), Moisés hauriu a força e a tenacidade da sua intercessão. Ele não ora por si, mas pelo povo que Deus adquiriu para Si. Já durante o combate com os amalecitas (Cf. Ex. 17, 8-13) ou para obter a cura de Miriam (Cf. Nm. 12, 13-14), Moisés foi intercessor. Mas foi sobretudo após a apostasia do povo que ele «se mantém na brecha» diante de Deus (Sl. 106, 23), para salvar o mesmo povo (Cf. Ex. 32, 1-34, 9). Os argumentos da sua oração (a intercessão também é um combate misterioso) irão inspirar a audácia dos grandes orantes, tanto do povo judaico como da Igreja: Deus é amor e, portanto, é justo e fiel; Ele não pode contradizer-Se; há -de, por conseguinte, lembrar-se das suas ações maravilhosas; está em jogo a sua glória; Ele não pode abandonar o povo que tem o seu nome.

DAVID E A ORAÇÃO DO REI

2578. A oração do povo de Deus vai expandir-se à sombra da morada de Deus: a arca da aliança e, mais tarde, o templo. São, em primeiro lugar os condutores do povo - os pastores e os profetas - que o ensinarão a orar. O pequeno Samuel teve de aprender de Ana, sua mãe, o modo como devia «comportar-se na presença do Senhor» (Cf. 1º Sm. 1, 9-18), e do sacerdote Eli, como devia escutar a sua Palavra: «falai, Senhor, que o vosso servo escuta» (1º Sm. 3, 9-10). Mais tarde, também ele conhecerá o peso e o preço da intercessão: «longe de mim também este pecado contra o Senhor: deixar de rogar por vós! Eu vos mostrarei sempre o caminho bom e reto» (1º Sm. 12, 23).

2579. David é, por excelência, o rei «segundo o coração de Deus», o pastor que ora pelo seu povo e em nome dele, aquele cuja submissão à vontade de Deus, cujo louvor e cujo arrependimento serão o modelo da oração do povo. Ungido de Deus, a sua oração é adesão fiel à promessa divina (Cf. 2º Sm. 7, 18-29), confiança amorosa e alegre n'Aquele que é o único Rei e Senhor. Nos salmos, inspirado pelo Espírito Santo, David é o primeiro profeta da oração judaica e cristã. A oração de Cristo, verdadeiro Messias e Filho de David, há de revelar e dar pleno sentido dessa oração.

2580. O templo de Jerusalém, a casa de oração que David queria construir, será obra do seu filho Salomão. A oração da Dedicação do templo (Cf. 1º Rs. 8, 10-61) apoia-se na promessa de Deus e na sua aliança, na presença ativa do seu nome no meio do seu povo e na memória das magníficas proezas do êxodo. O rei levanta então as mãos para o céu e suplica ao Senhor por si próprio, por todo o povo, pelas gerações futuras, pelo perdão dos seus pecados e pelas suas necessidades de cada dia, para que todas as nações saibam que Ele é o único Deus e o coração do seu povo Lhe pertença inteiramente.

ELIAS, OS PROFETAS E A CONVERSÃO DO CORAÇÃO

2581. O templo devia ser, para o povo de Deus, o lugar da sua educação para a oração: as peregrinações, as festas, os sacrifícios, a oblação vespertina, o incenso, os «pães da proposição», todos esses sinais da santidade e da glória do Deus altíssimo e tão próximo, eram apelos e caminhos de oração. Muitas vezes, porém, o ritualismo arrastava o povo para um culto demasiadamente exterior. Faltava-lhe a educação da fé e a conversão do coração. Foi essa a missão dos profetas, antes e depois do Exílio.

2582. Elias é o pai dos profetas, da geração dos que procuram a Deus, dos que procuram a face do Deus de Jacob (Cf. Sl. 24, 6). O seu nome - «o Senhor é o meu Deus» - é prenúncio do grito do povo em resposta à sua oração no monte Carmelo (Cf. 1º Rs. 18, 39). São Tiago remete para ele quando nos incita à oração: «muito pode a oração persistente dum justo» (Tg. 5, 16) (Cf. Tg. 5, 16-18).

2583. Depois de ter aprendido a misericórdia no seu retiro na torrente de Querit, ensina à viúva de Sarepta a fé na Palavra de Deus, fé que ele confirma com a sua oração insistente: Deus faz voltar à vida o filho da viúva (Cf. 1º Rs. 17, 7-24).

Aquando do sacrifício no monte Carmelo, prova decisiva para a fé do povo de Deus, é em resposta à sua súplica que o fogo do Senhor consome o holocausto, «à hora de oferecer o sacrifício da tarde». «Responde-me, Senhor, responde-me» são as palavras de Elias, que as liturgias orientais retomam na epiclese eucarística (Cf. 1º Rs. 17, 7-24).

Finalmente, retomando o caminho do deserto em direção ao lugar onde o Deus vivo e verdadeiro Se revelou ao seu povo, Elias recolheu-se, como Moisés, «na cavidade do rochedo», até «passar» a presença misteriosa de Deus (Cf. 1º Rs. 19, 1-14; Ex 33, 19-23). Mas será somente no monte da transfiguração que se mostrará sem véu Aquele cuja face eles procuravam (Cf. Lc. 9, 30-35): o conhecimento da glória de Deus está na face de Cristo, crucificado e ressuscitado (Cf. 2ª Cor. 4, 6).

2584. É no «a sós com Deus» que os profetas vão haurir luz e força para a sua missão. A sua oração não é uma fuga do mundo infiel, mas uma escuta da Palavra de Deus, às vezes um debate ou uma queixa e sempre uma intercessão que espera e prepara a intervenção do Deus Salvador, Senhor da história (Cf. Am. 7, 2.5; Is. 6, 5.8.11; Jr. 1, 6; 15, 15-18; 20, 7-18).

OS SALMOS, ORAÇÃO DA ASSEMBLEIA

2585. De David até à vinda do Messias, os livros sagrados contêm textos de oração que atestam como está se foi tornando mais profunda, quer feita em favor de si mesmo quer pelos outros (Cf. Esd. 9, 6-15; Ne. 1, 4-11; Jn. 2, 3-10; Tb. 3, 11-16; Jdt. 9, 2-14). Os salmos foram a pouco e pouco reunidos numa coletânea de cinco livros: os Salmos (ou «Louvores»), obra-prima da oração no Antigo Testamento.

2586. Os salmos nutrem e exprimem a oração do povo de Deus enquanto assembleia, por ocasião das grandes festas em Jerusalém e em cada sábado nas sinagogas. Esta oração é inseparavelmente pessoal e comunitária; diz respeito aos que a fazem e a todos os homens; sobe da Terra Santa e das comunidades da Diáspora, mas abraça toda a criação; recorda os acontecimentos salvíficos do passado, mas estende-se até à consumação da história; faz memória das promessas de Deus já realizadas, mas espera o Messias que as cumprirá definitivamente. Rezados por Cristo e n'Ele realizados, os salmos continuam a ser essenciais para a oração da sua Igreja (Cf. Instrução geral da Liturgia das Horas, 100-109: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1(Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 52-56 [Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 54-58]).

2587. O Saltério é o livro em que a Palavra de Deus se torna oração do homem. Nos outros livros do Antigo Testamento, «as palavras declaram as obras» (de Deus a favor dos homens) «e esclarecem o mistério nelas contido» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 2: AAS 58 (1966) 818). No Saltério, as palavras do salmista exprimem, cantando-as para Deus, as suas obras de salvação. É o mesmo Espírito que inspira, tanto a obra de Deus, como a resposta do homem. Cristo unirá uma e outra. N'Ele, os salmos não cessam de nos ensinar a orar.

2588. As expressões multiformes da oração dos salmos tomam forma, ao mesmo tempo, na liturgia do templo e no coração do homem. Quer se trate dum hino, duma oração de aflição ou de ação de graças, de súplica individual ou comunitária, dum cântico real ou de peregrinação, ou ainda duma meditação sapiencial, os salmos são o espelho das maravilhas de Deus na história do seu povo e das situações humanas vividas pelo salmista. Um salmo pode refletir um acontecimento do passado, mas reveste-se de tal sobriedade que pode com verdade ser rezado pelos homens de qualquer condição e de todos os tempos.

2589. Há traços constantes e comuns a todos os salmos: a simplicidade e a espontaneidade da oração; o desejar Deus em pessoa, através e com tudo o que é bom na sua criação; a situação desconfortável do crente que, no seu amor de preferência pelo Senhor, tem de se confrontar com uma multidão de inimigos e de tentações; a certeza do seu amor e a entrega à sua vontade, enquanto espera o que o Deus fiel fará. A oração dos salmos é sempre animada pelo louvor; e é por isso que o título desta coletânea corresponde bem ao que ela nos oferece: «os Louvores». Coligida para o culto da assembleia, faz-nos ouvir o apelo à oração e canta a resposta ao mesmo apelo: «Hallelou-Ya» (Aleluia)! «Louvai ao Senhor»!

- «Haverá coisa melhor que um salmo? É por isso que David diz, e muito bem: "louvai o Senhor, porque salmodiar é bom: para o nosso Deus, louvor suave e belo"! E é verdade. Porque o salmo é uma bênção cantada pelo povo, louvor de Deus cantado pela assembleia, aplauso de todos, palavra universal, voz da Igreja, melodiosa profissão de fé...» (Santo Ambrósio, Enarrationes in Psalmos, 1, 9: CSEL 64, 7 (PL14, 968)).

Resumindo:

2590. «A oração é a elevação da alma para Deus ou o pedido feito a Deus de bens convenientes» (São João Damasceno, Expositio fidei, 68 [De fide orthodoxa 3, 24]: PTS 12, 167 (PG 94, 1089)).

2591. Deus não se cansa de chamar cada um, pessoalmente, para o encontro misterioso com Ele. A oração acompanha toda a história da salvação, como um apelo recíproco entre Deus e o homem.

2592. A oração de Abraão e de Jacob apresenta-se como um combate da fé, confiante na fidelidade de Deus e na certeza da vitória prometida à perseverança.

2593. A oração de Moisés responde à iniciativa do Deus vivo, com vista à salvação do seu povo. Prefigura a oração de intercessão do único mediador, Cristo Jesus.

2594. A oração do povo de Deus expande-se à sombra da morada de Deus, a arca da aliança e o templo, sob a guia dos pastores, nomeadamente do rei David e dos profetas.

2595. Os profetas convidam à conversão do coração e, procurando ardentemente a face de Deus, como Elias, intercedem pelo povo.

2596. Os salmos constituem a obra-prima da oração no Antigo Testamento. Apresentam duas componentes inseparáveis: a pessoal e a comunitária. Estendem-se a todas as dimensões da história, comemorando as promessas de Deus já cumpridas e esperando a vinda do Messias.

2597. Rezados por Cristo e n'Ele realizados, os salmos são um elemento essencial e permanente da oração da sua Igreja. Adaptam-se aos homens de qualquer condição e de todos os tempos.

ARTIGO 2

NA PLENITUDE DO TEMPO

2598. O drama da oração é-nos plenamente revelado no Verbo que se faz carne e habita entre nós. Procurar compreender a sua oração através do que as suas testemunhas dela nos dizem no Evangelho, é aproximar-nos do santo Senhor Jesus como da sarça ardente: primeiro, contemplando-o a Ele próprio em oração; depois, escutando como Ele nos ensina a rezar, para, finalmente, conhecermos como é que Ele atende a nossa oração.

JESUS ORA

2599. O Filho de Deus, feito Filho da Virgem, aprendeu a orar segundo o seu coração de homem. Aprendeu as fórmulas de oração com a sua Mãe, que conservava e meditava no seu coração todas as «maravilhas» feitas pelo Onipotente (Cf. Lc. 1, 49; 2, 19; 2, 51). Ele ora com as palavras e nos ritmos da oração do seu povo, na sinagoga de Nazaré e no Templo. Mas a sua oração brotava duma fonte muito mais secreta, como deixa pressentir quando diz, aos doze anos: «Eu devo ocupar-me das coisas do meu Pai» (Lc. 2, 49). Aqui começa a revelar-se a novidade da oração na plenitude dos tempos: a oração filial, que o Pai esperava dos seus filhos, vai finalmente ser vivida pelo próprio Filho Único na sua humanidade, com e para os homens.

2600. O Evangelho segundo São Lucas sublinha a ação do Espírito Santo e o sentido da oração no ministério de Cristo. Jesus ora antes dos momentos decisivos da sua missão: antes de o Pai dar testemunho d'Ele aquando do seu batismo (Cf. Lc. 3, 21) e da sua transfiguração (Cf. Lc. 9, 28) e antes de cumprir, pela paixão, o desígnio de amor do Pai (Cf. Lc. 22, 41-44). Reza também antes dos momentos decisivos que vão decidir a missão dos seus Apóstolos: antes de escolher e chamar os Doze (Cf. Lc. 6, 12), antes de Pedro O confessar como o «Cristo de Deus» (Cf. Lc. 9, 18-20) e para que a fé do chefe dos Apóstolos não desfaleça na tentação (Cf. Lc. 22, 32). A oração de Jesus antes dos acontecimentos da salvação de que o Pai O encarrega, é uma entrega humilde e confiante da sua vontade a vontade amorosa do Pai.

2601. «Estando um dia Jesus em oração em certo lugar, quando acabou disse-Lhe um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar» (Lc. 11, 1). Não é, porventura, ao contemplar primeiro o seu Mestre em oração, que o discípulo de Cristo sente o desejo de orar? Pode então aprendê-la com o mestre da oração. É contemplando e escutando o Filho que os filhos aprendem a orar ao Pai.

2602. Jesus retira-se muitas vezes sozinho para a solidão, no cimo da montanha, preferentemente de noite, a fim de orar (Cf. Mc. 1, 35; 6, 46; Lc. 5, 16). Na sua oração Ele leva os homens, porquanto Ele próprio assumiu a humanidade na sua encarnação, e oferece-os ao Pai oferecendo-se a Si mesmo. Ele, o Verbo que «assumiu a carne», na sua oração humana partilha tudo quanto vivem os «seus irmãos» (Cf. Heb. 2, 12); e compadece-se das suas fraquezas para os livrar delas (Cf. Heb. 2, 15; 4, 15). Foi para isso que o Pai O enviou. As suas palavras e as suas obras aparecem então como a manifestação visível da sua oração «no segredo».

2603. Os evangelistas retiveram duas orações mais explícitas de Cristo durante o seu ministério. E ambas começam por uma ação de graças. Na primeira (Cf. Mt. 11, 25-27 e Lc. 10, 21-22), Jesus louva o Pai, reconhece-O e bendi-Lo por ter escondido os mistérios do Reino aos que se julgavam sábios e os ter revelado aos «pequeninos» (os pobres das bem-aventuranças). O seu estremecimento - «Sim Pai» - revela o íntimo do seu coração, a sua adesão ao «beneplácito» do Pai, como um eco do «Fiat» da sua Mãe aquando da sua concepção e como prelúdio do que Ele próprio dirá ao Pai na sua agonia. Toda a oração de Jesus está nesta adesão amorosa do seu coração de homem ao «mistério da vontade» do Pai (Cf. Ef. 1, 9.).

2604. A segunda oração é referida por São João (Cf. Jo. 11, 41-42), antes da ressurreição de Lázaro. A ação de graças precede o acontecimento: «Pai, Eu Te dou graças por Me teres escutado», o que implica que o Pai atende sempre o que Lhe pede; e Jesus acrescenta logo: «Eu bem sabia que Tu Me atendes sempre», o que implica, por seu turno, que Jesus pede constantemente. Assim, apoiada na ação de graças, a oração de Jesus revela-nos como devemos pedir: Antes de Lhe ser dado o que pede, Jesus adere Aquele que dá e Se dá nos seus dons. O Doador é mais precioso do que dom concedido, é o «tesouro», e é n'Ele que está o coração do Filho; o dom é dado «por acréscimo» (Cf. Mt. 6, 21.33).

A oração «sacerdotal» de Jesus (Cf. Jo. 17) ocupa um lugar único na economia da salvação. Será meditada no final da primeira Secção. Ela revela, de fato, a oração sempre atual do nosso Sumo-Sacerdote e, ao mesmo tempo, contém tudo quanto Ele nos ensina na nossa oração ao Pai, que será explicada na Segunda Secção.

2605. Quando chegou a Hora em que cumpriu o desígnio de amor do Pai, Jesus deixa entrever a profundidade insondável da sua oração filial, não só antes de livremente Se entregar («Abbá... não se faça a minha vontade, mas a tua»: Lc. 23, 42), mas até nas suas últimas palavras já na cruz, onde orar e dar-se coincidem: «perdoa-lhes, ó Pai, pois não sabem o que fazem» (Lc. 23, 34); «em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso» (Lc. 23, 43); «Mulher, eis aí o teu filho» [...] «eis aí a tua mãe» (Jo. 19, 26-27); «tenho sede» (Jo. 19, 28); «meu Deus, por que Me abandonaste»? (Mc. 15, 34) (Cf. Sl. 22, 2); «tudo está consumado» (Jo. 19, 30); «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc. 23, 46), até ao «grande brado» com que expira, entregando o espírito (Cf. Mc. 15, 37; Jo. 19, 30).

2606. Todas as desolações da humanidade de todos os tempos, escrava do pecado e da morte, todas as súplicas e intercessões da história da salvação estão reunidas neste brado do Verbo encarnado. E eis que o Pai as acolhe e as atende, para além de toda a confiança, ao ressuscitar o seu Filho. Assim se cumpre e se consuma o drama da oração na economia da criação e da salvação. Dele nos dá o Saltério a chave em Cristo. É no «hoje» da ressurreição que o Pai diz: «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei. Pede-Me, e Te darei as nações por herança e os confins da terra para teu domínio»! (Sl. 2, 7-8) (Cf. At. 13, 33).

A Epístola aos Hebreus exprime em termos dramáticos como é que a oração de Jesus realiza a vitória da salvação: «nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com um forte brado e com lágrimas, Aquele que O podia livrar da morte e, por causa da sua piedade, foi atendido. Apesar de ser Filho, aprendeu, de quanto sofreu, o que é obedecer. E quando atingiu a sua plenitude, tornou-se, para todos aqueles que Lhe obedecem, causa de salvação eterna» (Heb. 5, 7-9).

JESUS ENSINA A ORAR

2607. Quando ora, Jesus já nos ensina a orar. O caminho teologal da nossa oração é a sua oração ao Pai. Mas o Evangelho fornece-nos um ensinamento explícito de Jesus sobre a oração. Como bom pedagogo, toma conta de nós no ponto em que nos encontramos e, progressivamente, conduz-nos até ao Pai. Dirigindo-se às multidões que O seguem, Jesus parte daquilo que elas já conhecem acerca da oração segundo a Antiga Aliança e abre-as à novidade do Reino que chega. Depois, revela-lhes em parábolas essa novidade. E, por fim, aos seus discípulos que hão de ser pedagogos da oração na sua Igreja, fala abertamente do Pai e do Espírito Santo.

2608. Jesus insiste na conversão do coração desde o sermão da montanha: a reconciliação com o irmão antes de apresentar a oferta no altar (Cf. Mt. 5, 23-24); o amor dos inimigos e a oração pelos perseguidores (Cf. Mt. 5, 44-45); orar ao Pai «no segredo» (Mt. 6, 6); não se perder em fórmulas palavrosas (Cf. Mt. 6, 7); perdoar do fundo do coração na oração (Cf. Mt. 6, 14-15); a pureza do coração e a busca do Reino (Cf. Mt. 6, 21.25.33) Esta conversão está totalmente polarizada no Pai: é filial.

2609. O coração, assim decidido a converter-se, aprende a orar na fé. A fé é uma adesão filial a Deus, para além de tudo quanto sentimos e compreendemos. Tornou-se possível, porque o Filho bem-amado nos franqueia o acesso até junto do Pai. Ele pode pedir-nos que «procuremos» e «batamos à porta», porque Ele próprio é a porta e o caminho (Cf. Mt. 7, 7-11.13-14).

2610. Do mesmo modo que Jesus ora ao Pai e Lhe dá graças antes de receber os seus dons, assim também nos ensina esta audácia filial: «tudo o que pedirdes na oração, acreditai que já o alcançastes» (Mc. 11, 24). Tal é a força da oração: «tudo é possível a quem crê» (Mc. 9, 23), com uma fé que não hesita (Cf. Mt. 21, 21). Assim como Jesus Se entristece por causa da «falta de fé» dos seus conterrâneos (Mc. 6, 6) e da «pouca fé» dos seus discípulos (Cf. Mt. 8, 26), também Se enche de admiração perante a «grande fé» do centurião romano (Cf. Mt. 8, 10) e da cananeia (Cf. Mt. 15, 28).

2611. A oração de fé não consiste somente em dizer «Senhor, Senhor», mas em preparar o coração para fazer a vontade do Pai (Cf. Mt. 7, 21). Jesus exorta os seus discípulos a levar para a oração esta solicitude em cooperar com o desígnio de Deus (Cf. Mt. 9, 38; Lc. 10, 2; Jo. 4, 34).

2612. Em Jesus, «o Reino de Deus está perto». Ele apela à conversão e à fé, mas também à vigilância. Na oração (Mc. 1, 15), o discípulo vela, atento aquele que é e que vem, na memória da sua primeira vinda na humildade da carne e na confiança da sua segunda vinda na glória (Cf. Mc. 13; Lc. 21, 34-36). Em comunhão com o Mestre, a oração dos discípulos é um combate; é vigiando na oração que não se cai na tentação (Cf. Lc. 22, 40.46).

2613. São Lucas transmite-nos três parábolas principais sobre a oração.

A primeira, a do «amigo importuno»
(Cf. Lc. 11, 5-13), convida-nos a uma oração persistente: «batei, e a porta abrir-se-vos-á». Aquele que assim ora, o Pai Celeste «dará tudo quanto necessitar» e dará, sobretudo, o Espírito Santo, que encerra todos os dons.

A segunda, a da «viúva importuna» (Cf. Lc. 18, 1-8), está centrada numa das qualidades da oração: é preciso orar sem se cansar, com a paciência da fé. «Mas o Filho do Homem, quando voltar, achará porventura fé sobre a terra»?

A terceira, a do «fariseu e do publicano» (Cf. Lc. 18, 9-14), diz respeito à humildade do coração orante. «Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador». A Igreja não cessa de fazer sua esta oração: «Kyrie, eleison»!

2614. Quando Jesus confia abertamente aos discípulos o mistério da oração ao Pai, desvenda-lhes o que deve ser a oração deles e a nossa quando Ele tiver voltado para junto do Pai, na sua humanidade glorificada. O que há de novo agora é o «pedir em seu nome» (Cf. Jo. 14, 13). A fé n'Ele introduz os discípulos no conhecimento do Pai, porque Jesus é «o caminho, a verdade e a vida» (Jo. 14, 6). A fé dá os seus frutos no amor: guardar a sua Palavra, os seus mandamentos, permanecer com Ele no Pai que n'Ele nos ama ao ponto de permanecer em nós. Nesta aliança nova, a certeza de sermos atendidos nas nossas petições baseia-se na oração de Jesus (Cf. Jo. 14, 13-14).

2615. Mais ainda: o que o Pai nos dá, quando a nossa oração se une à de Jesus, é «o outro Paráclito, [...] para ficar convosco para sempre, o Espírito de verdade» (Jo. 14, 16-17). Esta novidade da oração e das suas condições aparece ao longo do discurso do adeus (Cf. Jo. 14, 23-26; 15, 7.16; 16, 13-15.23-27). No Espírito Santo, a oração cristã é comunhão de amor com o Pai, não somente por Cristo, mas também n'Ele: «até agora, não pedistes nada em meu nome. Pedi e recebereis, para a vossa alegria ser completa» (Jo. 16, 24).

JESUS ATENDE A ORAÇÃO

2616. A oração a Jesus já foi sendo atendida por Ele durante o seu ministério, mediante os sinais que antecipam o poder da sua morte e ressurreição: Jesus atende a oração da fé expressa em palavras (do leproso (Cf. Mc, 1, 40-41), de Jairo (Cf. Mc. 5, 36), da cananeia (Cf. Mc. 7, 29), do bom ladrão (Cf. Lc. 23, 39-43) ou feita em silêncio (dos que trouxeram o paralítico (Cf. Mc. 2, 5), da hemorroíssa que lhe tocou na veste (Cf. Mc. 5, 28), as lágrimas e o perfume da pecadora (Cf. Lc. 7, 37-38). A súplica premente dos cegos: «Filho de David, tem piedade de nós»! (Mt. 9, 27), ou «Jesus, filho de David, tem piedade de mim»! (Mc. 10, 47), foi retomada na tradição da Oração a Jesus: «Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador»! Seja a cura das doenças ou o perdão dos pecados, Jesus responde sempre à oração de quem Lhe implora com fé: «vai em paz, a tua fé te salvou».

Santo Agostinho resume admiravelmente as três dimensões da oração de Jesus: «sendo o nosso Sacerdote, ora por nós; sendo a nossa Cabeça, ora em nós; e sendo o nosso Deus, a Ele oramos. Reconheçamos, pois, n'Ele a nossa voz e a voz d'Ele em nós» (Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum 85, 1 CCL39, 1176 (PL 36, 1081); cf. Instrução geral da Liturgia das Horas, 7: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 24 [Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 26]).

A ORAÇÃO DA VIRGEM MARIA

2617. A oração de Maria é-nos revelada na aurora da plenitude dos tempos. Antes da encarnação do Filho de Deus e da efusão do Espírito Santo, a sua oração coopera de um modo único com o desígnio bene­volente do Pai, aquando da Anunciação para a concepção de Cristo (Cf. Lc. 1, 38) e aquando do Pentecostes para a formação da Igreja, corpo de Cristo (Cf. Lc 1, 14). Na fé da sua humilde serva, o Dom de Deus encontra o acolhimento que Ele esperava desde o princípio dos tempos. Aquela que o Todo-Poderoso fez «cheia de graça» responde pelo oferecimento de todo o seu ser: «eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra». «Faça-se» é a oração cristã: ser todo para Ele, já que Ele é todo para nós.

2618. O Evangelho revela-nos como é que Maria ora e intercede na fé: em Caná (Cf. Jo. 2, 1-12), a Mãe de Jesus roga a seu Filho pelas necessidades dum banquete de bodas, sinal dum outro banquete, o das bodas do Cordeiro que dá o seu corpo e o seu sangue a pedido da Igreja, sua esposa. E é na hora da Nova Aliança, ao pé da cruz (Cf. Jo. 19, 25-27), que Maria é atendida como a Mulher, a nova Eva, a verdadeira «mãe dos vivos».

2619. É por isso que o cântico de Maria (Cf. Lc. 1, 46-55) o Magnificat latino, o Megalynárion bizantino - é, ao mesmo tempo, o cântico da Mãe de Deus e o da Igreja, cântico da Filha de Sião e do novo povo de Deus, cântico de ação de graças pela plenitude de graças derramadas na economia da salvação, cântico dos «pobres», cuja esperança se vê satisfeita pelo cumprimento das promessas feitas aos nossos pais, «em favor de Abraão e da sua descendência, para sempre».

Resumindo:

2620. No Novo Testamento, o modelo perfeito da oração é a oração filial de Jesus. Feita muitas vezes na solidão, no segredo, a oração de Jesus comporta uma adesão amorosa à vontade do Pai até à cruz e uma confiança absoluta em que será atendida.

2621. Na sua doutrina, Jesus ensina os discípulos a orar com um coração purificado, uma fé viva e perseverante, uma audácia filial. Exorta-os à vigilância e convida-os a apresentar a Deus os seus pedidos em nome d'Ele. O próprio Jesus Cristo atende as orações que lhe são dirigidas.

2622. A oração da Virgem Maria, no seu «Fiat» e no seu «Magnificat», caracteriza-se pelo oferecimento generoso de todo o seu ser na fé.

ARTIGO 3

NO TEMPO DA IGREJA

2623. No dia de Pentecostes, o Espírito da promessa foi derramado sobre os discípulos, «reunidos no mesmo lugar» (At. 2, 1), enquanto O esperavam, «todos [...] perseveravam unânimes na oração» (At. 1, 14). O Espírito que ensina a Igreja e lhe recorda tudo quanto Jesus disse (Cf. Jo. 14, 26) vai também formá-la na vida de oração.

2624. Na primeira comunidade de Jerusalém, os crentes «eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações» (At. 2, 42). Esta sequência é típica da oração da Igreja: fundada sobre a fé apostólica e autenticada pela caridade, alimenta-se na Eucaristia.

2625. Estas orações são, em primeiro lugar, as que os fiéis ouvem e leem nas Escrituras; mas eles atualizam-nas, em particular as dos salmos, a partir da sua realização em Cristo (Cf. Lc. 24, 27.44). O Espírito Santo, que assim recorda Cristo à sua Igreja orante, também a conduz para a verdade integral e suscita formulações novas que exprimirão o insondável mistério de Cristo operante na vida, sacramentos e missão da Igreja. Estas formulações desenvolver-se-ão nas grandes tradições litúrgicas e espirituais. As formas da oração, tais como as revelam as Escrituras apostólicas canónicas, continuam a ser normativas da oração cristã.

I. A bênção e a adoração

2626. A bênção exprime o movimento de fundo da oração cristã: ela é o encontro de Deus com o homem; nela se encontram e unem o dom de Deus e o acolhimento do homem. A oração de bênção é a resposta do homem aos dons de Deus: uma vez que Deus abençoa, o coração do homem pode responder bendizendo Aquele que é a fonte de toda a bênção.

2627. Exprimem este movimento duas formas fundamentais: umas vezes, a bênção sobe, levada por Cristo no Espírito Santo, para o Pai (nós O bendizemos por Ele nos ter abençoado) (Cf. Ef. 1, 3-14; 2ª Cor. 1, 3-7; 1ª Pe. 1, 3-9); outras vezes, implora a graça do Espírito Santo que, por Cristo, desce de junto do Pai (é Ele que nos abençoa) (Cf. 2ª Cor. 13, 13; Rm. 15, 5-6.13; Ef. 6, 23-24).

2628. A adoração é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura diante do seu Criador. Exalta a grandeza do Senhor que nos criou (Cf. Sl. 95, 1-6) e a omnipotência do Salvador que nos liberta do mal. É a prostração do espírito perante o «Rei da glória» (Cf. Sl. 24, 9-10) e o silêncio respeitoso face ao Deus «sempre maior» (Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum 62, 16: CCL 39, 804 (PL 36, 758)). A adoração do Deus três vezes santo e soberanamente amável enche-nos de humildade e dá segurança às nossas súplicas.

II. A oração de petição

2629. O vocabulário da oração de súplica é rico de matizes no Novo Testamento: pedir, reclamar, chamar com insistência, invocar, bradar, gritar e, até «lutar na oração» (Cf. Rm. 15, 30; Cl. 4, 12). Mas a sua forma mais habitual, porque mais espontânea, é a petição. É pela oração de petição que traduzimos a consciência da nossa relação com Deus: enquanto criaturas, não somos a nossa origem, nem donos das adversidades, nem somos o nosso fim último; mas também, sendo pecadores, sabemos, como cristãos, que nos afastamos do nosso Pai. A petição é já um regresso a Ele.

2630. O Novo Testamento quase não contém orações de lamentação, frequentes no Antigo. Doravante, em Cristo Ressuscitado, a petição da Igreja é sustentada pela esperança, embora ainda estejamos à espera e tenhamos de nos converter em cada dia. É de outra profundidade que brota a petição cristã, aquela a que São Paulo chama gemido: o da criação em «dores de parto» (Rm. 8, 22) e também o nosso, «aguardando a libertação do nosso corpo», porque «foi na confiança que fomos salvos» (Rm. 8, 23-24); e, por fim, os «gemidos inefáveis» do próprio Espírito Santo, que «vem em auxílio da nossa fraqueza, pois não sabemos o que havemos de pedir, para rezarmos como deve ser» (Rm. 8, 26).

2631. O pedido de perdão é o primeiro movimento da oração de petição (cf. o publicano: «ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador» (Lc. 18, 13). É o preliminar duma oração justa e pura. A humildade confiante repõe-nos na luz da comunhão com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo, bem como dos homens uns com os outros (Cf. 1ª Jo. 1, 7 – 2, 2. 49). Nestas condições, «seja o que for que Lhe peçamos, recebê-lo-emos» (1ª Jo. 3, 22). O pedido de perdão é o preâmbulo da liturgia Eucarística, bem como da oração pessoal.

2632. A petição cristã está centrada no desejo e na busca do Reino que há de vir, em conformidade com o ensinamento de Jesus (Cf. Mt. 6, 10.33; Lc. 11, 2.13). Há uma hierarquia nas petições: primeiro, o Reino; depois, tudo quanto é necessário para o acolher e para cooperar com a sua vinda. Esta cooperação com a missão de Cristo e do Espírito Santo, que agora é a da Igreja, é o objeto da oração da comunidade apostólica (Cf. At 6, 6: 13, 3). É a oração de Paulo, o apóstolo por excelência, que nos revela como a solicitude divina por todas as Igrejas deve animar a oração cristã (Cf. Rm. 10, l; Ef.  1, 16-23; Fl. 1, 9-11; Cl. 1, 3-6; 4, 3-4.12). Pela oração, todo o cristão trabalha pela vinda do Reino.

2633. Quando se participa assim no amor salvífico de Deus, compreende-se que qualquer necessidade pode tornar-se objeto de pedido. Cristo, que tudo assumiu a fim de tudo resgatar, é glorificado pelos pedidos que dirigimos ao Pai em seu nome (Cf. Jo. 14, 13). É com esta certeza que Tiago (Cf. Tg. 1, 5-8) e Paulo nos exortam a orar em todas as ocasiões (Cf. Ef. 5, 20; Fl. 4, 6-7; Cl. 3, 16-17; 1ª Ts. 5, 17-18).

III. A oração de intercessão

2634. A intercessão é uma oração de petição que nos conforma de perto com a oração de Jesus. É Ele o único intercessor junto do Pai em favor de todos os homens, em particular dos pecadores (Cf. Rm. 8, 34; 1ª Jo. 2, 1; 1ª Tm 2, 5-8). Ele «pode salvar de maneira definitiva aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus, uma vez que está sempre vivo, para interceder por eles» (Heb. 7, 25). O próprio Espírito Santo «intercede por nós [...] intercede pelos santos, em conformidade com Deus» (Rm. 8, 26-27).

2635. Interceder, pedir a favor de outrem, é próprio, desde Abraão, dum coração conforme com a misericórdia de Deus. No tempo da Igreja, a intercessão cristã participa na de Cristo: é a expressão da comunhão dos santos. Na intercessão, aquele que ora não «olha aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros» (Fl. 2, 4), e chega até a rezar pelos que lhe fazem mal (Cf. Santo Estêvão rezando pelos que o supliciavam, como Jesus: cf. At. 7, 60; Lc 23, 28.34.).

2636. As primeiras comunidades cristãs viveram intensamente esta forma de partilha (Cf. At 12, 5; 20, 36; 21, 5; 2ª Cor. 9, 14). O apóstolo Paulo fá-las participar deste modo no seu ministério do Evangelho (Cf. Ef. 6, 18-20; Cl. 4, 3-4; 1ª Ts. 5, 25) mas ele próprio também intercede por elas (Cf. 2ª Ts. 1, 11; Cl. 1, 3; Fl. 1, 3-4). A intercessão dos cristãos não conhece fronteiras: «[...] por todos os homens, [...] por todos os que exercem a autoridade» (1ª Tm. 2, 1), pelos perseguidores (Cf. Rm. 12, 14), pela salvação dos que rejeitam o Evangelho (Cf. Rm. 10, 1).

IV. A oração de ação de graças

2637. A ação de graças caracteriza a oração da Igreja que, ao celebrar a Eucaristia, manifesta e cada vez mais se torna naquilo que é. De fato, pela obra da salvação, Cristo liberta a criação do pecado e da morte, para de novo a consagrar e fazer voltar ao Pai, para sua glória. A ação de graças dos membros do corpo participa na da sua Cabeça.

2638. Como na oração de petição, qualquer acontecimento e qualquer necessidade podem transformar-se em oferenda de ação de graças. As cartas de São Paulo muitas vezes começam e acabam por uma ação de graças, e nelas o Senhor Jesus está sempre presente: «daí graças em todas as circunstâncias, pois é esta a vontade de Deus, em Cristo Jesus, a vosso respeito» (1ª Ts. 5, 18); «perseverai na oração; sede, por meio dela, vigilantes em ações de graças» (Cl. 4, 2).

V. A oração de louvor

2639. O louvor é a forma de oração que mais imediatamente reconhece que Deus é Deus! Canta-O por Si próprio, glorifica-O, não tanto pelo que Ele faz, mas sobretudo porque ELE É. Participa da bem-aventurança dos corações puros que O amam na fé, antes de O verem na glória. Por ela, o Espírito junta-se ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus (Cf. Rm. 8, 16) e dá testemunho do Filho Único no qual fomos adotados e pelo qual glorificamos o Pai. O louvor integra as outras formas de oração e leva-as Aquele que delas é a fonte e o termo: «o único Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos» (1ª Cor. 8, 6).

2640. São Lucas registra muitas vezes no seu Evangelho a admiração e o louvor perante as maravilhas operadas por Cristo. Sublinha também os mesmos sentimentos perante as ações do Espírito Santo que são os Atos dos Apóstolos: a comunidade de Jerusalém (Cf. At. 2, 47), o entrevado curado por Pedro e João (Cf. At. 3, 9), a multidão que por tal fato dá glória a Deus (Cf. At 4, 21), os pagãos da Pisídia, que, «cheios de alegria, glorificam a Palavra do Senhor» (At. 13, 48).

2641. «Recitai entre vós salmos, hinos e cânticos inspirados; cantai e louvai ao Senhor no vosso coração» (Ef. 5, 19) (Cf. Cl. 3, 16). Tal como os escritores inspirados do Novo Testamento, as primeiras comunidades cristãs releem o livro dos Salmos, cantando neles o mistério de Cristo. Na novidade do Espírito, compõem também hinos e cânticos a partir do acontecimento inaudito que Deus realizou em seu Filho: a sua encarnação, a sua morte vitoriosa sobre a morte, a sua ressurreição e a sua ascensão à direita do Pai (Cf. Fl. 2, 6-11; Cl. 1, 15-20; Ef. 5, 14; 1ª Tm. 3, 16; 6, 15-16; 2ª Tm. 2, 11-13). É desta «maravilha» de toda a economia da salvação que sobe a doxologia, o louvor de Deus (Cf. Ef. 1, 3-14; 3, 20-21; Rm. 16, 25-27; Jd. 24-25).

2642. A revelação «do que deve acontecer em breve», que é o Apocalipse, apoia-se nos cânticos da liturgia celeste (Cf. Ap. 4, 8-11; 5, 9-14; 7, 10-12), mas também na intercessão das «testemunhas» (isto é, dos mártires) (Cf. Ap. 6, 10). Os profetas e os santos, todos os que na terra foram mortos por causa do testemunho dado por Jesus (Cf. Ap. 18, 24), a multidão imensa daqueles que, vindos da grande tribulação, nos precederam no Reino, cantam o louvor da glória d'Aquele que está sentado no trono e do Cordeiro (Cf. Ap. 19, 1-8). Em comunhão com eles, a Igreja da terra canta também os mesmos cânticos, na fé e na provação. A fé, na súplica e na intercessão, espera contra toda a esperança e dá graças ao Pai das luzes de quem procede todo o dom perfeito (Cf. Tg. 1, 17). Assim, a fé é um puro louvor.

2643. A Eucaristia contém e exprime todas as formas de oração: é «a oblação pura» de todo o corpo de Cristo «para glória do seu nome» (Cf. Ml. 1, 11); é, segundo as tradições do Oriente e do Ocidente, «o sacrifício de louvor».

Resumindo:

2644. O Espírito Santo, que ensina a Igreja e lhe recorda tudo o que Jesus disse, também a educa para a vida de oração, suscitando expressões que se renovam no âmbito de formas permanentes: bênção, petição, intercessão, ação de graças e louvor.

2645. É porque Deus o abençoa, que o coração do homem pode, retribuindo, bendizer Aquele que é a fonte de toda a bênção.

2646. A oração de petição tem por objeto o perdão, a busca do Reino, bem como qualquer necessidade verdadeira.

2647. A oração de intercessão consiste numa petição em favor de outrem. Não conhece fronteiras e estende-se até aos inimigos.

2648. Toda a alegria e todo o sofrimento, todo o acontecimento e toda a necessidade podem ser matéria da ação de graças, a qual, participando na de Cristo, deve encher a vida toda: «dai graças em todas as circunstâncias» (1ª Ts. 5, 18).

2649. A oração de louvor, totalmente desinteressada, dirige-se a Deus: canta-O por Si próprio, glorifica-O, não tanto pelo que Ele faz, mas sobretudo porque ELE É.

A ORAÇÃO CRISTÃ

 PRIMEIRA SECÇÃO

A ORAÇÃO NA VIDA CRISTÃ

 CAPÍTULO SEGUNDO

A TRADIÇÃO DA ORAÇÃO

2650. A oração não se reduz ao brotar espontâneo dum impulso interior: para orar, é preciso querer. Tão pouco basta saber o que a Escritura revela sobre a oração: é preciso também aprender a rezar. Ora, é através duma transmissão viva (a Tradição sagrada), que o Espírito Santo, na «Igreja crente e orante» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821), ensina os filhos de Deus a orar.

2651. A tradição da oração cristã é uma das formas de crescimento da Tradição da fé, particularmente pela contemplação e pelo estudo dos crentes, que guardam no seu coração os acontecimentos e as palavras da economia da salvação, e pela penetração profunda das realidades espirituais que eles experimentam (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821).

ARTIGO 1

NAS FONTES DA ORAÇÃO

2652. O Espírito Santo é a «água viva» que, no coração orante, «jorra para a vida eterna» (Cf. Jo. 4, 14). É Ele quem nos ensina a recolhê-la na própria Fonte: Jesus Cristo. Ora, há na vida cristã mananciais onde Cristo nos espera para nos dar a beber o Espírito Santo.

A PALAVRA DE DEUS

2653. A Igreja «exorta com ardor e insistência todos os fiéis [...] a que aprendam "a sublime ciência de Jesus Cristo" (Fl. 3, 8) pela leitura frequente das divinas Escrituras [...]. Lembrem-se, porém, de que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada de oração, para que seja possível o diálogo entre Deus e o homem, porque "a Ele falamos, quando rezamos, a Ele ouvimos, quando lemos os divinos oráculos"» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,25: AAS 58 (1966) 829; cf. Santo Ambrósio, De officiis ministrorum, 1, 88: ed. N. Testard (Paris 1984) p. 138 (PL 16, 50)).

2654. Os Padres espirituais, parafraseando Mt. 7, 7, resumem assim as disposições do coração, alimentado pela Palavra de Deus na oração: «procurai na leitura e achareis na meditação; batei à porta na oração e ela abrir-se-vos-á na contemplação» (Guigo, O Cartuxo, Scala claustralium, 2, 2: PL 184, 476. Entretanto, estas palavras não foram retidas no texto da edição crítica SC 163, 84; veja-se aí o aparato crítico).

A LITURGIA DA IGREJA

2655. A missão de Cristo e do Espírito Santo que, na liturgia sacramental da Igreja anuncia, atualiza e comunica o mistério da salvação, prossegue no coração de quem ora. Os Padres espirituais comparam, por vezes, o coração a um altar. A oração interioriza e assimila a liturgia, durante e depois da sua celebração. Mesmo quando vivida «no segredo» (Mt. 6, 6), a oração é sempre oração da Igreja; é comunhão com a Santíssima Trindade (Instrução geral da Liturgia das Horas, 9: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 25 [Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 27]).

AS VIRTUDES TEOLOGAIS

2656. Entra-se na oração como se entra na liturgia: pela porta estreita da fé. Através dos sinais da sua presença, é a face do Senhor que nós buscamos e desejamos, é a sua Palavra que nós queremos escutar e guardar.

2657. O Espírito Santo, que nos ensina a celebrar a liturgia na expectativa do regresso de Cristo, educa-nos para orar na esperança. E vice-versa, a oração da Igreja e a prece pessoal nutrem em nós a esperança. Particularmente os salmos, com a sua linguagem concreta e variada, ensinam-nos a fixar em Deus a nossa confiança: «Esperei no Senhor com toda a confiança, e Ele atendeu-me. Ouviu o meu clamor» (Sl. 40, 2). «Que o Deus da esperança vos encha de toda a alegria e paz na fé, para que transbordeis de confiança pela força do Espírito Santo» (Rm. 15, 13).

2658. «A confiança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm. 5, 5). A oração, formada pela vida litúrgica, vai haurir tudo no amor com que fomos amados em Cristo e que nos dá a graça de Lhe corresponder, amando como Ele amou. O amor é a fonte da oração; quem bebe dessa fonte atinge os cumes da oração:

- «eu Vos amo, ó meu Deus, e o meu único desejo é amar-Vos até ao último suspiro da minha vida. Amo-Vos, ó meu Deus infinitamente amável, e antes quero morrer a amar-Vos do que viver sem Vos amar. Amo-Vos, Senhor, e a única graça que Vos peço é a de Vos amar eternamente [...] Meu Deus: se a minha língua não pode dizer a todo o momento que Vos amo, quero que o meu coração o repita tantas vezes quantas eu respiro» (São João Maria Baptista Vianney, Oração, In B. Nodet, Le Cure d'Ars. Sa pensée-son coeur (Le Puy 1966) p. 45).

«HOJE»

2659. Aprendemos a orar em certos momentos, escutando a Palavra do Senhor e participando no seu mistério pascal. Mas a cada momento, nos acontecimentos de cada dia, o seu Espírito é-nos oferecido para fazer brotar a oração. O ensinamento de Jesus sobre a oração ao nosso Pai está na mesma linha que o ensino sobre a providência (Cf. Mt. 6, 11.34): o tempo está nas mãos do Pai; é no presente que nós O encontramos; não ontem nem amanhã, mas hoje: - «quem dera ouvísseis hoje a sua voz; não endureçais os vossos corações» (Sl. 95, 7-8).

2660. Orar nos acontecimentos de cada dia e de cada instante é um dos segredos do Reino, revelados aos «pequeninos», aos servos de Cristo, aos pobres das bem-aventuranças. É justo e bom orar para que a vinda do Reino da justiça e da paz influencie a marcha da história; mas também é importante levedar pela oração a massa das humildes situações quotidianas. Todas as formas de oração podem ser esse fermento a que o Senhor compara o Reino (Cf. Lc. 13, 20-21).

Resumindo:

2661. É por meio duma transmissão viva, pela Tradição, que, na Igreja, o Espírito Santo ensina os filhos de Deus a orar.

2662. A Palavra de Deus, a liturgia da Igreja, as virtudes da fé, da esperança e da caridade são fontes da oração.

ARTIGO 2

O CAMINHO DA ORAÇÃO

2663. Na tradição viva da oração, cada Igreja propõe aos seus fiéis, segundo o contexto histórico, social e cultural, a linguagem da sua oração: palavras, melodias, gestos e iconografia. Compete ao Magistério (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822) ajuizar sobre a fidelidade destes caminhos de oração à Tradição da fé apostólica. E aos pastores e catequistas incumbe a tarefa de explicar o seu sentido, sempre com referência a Jesus Cristo.

A ORAÇÃO AO PAI

2664. Não há outro caminho para a oração cristã senão Cristo. Seja comunitária ou pessoal, seja vocal ou interior, a nossa oração só tem acesso ao Pai se rezarmos «em nome» de Jesus. A santa humanidade de Jesus é, pois, o caminho pelo qual o Espírito Santo nos ensina a orar a Deus nosso Pai.

A ORAÇÃO A JESUS

2665. A oração da Igreja, alimentada pela Palavra de Deus e pela celebração da liturgia, ensina-nos a orar ao Senhor Jesus. Mesmo sendo dirigida sobretudo ao Pai, ela inclui, em todas as tradições litúrgicas, formas de oração dirigidas a Cristo (Cf. Ex. 3, 14; 33, 19-23). Certos salmos, segundo a sua atualização na oração da Igreja, e o Novo Testamento, colocam nos nossos lábios e gravam nos nossos corações as invocações desta oração a Cristo: Filho de Deus, Verbo de Deus, Senhor, Salvador, Cordeiro de Deus, Rei, Filho muito amado, Filho da Virgem, Bom Pastor, nossa Vida, nossa Luz, nossa Esperança, nossa Ressurreição, Amigo dos homens...

2666. Mas o nome que tudo encerra é o que o Filho de Deus recebe na sua encarnação: JESUS. O nome divino é indizível para lábios humanos, mas, ao assumir a nossa humanidade, o Verbo de Deus comunica-no-lo e nós podemos invocá-lo: «Jesus», «YHWH salva» (Cf. Mt. 1, 21). O nome de Jesus contém tudo: Deus e o homem e toda a economia da criação e da salvação. Rezar «Jesus» é invocá-Lo, chamá-Lo a nós. O seu nome é o único que contém a presença que significa. Jesus é o Ressuscitado, e todo aquele que invocar o seu nome, acolhe o Filho de Deus que o amou e por ele Se entregou (Cf. Rm. 10, 13; At. 2, 21; 3, 15-16; Gl. 2, 20).

2667. Esta invocação de fé tão simples foi desenvolvida na tradição da oração sob as mais variadas formas, tanto no Oriente como no Ocidente. A formulação mais habitual, transmitida pelos espirituais do Sinai, da Síria e de Athos, é a invocação: «Jesus, Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós, pecadores»! Ela conjuga o hino cristológico de Fl. 2, 6-11 com a invocação do publicano e dos mendigos da luz (Cf. Lc. 18, 13; Mc. 10, 46-52). Por ela, o coração sintoniza com a miséria dos homens e com a misericórdia do seu Salvador.

2668. A invocação do santo Nome de Jesus é o caminho mais simples da oração contínua. Muitas vezes repetida por um coração humildemente atento, não se dispersa num «mar de palavras» (Mt. 6, 7), mas «guarda a Palavra e produz fruto pela constância» (Cf. Lc. 8, 15). E é possível «em todo o tempo», porque não constitui uma ocupação a par de outra, mas é a ocupação única, a de amar a Deus, que anima e transfigura toda a ação em Cristo Jesus.

2669. A oração da Igreja venera e honra o Coração de Jesus, tal como invoca o seu santíssimo Nome. Adora o Verbo encarnado e o seu Coração que, por amor dos homens, se deixou trespassar pelos nossos pecados. A oração cristã gosta de percorrer o caminho da cruz (Via-Sacra) no seguimento do Salvador. As estações, do Pretório ao Gólgota e ao túmulo, assinalam o caminho de Jesus que, pela sua santa cruz, remiu o mundo.

«VINDE, ESPÍRITO SANTO»

2670. «Ninguém pode dizer "Jesus é o Senhor", a não ser pela ação do Espírito Santo» (1ª Cor. 12, 3). Todas as vezes que começamos a orar a Jesus, é o Espírito Santo que, pela sua graça preveniente, nos atrai para o caminho da oração. Uma vez que Ele nos ensina a orar lembrando-nos Cristo, como orar-Lhe a Ele próprio? A Igreja convida-nos, pois, a implorar cada dia o Espírito Santo, especialmente no princípio e no fim de qualquer ato importante.

- «se o Espírito Santo não deve ser adorado, como é que Ele me diviniza pelo Batismo? E se deve ser adorado, não há de ser objeto dum culto particular»? (São Gregório de Nazianzo, Oratio 31 (theologica 5), 28: SC 250, 332 (PG 36, 165)).

2671. A forma tradicional de pedir o Espírito é invocar o Pai, por Cristo, nosso Senhor, para que nos dê o Espírito Consolador (Cf. Lc. 11, 13). Jesus insiste nesta petição em seu nome no próprio momento em que promete o dom do Espírito de verdade (Cf. Jo. 14, 17; 15, 26; 16, 13). Mas também é tradicional a oração mais simples e mais direta: «vinde, Espírito Santo». Cada tradição litúrgica desenvolveu-a em antífonas e hinos:

- «vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor» (Solenidade de Pentecostes, Antífona do «Magnificat» nas I Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 798 [Liturgia das Horas, v. 2 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 930]; cf. Solenidade de Pentecostes, Sequência na Missa do dia: Lectionarium, v. 1, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970) p. 855-856 [Leccionário Dominical. Ano A (Coimbra, Gráfica de Coimbra - Conferência Episcopal Portuguesa, 1993) p. 238]).

«Rei celeste, Espírito consolador, Espírito da verdade, presente em toda a parte e tudo enchendo, tesouro de todo o bem e fonte da vida, vem, habita em nós, purifica-nos e salva-nos, Tu que és Bom»! (Ofício das Horas Bizantino, Vésperas do dia de Pentecostes, Sticherum 4: Pentêkostárion (Rome 1884) p. 394).

2672. O Espírito Santo, cuja unção impregna todo o nosso ser, é o mestre interior da oração cristã. É o artífice da tradição viva da oração. Há, é certo, tantos caminhos na oração como orantes; mas é o mesmo Espírito que age em todos e com todos. É na comunhão do Espírito Santo que a oração cristã é oração na Igreja.

EM COMUNHÃO COM A SANTA MÃE DE DEUS

2673. Na oração, o Espírito Santo une-nos à pessoa do Filho Único, na sua humanidade glorificada. É por ela e nela que a nossa oração filial comunga, na Igreja, com a Mãe de Jesus (Cf. At. 1, 14).

2674. Desde o consentimento prestado na fé à Anunciação e mantido sem hesitação ao pé da cruz, a maternidade de Maria estende-se aos irmãos e irmãs do seu Filho ainda peregrinos e que caminham entre perigos e angústias (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 62: AAS 57 (1965) 63). Jesus, o único mediador, é o caminho da nossa oração; Maria, sua Mãe e nossa Mãe, é pura transparência dele: Ela «mostra o caminho» («Hodêghêtria»), é «o sinal» do caminho, segundo a iconografia tradicional no Oriente e no Ocidente.

2675. Foi a partir desta singular cooperação de Maria com a ação do Espírito Santo que as Igrejas cultivaram a oração à Santa Mãe de Deus, centrando-a na pessoa de Cristo manifestada nos seus mistérios. Nos inúmeros hinos e antífonas em que esta oração se exprime, alternam habitualmente dois movimentos: um «magnifica» o Senhor pelas «maravilhas» que fez pela sua humilde serva e, através d'Ela, por todos os seres humanos (Cf. Lc. 1, 46-55); o outro confia à Mãe de Jesus as súplicas e louvores dos filhos de Deus, pois Ela agora conhece a humanidade que n'Ela foi desposada pelo Filho de Deus.

2676. Este duplo movimento de oração a Maria encontrou uma expressão privilegiada na oração da «Ave-Maria»:

- «Ave, Maria (alegrai-vos, Maria)». A saudação do anjo Gabriel abre esta oração. É o próprio Deus que, por intermédio do seu anjo, saúda Maria. A nossa oração ousa retomar a saudação a Maria com o olhar que Deus pôs na sua humilde serva (Cf. Lc 1, 48. s), alegrando-nos com a alegria que Ele n'Ela encontra (Cf. Sf. 3, 17).

«Cheia de graça, o Senhor é convosco». As duas palavras da saudação do anjo esclarecem-se mutuamente. Maria é cheia de graça, porque o Senhor está com Ela. A graça de que Ela é cumulada é a presença d'Aquele que é a fonte de toda a graça. «Solta brados de alegria [...] filha de Jerusalém [...]; o Senhor teu Deus está no meio de ti» (Sf. 3, 14. 17a). Maria, em quem o próprio Senhor vem habitar, é em pessoa a filha de Sião, a arca da aliança, o lugar onde reside a glória do Senhor: é «a morada de Deus com os homens» (Ap. 21, 3). «Cheia de graça», Ela dá-se toda Aquele que n'Ela vem habitar e que Ela vai dar ao mundo.

«Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus». Depois da saudação do anjo, fazemos nossa a de Isabel. «Cheia [...] do Espírito Santo» (Lc. 1, 41), Isabel é a primeira, na longa sequência das gerações, a declarar Maria bem-aventurada (Cf. Lc. 1, 48): «Feliz d'Aquela que acreditou...» (Lc. 1, 45); Maria é «bendita entre as mulheres», porque acreditou no cumprimento da Palavra do Senhor. Abraão, pela sua fé, tornou-se uma bênção «para todas as nações da terra» (Gn. 12, 3). Pela sua fé, Maria tornou-se a mãe dos crentes, graças a quem todas as nações da terra recebem Aquele que é a própria bênção de Deus: Jesus, «fruto bendito do vosso ventre».

2677. «Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós...». Com Isabel, também nós ficamos maravilhados: «e de onde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor»? (Lc. 1, 43). Porque nos dá Jesus, seu Filho, Maria é Mãe de Deus e nossa Mãe; podemos confiar-lhe todas as nossas preocupações e pedidos: Ela ora por nós como orou por si própria: «faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc. 1, 38). Confiando-nos à sua oração, abandonamo-nos com Ela à vontade de Deus: «seja feita a vossa vontade».

«Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte». Pedindo a Maria que rogue por nós, reconhecemo-nos pobres pecadores e recorremos à «Mãe de misericórdia», à «Santíssima». Confiamo-nos a Ela «agora», no hoje das nossas vidas. E a nossa confiança alarga-se para lhe confiar, desde agora, «a hora da nossa morte». Que Ela esteja então presente como na morte do seu Filho na cruz e que, na hora do nosso passamento, Ela nos acolha como nossa Mãe (Cf. Jo. 19, 27), para nos levar ao seu Filho Jesus, no Paraíso.

2678. A piedade medieval do Ocidente propagou a oração do rosário como substituto popular da Liturgia das Horas. No Oriente, a forma litânica do akáthistos e da paráclêsis ficou mais próxima do ofício coral nas Igrejas bizantinas, ao passo que as tradições arménia, copta e siríaca preferiram os hinos e cânticos populares à Mãe de Deus. Mas, na Ave-Maria, nas theotokía, nos hinos de Santo Efrém ou de São Gregório de Narek, a tradição da oração é fundamentalmente a mesma.

2679. Maria é a orante perfeita, figura da Igreja. Quando Lhe oramos, aderimos com Ela ao desígnio do Pai, que envia o seu Filho para salvar todos os homens. Como o discípulo amado, nós acolhemos em nossa casa (Cf. Jo. 19, 27) a Mãe de Jesus que se tornou Mãe de todos os viventes. Podemos orar com Ela e orar-Lhe a Ela. A oração da Igreja é como que sustentada pela oração de Maria. Está-lhe unida na esperança (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 68-69: AAS 57 (1965) 66-67).

Resumindo:

2680. A oração é principalmente dirigida ao Pai. Igualmente se dirige a Jesus, nomeadamente pela invocação do seu santo Nome: «Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós, pecadores»!

2681. «Ninguém pode dizer: "Jesus é o Senhor", a não ser pela ação do Espírito Santo» (1ª Cor. 12, 3). A Igreja convida-nos a invocar o Espírito Santo como mestre interior da oração cristã.

2682. Em virtude da sua singular cooperação com a ação do Espírito Santo, a Igreja gosta de orar em comunhão com a Virgem Maria, para enaltecer com Ela as grandes coisas que Deus n'Ela realizou e para Lhe confiar súplicas e louvores.

ARTIGO 3

GUIAS PARA A ORAÇÃO

UMA NUVEM DE TESTEMUNHAS

2683. As testemunhas que nos precederam no Reino (Cf. Heb. 12, 1), especialmente aquelas que a Igreja reconhece como «santos», participam na tradição viva da oração pelo exemplo da sua vida, pela transmissão dos seus escritos e pela sua oração atual. Elas contemplam a Deus, louvam-no e não cessam de tomar a seu cuidado os que deixaram na terra. Tendo entrado «na alegria» do seu Senhor, foram «estabelecidas à frente de muita coisa» (Cf. Mt. 25, 21). A sua intercessão é o mais alto serviço que prestam ao desígnio de Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que intercedam por nós e por todo o mundo.

2684. Na comunhão dos santos desenvolveram-se, ao longo da história das Igrejas diversas espiritualidades. O carisma pessoal duma testemunha do amor de Deus pelos homens pode ter sido transmitido, como o espírito de Elias o foi a Eliseu (Cf. 2º Rs. 2, 9) e a João Batista (Cf. Lc. 1, 17), para que haja discípulos que partilhem desse espírito (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 2: AAS 58 (1966) 703). Uma espiritualidade está também na confluência doutras correntes, litúrgicas e teológicas, e testemunha a inculturação da fé num determinado meio humano e na respectiva história. As espiritualidades cristãs participam na tradição viva da oração e são guias indispensáveis para os fiéis. Refletem, na sua rica diversidade, a pura e única luz do Espírito Santo.

- «o Espírito é verdadeiramente o lugar dos santos. E o santo é, para o Espírito, um lugar próprio, pois se oferece para habitar com Deus e é chamado seu templo» (São Basílio Magno, De Spiritu Sancto, 26, 62: SC 17bis, 472 (PG 32, 184)).

SERVOS DA ORAÇÃO

2685. A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada no sacramento do Matrimónio, é «a igreja doméstica» na qual os filhos de Deus aprendem a orar «em igreja» e a perseverar na oração. Particularmente para os filhos pequenos, a oração familiar quotidiana é o primeiro testemunho da memória viva da Igreja pacientemente despertada pelo Espírito Santo.

2686. Os ministros ordenados são também responsáveis pela formação na oração dos seus irmãos e irmãs em Cristo. Servos do Bom Pastor, são ordenados para guiar o povo de Deus até às fontes vivas da oração: a Palavra de Deus, a Liturgia, a vida teologal, o «hoje» de Deus nas situações concretas (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 4-6: AAS 58 (1966) 995-1001).

2687. Muitos religiosos têm consagrado toda a sua vida à oração. Depois dos anacoretas do deserto do Egito, eremitas, monges e monjas têm dedicado o seu tempo ao louvor de Deus e à intercessão pelo seu povo. A vida consagrada não se mantém nem se propaga sem a oração; é uma das fontes vivas da contemplação e da vida espiritual na Igreja.

2688. A catequese das crianças, dos jovens e dos adultos visa a que a Palavra de Deus seja meditada na oração pessoal, atualizada na oração litúrgica e interiorizada em todo o tempo, para que dê fruto numa vida nova. A catequese é também o momento em que se pode purificar e educar a piedade popular (Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 54: AAS 71 (1979) 1321-1322). A memorização das orações fundamentais oferece um suporte indispensável à vida de oração, mas é importante que se faça saborear o seu sentido (Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 55: AAS 71 (1979) 1322-1323).

2689. Grupos de oração e até «escolas de oração» são hoje um dos sinais e um dos estímulos da renovação da oração na Igreja, na condição de irem beber às fontes autênticas da oração cristã. A preocupação com a comunhão é sinal da verdadeira oração na Igreja.

2690. O Espírito Santo concede a certos fiéis dons de sabedoria, de fé e de discernimento, em vista deste bem comum que é a oração (direção espiritual). Aqueles e aquelas que de tais dons são dotados, são verdadeiros ministros da tradição viva da oração:

- é por isso que a alma que quer progredir na perfeição deve, segundo o conselho de São João da Cruz, «olhar em que mãos se põe, porque, qual o mestre, tal será o discípulo, e tal pai, tal filho». E ainda: o guia, «além de sábio e discreto, é mister que seja experimentado» [...]. Se o guia espiritual «não tem experiência do que é puro e verdadeiro espírito, não atinará a encaminhar nele, quando Deus lhe dá, nem ainda o poderia entender» (São João da Cruz, Llama de amor viva, redactio segunda, stropha 3, declaratio 30: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 13 (Burgos 1931) p. 171. [São João da Cruz, Chama viva de amor, III 30: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1986) p. 909]).

LUGARES FAVORÁVEIS À ORAÇÃO

2691. A igreja, casa de Deus, é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade paroquial. É também o lugar
privilegiado para a adoração da presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento. A escolha dum lugar favorável não é indiferente para a verdade da oração:

- para a oração pessoal, pode servir um «recanto de oração», com a Sagrada Escritura e ícones (imagens) para aí se estar «no segredo» diante do Pai (Cf. Mt. 6, 6). Numa família cristã, este género de pequeno oratório favorece a oração em comum;

- nas regiões onde existem mosteiros, tais comunidades estão vocacionadas para favorecer a participação dos fiéis na Liturgia das Horas e permitir a solidão necessária para uma oração pessoal mais intensa (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 7: AAS 58 (1966) 705);

- as peregrinações evocam a nossa marcha na terra para o céu. São tradicionalmente tempos fortes duma oração renovada. Os santuários são, para os peregrinos à procura das suas fontes vivas, lugares excepcionais para viver «em Igreja» as formas da oração cristã.

Resumindo:

2692. Na sua oração, a Igreja peregrina associa-se à dos santos, cuja intercessão solicita.

2693. As diferentes espiritualidades cristãs participam na tradição viva da oração e são guias preciosos da vida espiritual.

2694. A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração.

2695. Os ministros ordenados, a vida consagrada, a catequese, os grupos de oração, a «direção espiritual» prestam, na Igreja, ajuda d oração.

2696. Os lugares mais favoráveis para a oração são: o oratório pessoal ou familiar, os mosteiros, os santuários de peregrinação e, sobretudo, a igreja, que é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade paroquial e o lugar privilegiado da adoração eucarística.

A ORAÇÃO CRISTÃ

 PRIMEIRA SECÇÃO

A ORAÇÃO NA VIDA CRISTÃ

CAPÍTULO TERCEIRO

A VIDA DE ORAÇÃO

2697. A oração é a vida do coração novo. Deve animar-nos a todo o momento. Mas acontece que nos esquecemos d'Aquele que é a nossa vida e o nosso tudo. É por isso que os Padres espirituais, na sequência do Deuteronómio e dos profetas, insistem na oração como «lembrança de Deus», frequente despertador da «memória do coração». «Devemos lembrar-nos de Deus com mais frequência do que respiramos» (São Gregório Nazianzo, Oratio 27 (theologica 1), 4: SC 250, 78 (PG 36, 16)). Mas não se pode orar «em todo o tempo», se não se orar em certos momentos, voluntariamente: são os tempos fortes da oração cristã, em intensidade e duração.

2698. A Tradição da Igreja propõe aos fiéis ritmos de oração destinados a alimentar a oração contínua. Alguns são quotidianos: a oração da manhã e da noite, antes e depois das refeições, a Liturgia das Horas. O Domingo, centrado na Eucaristia, é santificado principalmente pela oração. O ciclo do ano litúrgico e as suas grandes festas constituem os ritmos fundamentais da vida de oração dos cristãos.

2699. O Senhor conduz cada pessoa pelos caminhos e da maneira que lhe apraz. Por seu turno, cada fiel responde-Lhe conforme a determinação do seu coração e as expressões pessoais da sua oração. No entanto, a tradição cristã conservou três expressões principais da vida de oração: a oração vocal, a meditação e a contemplação. Têm um traço fundamental comum: o recolhimento do coração. Esta atenção em guardar a Palavra e permanecer na presença de Deus faz destas três expressões tempos fortes da vida de oração.

ARTIGO 1

AS EXPRESSÕES DA ORAÇÃO

I. A oração vocal

2700. Pela sua Palavra, Deus fala ao homem. É nas palavras, mentais ou vocais, que a nossa oração toma corpo. Mas o mais importante é a presença do coração Àquele a Quem falamos na oração. «Que a nossa oração seja atendida não depende da quantidade de palavras, mas do fervor das nossas almas» (São João Crisóstomo, De Anna, sermo 2, 2: PG 54, 646).

2701. A oração vocal é um elemento indispensável da vida cristã. Aos discípulos, atraídos pela oração silenciosa do seu mestre, este ensina-lhes uma oração vocal: o «Pai-nosso». Jesus não rezou apenas as orações litúrgicas da sinagoga: os evangelhos mostram-no-Lo a elevar a voz para exprimir a sua oração pessoal, desde a bênção exultante do Pai (Cf. Mt. 11, 25-26) até à desolação do Getsemani (Cf. Mc. 14, 36).

2702. A necessidade de associar os sentidos à oração interior corresponde a uma exigência da natureza humana. Nós somos corpo e espírito e experimentamos a necessidade de traduzir exteriormente os nossos sentimentos. Devemos rezar com todo o nosso ser para dar à nossa súplica a maior força possível.

2703. Esta necessidade corresponde também a uma exigência divina. Deus procura quem O adore em espírito e verdade e, por conseguinte, uma oração que suba viva das profundezas da alma. Mas também quer a expressão exterior que associe o corpo à oração interior, porque ela lhe presta a homenagem perfeita de tudo a quanto Ele tem direito.

2704. Porque exterior e tão plenamente humana, a oração vocal é, por excelência, a oração das multidões. Mas até a oração mais interior não pode prescindir da oração vocal. A oração torna-se interior na medida em que tomamos consciência d'Aquele «a Quem falamos» (Santa Teresa de Jesus, Camino de perfección, 25: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 3 (Burgos 1916) p. 122. [Cf. Santa Teresa de Jesus, Caminho de perfeição, 25: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1994) p. 494]). Então, a oração vocal torna-se uma primeira forma da contemplação.

II. A meditação

2705. A meditação é sobretudo uma busca. O espírito procura compreender o porquê e o como da vida cristã, para aderir e corresponder ao que o Senhor lhe pede. Exige uma atenção difícil de disciplinar. Habitualmente, recorre-se à ajuda dum livro e os cristãos não têm falta deles: a Sagrada Escritura, em especial o Evangelho, os santos ícones (as imagens), os textos litúrgicos do dia ou do tempo, os escritos dos Padres espirituais, as obras de espiritualidade, o grande livro da criação e o da história, a página do «hoje» de Deus.

2706. Meditar no que se lê leva a assimilá-lo, confrontando-o consigo mesmo. Abre-se aqui um outro livro: o da vida. Passa-se dos pensamentos à realidade. Segundo a medida da humildade e da fé, descobrem-se nela os movimentos que agitam o coração e é possível discerni-los. Trata-se de praticar a verdade para chegar à luz: «Senhor, que quereis que eu faça»?

2707. Os métodos de meditação são tão diversos como os mestres espirituais. Um cristão deve querer meditar com regularidade; doutro modo, torna-se semelhante aos três primeiros terrenos da parábola do semeador (Cf. Mc. 4, 4-7. 15-19). Mas um método não passa de um guia; o importante é avançar, com o Espírito Santo, no caminho único da oração: Cristo Jesus.

2708. A meditação põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo. Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da fé, suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a Cristo. A oração cristã dedica-se, de preferência, a meditar nos «mistérios de Cristo», como na «lectio divina» ou no rosário. Esta forma de reflexão orante é de grande valor, mas a oração cristã deve ir mais longe: até ao conhecimento amoroso do Senhor Jesus, até à união com Ele.

III. A contemplação

2709. O que é a contemplação? Responde Santa Teresa: «outra coisa não é, a meu parecer, oração mental, senão tratar de amizade - estando muitas vezes tratando a sós - com Quem sabemos que nos ama» (Santa Teresa de Jesus, Libro de la vida, 8: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 1 (Burgos 1915) p. 57. [Cf. Santa Teresa de Jesus, Livro da vida, 8: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1994) p. 56]).

A contemplação procura «aquele que o meu coração ama» (Ct. 1, 7) (Cf. Ct. 3, 1-4), que é Jesus, e n'Ele o Pai. Ele é procurado, porque desejá-Lo é sempre o princípio do amor, e é procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer d'Ele e viver n'Ele. Nesta modalidade de oração pode, ainda, meditar-se; todavia, o olhar vai todo para o Senhor.

2710. A escolha do tempo e duração da contemplação depende duma vontade determinada, reveladora dos segredos do coração. Não se faz contemplação quando se tem tempo; ao invés, arranja-se tempo para estar com o Senhor, com a firme determinação de não lhe retirar durante o caminho, sejam quais forem as provações e a aridez do encontro. Não se pode meditar sempre; mas pode-se entrar sempre em contemplação, independentemente das condições de saúde, trabalho ou afetividade. O coração é o lugar da busca e do encontro, na pobreza e na fé.

2711. A entrada na contemplação é análoga à da liturgia eucarística: «reunir» o coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar na casa do Senhor que nós somos, despertar a fé para entrar na presença d'Aquele que nos espera, fazer cair as nossas máscaras e voltar o nosso coração para o Senhor que nos ama, de modo a entregarmo-nos a Ele como uma oferenda a purificar e transformar.

2712. A contemplação é a oração do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer corresponder amando ainda mais (Cf. Lc. 7, 36-50; 19, 1-10). Mas ele sabe que o seu amor de correspondência é o que o Espírito Santo derrama no seu coração, porque tudo é graça da parte de Deus. A contemplação é a entrega humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com o seu Filho muito amado.

2713. Assim, a contemplação é a expressão mais simples do mistério da oração. É um dom, uma graça; só pode ser acolhida na humildade e na pobreza. É uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo do nosso ser (Cf. Jr. 31, 33). A contemplação é comunhão: nela, a Santíssima Trindade conforma o homem, imagem de Deus, «à sua semelhança».

2714. A contemplação é, também, por excelência, o tempo forte da oração. Nela, o Pai enche-nos de força, pelo Espírito Santo, para que se fortaleça em nós o homem interior, Cristo habite nos nossos corações pela fé e nós sejamos radicados e alicerçados no amor (Cf. Ef. 3, 16-17).

2715. A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. «Eu olho para Ele e Ele olha para mim» - dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d'Ars em oração diante do Sacrário (Cf. F. Trochu, Le Curé d'Ars Saint Jean-Marie Vianney (Lyon-Paris 1927) p. 223-224). Esta atenção a Ele é renúncia ao «eu». O seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige também o seu olhar para os mistérios da vida de Cristo. E assim aprende «o conhecimento íntimo do Senhor» para mais O amar e seguir (Cf. Santo Inácio de Loyola, Exercitia spiritualia, 104: MHSI 100, 224).

2716. A contemplação é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, esta escuta é obediência da fé, acolhimento incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do «sim» do Filho que se fez Servo e do «faça-se» da sua humilde serva.

2717. A contemplação é silêncio, este «símbolo do mundo que há de vir» (Santo Isaac de Nínive, Tractatus mystici, 66: ed. A. J. Wensinck (Amsterdam 1923) p. 315; ed. P. Bedjan (Parisiis-Lipsiae 1909) p. 470) ou «linguagem calada do amor» (São João da Cruz, Carta, 6: Biblioteca Mística carmelitana, v. 13 (Burgos 1931) p. 262.[Cf. São João da Cruz, Carta Sexta: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1986) p. 967]). Na contemplação, as palavras não são discursos, mas acendalhas que alimentam o fogo do amor. É neste silêncio, insuportável para o homem «exterior», que o Pai nos diz o seu Verbo encarnado, sofredor, morto e ressuscitado e que o Espírito filial nos faz participar da oração de Jesus.

2718. A contemplação é união à oração de Cristo na medida em que nos faz participar no seu mistério. O mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia e o Espírito Santo faz-nos viver dele na contemplação, para que seja manifestado pela caridade em ato.

2719. A contemplação é uma comunhão de amor, portadora de vida para a multidão, na medida em que é consentimento em permanecer na noite da fé. A noite pascal da ressurreição passa pela da agonia e do sepulcro. São estes três tempos fortes da «Hora» de Jesus, que o seu Espírito (e não a «carne», que é «fraca») nos faz viver na oração contemplativa. É preciso consentir em velar uma hora com Ele (Cf. Mt. 26, 40-41).

Resumindo:

2720. A Igreja convida os fiéis para uma oração regular: orações quotidianas, Liturgia das Horas, Eucaristia dominical, festas do ano litúrgico.

2721. A tradição cristã compreende três expressões principais da vida de oração: a oração vocal, a meditação e a contemplação. Têm em comum o recolhimento do coração.

2722. A oração vocal, fundada na união do corpo e do espírito na natureza humana, associa o corpo à oração interior do coração, a exemplo de Cristo que orava ao Pai e ensinava o «Pai-nosso» aos seus discípulos.

2723. A meditação é uma busca orante que põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção, o desejo. Tem por finalidade a apropriação crente do tema considerado, confrontado com a realidade da nossa vida.

2724. A contemplação é a expressão simples do mistério da oração. É um olhar de fé fixo em Jesus, uma escuta da Palavra de Deus, um amor silencioso. Realiza a união com a oração de Cristo, na medida em que nos faz participar no seu mistério.

ARTIGO 2

O COMBATE DA ORAÇÃO

2725. A oração é um dom da graça e uma resposta decidida da nossa parte. Pressupõe sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança antes de Cristo, bem como a Mãe de Deus e os santos com Ele no-lo ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós mesmos e contra as astúcias do Tentador que tudo faz para desviar o homem da oração e da união com o seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive como se reza. Se não se quiser agir habitualmente segundo o Espírito de Cristo, também não se pode orar habitualmente em seu nome. O «combate espiritual» da vida nova do cristão é inseparável do combate da oração.

I. As objecções à oração

2726. No combate da oração, temos de enfrentar, em nós e à nossa volta, concepções erróneas da oração. Alguns veem nela uma simples operação psicológica; outros, um esforço de concentração para chegar ao vazio mental; outros ainda, reduzem-na a atitudes e palavras rituais. No inconsciente de muitos cristãos, rezar é uma ocupação incompatível com tudo o que têm de fazer: não têm tempo. Os que procuram a Deus na oração desanimam depressa, porque não sabem que a oração também vem do Espírito Santo e não somente de si próprios.

2727. Temos de enfrentar também certas mentalidades «deste mundo» que nos invadem, se não estivermos atentos. Por exemplo: só é verdadeiro o que se pode verificar pela razão e pela ciência (mas orar é um mistério que ultrapassa a nossa consciência e o nosso inconsciente); os valores são a produção e o rendimento (mas a oração é improdutiva, logo inútil); o sensualismo e o conforto são os critérios do verdadeiro, do bem e do belo (mas a oração, «amor da beleza» - philocália - deixa-se encantar pela glória do Deus vivo e verdadeiro); em reação ao ativismo, temos a oração apresentada como fuga do mundo (mas a oração cristã não é uma saída da história nem um divórcio da vida).

2728. Finalmente, o nosso combate tem de enfrentar aquilo que sentimos como sendo os nossos fracassos na oração: desânimo na aridez, tristeza por não dar tudo ao Senhor, porque temos «muitos bens» (Cf. Mc. 10, 22) decepção por não sermos atendidos segundo a nossa própria vontade, o nosso orgulho ferido que se endurece perante a nossa indignidade de pecadores, alergia à gratuidade da oração, etc... A conclusão é sempre a mesma: de que serve orar? Para vencer tais obstáculos, é preciso combater com humildade, confiança e perseverança.

II. A humilde vigilância do coração

PERANTE AS DIFICULDADES DA ORAÇÃO

2729. A dificuldade habitual da nossa oração é a distração. Pode ter por objeto as palavras e o seu sentido, na oração vocal; mais profundamente, pode incidir sobre Aquele a Quem rezamos, na oração vocal (litúrgica ou pessoal), na meditação e na contemplação. Partir à caça das distrações seria cair nas suas ciladas; basta regressar ao nosso coração: uma distração revela-nos aquilo a que estamos apegados e está humilde tomada de consciência diante do Senhor deve despertar o nosso amor preferencial por Ele, oferecendo-Lhe resolutamente o nosso coração para que Ele o purifique. É aí que se situa o combate: na escolha do Senhor a quem servir (Cf. Mt. 6, 21.24).

2730. Positivamente, o combate contra o nosso eu, possessivo e dominador, consiste na vigilância, a sobriedade do coração. Quando Jesus insiste na vigilância, esta refere-se sempre a Ele, à sua vinda, no último dia e em cada dia: «hoje». O Esposo chega a meio da noite. A luz que não se deve extinguir é a da fé: «diz-me o coração: "procura a sua face"» (Sl. 27, 8).

2731. Outra dificuldade, especialmente para os que querem rezar com sinceridade, é a aridez. Faz parte da oração em que o coração está seco, sem gosto pelos pensamentos, lembranças e sentimentos, mesmo espirituais. É o momento da fé pura, que se aguenta fielmente ao lado de Jesus na agonia e no sepulcro. «Se o grão de trigo morrer, dará muito fruto» (Jo. 12, 24). Se a aridez for devida à falta de raiz, por a Palavra ter caído em terreno pedregoso, o combate entra no campo da conversão (Cf. Lc. 8, 6.13).

PERANTE AS TENTAÇÕES NA ORAÇÃO

2732. A tentação mais comum e a mais oculta é a nossa falta de fé. Exprime-se menos por uma incredulidade declarada do que por uma preferência de fato. Quando começamos a orar, mil trabalhos e preocupações, julgados urgentes, apresentam-se-nos como prioritários. É mais uma vez o momento da verdade do coração e do seu amor preferencial. Umas vezes, voltamo-nos para o Senhor como nosso último recurso: mas será que acreditamos mesmo n'Ele? Outras vezes, tomamos o Senhor como aliado, mas conservamos o coração cheio de presunção. Em todos os casos, a nossa falta de fé revela que ainda não temos as disposições de um coração humilde: «sem Mim, nada podereis fazer» (Jo. 15, 5).

2733. Outra tentação, à qual a presunção abre a porta, é a acedia. Os Padres espirituais entendem por ela uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do coração. «O espírito está decidido, mas a carne é fraca» (Mt. 26, 41). Quanto de mais alto se cai, mais magoado se fica. O desânimo doloroso é o reverso da presunção. Quem é humilde não se admira da sua miséria; ela leva-o a ter mais confiança e a manter-se firme na constância.

III. A confiança filial

2734. A confiança filial é posta à prova - e prova-se a si mesma - na tribulação (Cf. Rm. 5, 3-5). A principal dificuldade diz respeito à oração de petição, na intercessão por si ou pelos outros. Alguns deixam mesmo de orar porque, segundo pensam, o seu pedido não é atendido. Aqui, duas questões se põem: Por que é que pensamos que o nosso pedido não é atendido? E como é que a nossa oração é atendida, e «eficaz»?

PORQUE NOS LAMENTARMOS POR NÃO SERMOS ATENDIDOS?

2735. Antes de mais, uma constatação deveria surpreender-nos. É que, quando louvamos a Deus ou Lhe damos graças pelos seus benefícios em geral, não nos importamos nada com saber se a nossa oração Lhe é agradável, ao passo que exigimos ver o resultado da nossa petição. Qual é, então, a imagem de Deus que motiva a nossa oração: um meio a utilizar ou o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo?

2736. Será que estamos convencidos de que «não sabemos o que pedir, para rezar como devemos» (Rm. 8, 26)? Será que pedimos a Deus «os bens convenientes»? O nosso Pai sabe muito bem do que precisamos, antes que lhe peçamos (Cf. Mt. 6, 8), mas espera o nosso pedido, porque a dignidade dos seus filhos está na sua liberdade. Devemos, pois, orar com o seu Espírito de liberdade para podermos conhecer de verdade qual é o seu desejo (Cf. Rm. 8, 27).

2737. «Não tendes, porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões» (Tg. 4, 2-3) (Cf. todo o contexto de Tg. 1, 5-8; 4, 1-10; 5, 16). Se pedirmos com um coração dividido, «adúltero» (Cf. Tg. 4, 4), Deus não pode atender-nos, pois quer o nosso bem, a nossa vida. «Ou pensais que a Escritura diz em vão: "o Espírito que habita em nós ama-nos com ciúme"»? (Tg. 4, 5). O nosso Deus é «ciumento» de nós e isso é sinal da verdade do seu amor. Entremos no desejo do seu Espírito e seremos atendidos:

- «não te aflijas, se não recebes logo de Deus o que Lhe pedes: é que Ele quer beneficiar-te ainda mais pela tua perseverança em permanecer com Ele na oração» (Evágrio do Ponto, De Oratione, 34: PG 79, 1173).

- Ele quer «que o nosso desejo se exercite na oração dilatando-nos, de modo a termos capacidade para receber o que Ele prepara para nos dar» (Santo Agostinho, Epistula 130, 8, 17: CSEL 44, 59 (PL 33, 500)).

COMO É QUE A NOSSA ORAÇÃO SERIA EFICAZ?

2738. A revelação da oração na economia da salvação ensina-nos que a fé se apoia na ação de Deus na história. A confiança filial é suscitada pela sua ação por excelência: a paixão e ressurreição do seu Filho. A oração cristã é cooperação com a sua providência, com o seu desígnio de amor para com os homens.

2739. Em São Paulo, esta confiança é audaciosa (Cf. Rm. 10, 12-13), apoiando-se na oração do Espírito em nós e no amor fiel do Pai que nos deu o seu Filho Único (Cf. Rm. 8, 26-39). A transformação do coração que ora é a primeira resposta ao nosso pedido.

2740. A oração de Jesus faz da oração cristã uma petição eficaz. Jesus é o modelo da oração cristã; Ele ora em nós e conosco. Uma vez que o coração do Filho não procura senão o que agrada ao Pai, como poderia o dos filhos adotivos apegar-se mais aos dons que ao Doador?

2741. Jesus também ora por nós, em nosso lugar e em nosso favor. Todos os nossos pedidos foram reunidos, de uma vez por todas, no seu brado sobre a cruz e atendidos pelo Pai na sua ressurreição; e é por isso que Ele não cessa de interceder por nós junto do Pai (Cf. Heb. 5, 7; 7, 25; 9, 24). Se a nossa oração estiver resolutamente unida à de Jesus na confiança e na audácia filial, obteremos tudo o que pedirmos em seu nome e muito mais do que isto ou aquilo: o próprio Espírito Santo que inclui todos os dons.

IV. Perseverar no amor

2742. «Orai sem cessar» (1ª Ts. 5, 17), «daí sempre graças pôr tudo a Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ef. 5, 20), «servindo-vos de toda a espécie de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito Santo; e, para isso, vigiai com toda a perseverança e com preces por todos os santos» (Ef. 6, 18). «Não nos foi mandado que trabalhemos, velemos e jejuemos constantemente, mas temos a lei de orar sem cessar» (Evágrio do Ponto, Capita practica ad Anatolium, 49: SC 171, 610 (PG 40, 1245) Este fervor incansável só pode vir do amor. Contra a nossa lentidão e preguiça, o combate da oração é o do amor humilde, confiante e perseverante. Este amor abre os nossos corações a três evidências de fé, luminosas e vivificantes:

2743. Orar é sempre possível: O tempo do cristão é o de Cristo Ressuscitado, que está «conosco todos os dias» (Mt. 28, 20), sejam quais forem as tempestades (Cf. Lc. 8, 24). O nosso tempo está na mão de Deus:

- «é possível, mesmo no mercado ou durante um passeio solitário, fazer oração frequente e fervorosa; sentados na vossa loja, a tratar de compras e vendas, até mesmo a cozinhar» (São João Crisóstomo, De Anna, sermo 4, 6: PG 54, 668).

2744. Orar é uma necessidade vital. A demonstração do contrário não é menos convincente: se não nos deixarmos conduzir pelo Espírito Santo, recairemos na escravidão do pecado (Cf. Gl. 5, 16-25). Ora, como pode o Espírito Santo ser a «nossa vida» se o nosso coração estiver longe d'Ele?

- «Nada iguala o valor da oração; ela torna possível o impossível, fácil o difícil. [...] É impossível [...] que o homem que ora caia no pecado» (São João Crisóstomo, De Anna, sermo 4, 5: PG 54, 666). «Quem reza salva-se, de certeza; quem não reza condena-se, de certeza»».

2745. Oração e vida cristã são inseparáveis, porque se trata do mesmo amor e da mesma renúncia que procede do amor; da mesma conformidade filial e amorosa com o desígnio de amor do Pai; da mesma união transformante no Espírito Santo que nos conforma sempre mais com Cristo Jesus; do mesmo amor para com todos os homens, desse amor com que Jesus nos amou. «Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros» (Jo. 15, 16-17). (Santo Afonso de Ligório, Del gran mezzo della preghiera, parte I, c. 1: ed. G. Cacciatore (Roma 1962) p. 32).

- «Ora sem cessar, aquele que une a oração às obras e as obras à oração. Só assim é que podemos considerar como realizável o preceito de orar incessantemente» (Orígenes, De oratione, 12, 2: GCS 3, 324-325 (PG 11, 452)).

V. A oração da Hora de Jesus

2746. Ao chegar a sua «Hora», Jesus ora ao Pai (Cf. Jo. 17). A sua oração, a mais longa que nos é transmitida pelo Evangelho, abraça toda a economia da criação e da salvação, bem como a sua morte e ressurreição. A oração da «Hora» de Jesus continua sempre sua, tal como a sua Páscoa, acontecida «uma vez por todas», continua presente na liturgia da sua Igreja.

2747. A tradição cristã chama-lhe, a justo título, a oração «sacerdotal» de Jesus. Ela é, de fato, a oração do nosso Sumo-Sacerdote, inseparável do seu sacrifício, da sua «passagem» (páscoa) deste mundo para o Pai, em que é inteiramente «consagrado» ao Pai (Cf. Jo. 17, 11.13.19).

2748. Nesta oração pascal, sacrificial, tudo está «recapitulado» n'Ele (Cf. Ef. 1, 10): Deus e o mundo, o Verbo e a carne, a vida eterna e o tempo, o amor que se entrega e o pecado que o atraiçoa, os discípulos presentes e os que n'Ele hão de crer pela palavra deles, a humilhação e a glória. É a Oração da Unidade.

2749. Jesus cumpriu perfeitamente a obra do Pai e a sua oração, como o seu sacrifício estende-se até à consumação do tempo. A oração da «Hora» preenche os últimos tempos e leva-os à sua consumação. Jesus, o Filho a Quem o Pai tudo deu, entrega-se todo ao Pai; e, ao mesmo tempo, exprime-se com uma liberdade soberana (Cf. Jo. 17, 11.13.19.24), segundo o poder que o Pai Lhe deu sobre toda a carne. O Filho, que se fez Servo, é o Senhor, o Pantocrátor. O nosso Sumo-Sacerdote que ora por nós é também Aquele que em nós ora e o Deus que nos atende.

2750. É entrando no santo nome do Senhor Jesus que podemos acolher, desde dentro, a oração que Ele nos ensina: «Pai nosso!». A sua oração sacerdotal inspira, a partir de dentro, as grandes petições do Pai-nosso: a preocupação com o nome do Pai (Cf. Jo. 17, 6.11.12.26), a paixão pelo seu Reino (a glória) (Cf. Jo. 17, 1.5.10.22.23-26), o cumprimento da vontade do Pai, do seu desígnio de salvação (Cf. Jo 17, 2.4.6.9.11.12.24) e a libertação do mal (Cf. Jo. 17, 15. 4).

2751. Finalmente, é nesta oração que Jesus nos revela e nos dá o «conhecimento» indissociável do Pai e do Filho (Cf. Jo. 17, 3.6-10.25), que é o próprio mistério da vida de oração.

Resumindo:

2752. A oração pressupõe esforço e luta contra nós mesmos e contra as ciladas do Tentador. O combate da oração é inseparável do «combate espiritual» necessário para agir habitualmente segundo o Espírito de Cristo: ora-se como se vive, porque se vive como se ora.

2753. No combate da oração, devemos enfrentar concepções erróneas, diversas correntes de mentalidades e a experiência dos nossos fracassos. A estas tentações, que lançam a dúvida sobre a utilidade ou até mesmo a possibilidade da oração, convém responder com humildade, confiança e perseverança.

2754. As principais dificuldades no exercício da oração são a distração e a aridez. O remédio está na fé, na conversão e na vigilância do coração.

2755. Duas tentações frequentes ameaçam a oração: a falta de fé e a acedia, que é uma espécie de depressão devida ao relaxamento da ascese e que leva ao desânimo.

2756. A confiança filial é posta à prova quando temos a sensação de nem sempre ser atendidos. O Evangelho convida-nos a interrogarmo-nos sobre a conformidade da nossa oração com o desejo do Espírito.

2757. «Orai sem cessar» (1ª Ts. 5, 17). Orar é sempre possível. É, até uma necessidade vital. Oração e vida cristã são inseparáveis.

2758. A oração da «Hora» de Jesus, justamente chamada «oração sacerdotal» (Cf. Jo. 17), recapitula toda a economia da criação e da salvação. É ela que inspira as grandes petições do «Pai-nosso».


A ORAÇÃO CRISTÃ

SEGUNDA SECÇÃO

A ORAÇÃO DO SENHOR: «PAI NOSSO»

 2759. «Um dia, estava Jesus em oração, em certo lugar. Quando acabou, disse-lhe um dos seus discípulos: "Senhor, ensina-nos a orar, como João Baptista também ensinou os seus discípulos"» (Lc. 11, 1). Foi em resposta a este pedido que o Senhor confiou aos seus discípulos e à sua Igreja a oração cristã fundamental. São Lucas apresenta-nos um texto breve dessa oração (cinco petições) (Cf. Lc. 11, 2-4); São Mateus, uma versão mais desenvolvida (sete petições) (Cf. Mt. 6, 9-13). A tradição litúrgica da Igreja reteve o texto de São Mateus (Mt. 6, 9-13):

Pai Nosso que estais nos céus,
santificado seja o vosso Nome,
venha a nós o vosso Reino,
seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos daí hoje,
perdoai-nos as nossas ofensas
assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido,
e não nos deixeis cair em tentação,
mas livrai-nos do Mal.

2760. Bem cedo o uso litúrgico concluiu a oração do Senhor por uma doxologia. Na Didaké: «porque Vosso é o poder e a glória, pelos séculos» (Didaké 8, 2: SC 248, 174 (Funk, Patres apostolici 1, 20)). A esta doxologia, as Constituições Apostólicas acrescentam no princípio: «o Reino» (Constitutiones apostolicae 7, 24, 1: SC 336, 174 (Fink, Didascalia et Constitutiones Apostolorum 1, 410)), e essa é a fórmula que se usa em nossos dias na oração ecuménica. A tradição bizantina acrescenta, depois de «a glória»: «Pai, Filho e Espírito Santo». O Missal Romano amplia a última petição (Cf. Rito da Comunhão, [Embolismo]: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 472 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 545]) na perspectiva explícita da «expectativa da bem-aventurada esperança» (Cf. Tt. 2, 13) e da vinda de Jesus Cristo nosso Senhor, seguindo-se a aclamação da assembleia que retoma a doxologia das Constituições Apostólicas.

ARTIGO 1

«O RESUMO DE TODO O EVANGELHO»

2761. «A oração dominical é verdadeiramente o resumo de todo o Evangelho» (Tertuliano, De Oratione, 1, 6: CCL 1, 258 (PL 1, 1255)). «Depois de o Senhor nos ter legado esta fórmula de oração, acrescentou "Pedi e recebereis" (Jo. 16, 24). Cada um pode, portanto, dirigir ao céu diversas orações segundo as suas necessidades, mas começando sempre pela oração do Senhor, que continua a ser a oração fundamental» (Tertuliano, De Oratione, 10: CCL 1, 263 (PL 1, 1268-1269)).

I. No centro da Sagrada Escritura

2762. Depois de ter mostrado como os Salmos são o alimento principal da oração cristã e convergem para as petições do Pai-nosso, Santo Agostinho conclui:

- «percorrei todas as orações que existem na Sagrada Escritura; não creio que possais encontrar uma só que não esteja incluída e compendiada nesta oração dominical» (Santo Agostinho, Epistula 130, 12, 22: CSEL 44, 66 (PL 33, 502)).

2763. Todas as Escrituras (a Lei, os Profetas e os Salmos) se cumpriram em Cristo (Cf. Lc. 24, 44). O Evangelho é esta «boa-nova». O seu primeiro anúncio está resumido por São Mateus no sermão da montanha (Cf. Mt. 5-7). Ora a oração do Pai-nosso está no centro deste anúncio. E é neste contexto que se elucida cada uma das petições da oração legada pelo Senhor:

- «a oração dominical é a mais perfeita das orações [...]. Nela, não só pedimos tudo quanto podemos retamente desejar, mas também segundo a ordem em que convém desejá-lo. De modo que esta oração, não só nos ensina a pedir, mas também plasma todos os nossos afetos» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 83, a. 9, c: Ed. Leon. 9, 201).

2764. O sermão da montanha é doutrina de vida e a oração dominical é prece; mas num e noutra, o Espírito do Senhor dá uma forma nova aos nossos desejos, a esses movimentos interiores que animam a nossa vida. Jesus ensina-nos a vida nova com as suas palavras e ensina-nos a pedi-la pela oração. Da retidão da nossa oração dependerá a da nossa vida n' Ele.

II. «A oração do Senhor»

2765. A expressão tradicional «oração dominical» (isto é, «oração do Senhor») significa que a prece dirigida ao nosso Pai nos foi ensinada e legada pelo Senhor Jesus. Tal oração, que nos vem de Jesus, é verdadeiramente única: é «do Senhor». Efetivamente, por um lado, nas palavras desta oração o Filho Único dá-nos as palavras que o Pai Lhe deu (Cf. Jo. 17, 7): Ele é o mestre da nossa oração. Por outro lado, sendo o Verbo encarnado, Ele conhece no seu coração de homem as necessidades dos seus irmãos e irmãs humanos e revela-no-las: Ele é o modelo da nossa oração.

2766. Mas Jesus não nos deixa uma fórmula para ser repetida maquinalmente (Cf. Mt. 6, 7; 1º Rs. 18, 26-29). Como em toda a oração vocal, é pela Palavra de Deus que o Espírito Santo ensina os filhos de Deus a orar ao seu Pai. Jesus dá-nos, não somente as palavras da nossa oração filial, mas também, ao mesmo tempo, o Espírito pelo qual elas se tornam em nós «espírito e vida» (Jo. 6, 63). Mais ainda: a prova e a possibilidade da nossa oração filial é que o Pai «enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: "Abbá! ó Pai!"» (Gl. 4, 6). Uma vez que a nossa oração traduz os nossos desejos diante do Pai, é ainda «Aquele que sonda os corações», o Pai, que «conhece o desejo do Espírito, porque é de acordo com Deus que o Espírito intercede pelos santos» (Rm. 8, 27). A oração ao nosso Pai insere-se na missão misteriosa do Filho e do Espírito.

III. A oração da Igreja

2767. Esta dádiva indissociável das palavras do Senhor e do Espírito Santo que lhes dá vida no coração dos crentes foi recebida e vivida pela Igreja desde as origens. As primeiras comunidades rezavam a oração do Senhor «três vezes por dia» (Didaké 8, 3: SC 284, 174 (Funk, Patres Apostolici, 1, 20)), em vez das «dezoito bênçãos» usadas pela piedade judaica.

2768. Segundo a Tradição apostólica, a oração do Senhor está essencialmente radicada na oração litúrgica:

- o Senhor «ensina-nos a fazer a nossa oração em comum por todos os nossos irmãos. Porque Ele não diz “meu Pai” que estás nos céus, mas sim nosso Pai, para que a nossa oração seja, numa só alma, por todo o corpo da Igreja» (São João Crisóstomo, In Matthaeum, homilia 19, 4: PG 57, 278).

Em todas as tradições litúrgicas, a oração do Senhor é parte integrante das «horas» principais do Ofício Divino. Mas é sobretudo nos três sacramentos da iniciação cristã que o seu caráter eclesial aparece com evidência:

2769. No Batismo e na Confirmação, a entrega («traditio») da oração do Senhor significa o novo nascimento para a vida divina. Uma vez que a oração cristã consiste em falar a Deus com a própria Palavra de Deus, aqueles que são «regenerados [...] pela palavra do Deus vivo» (1ª Pe. 1, 23) aprendem a invocar o seu Pai com a única palavra que Ele escuta sempre. E podem fazê-lo a partir de então, porque o selo da unção do Espírito Santo foi gravado indelevelmente no seu coração, nos seus ouvidos, nos seus lábios, em todo o seu ser filial. É por isso que a maior parte dos comentários patrísticos ao Pai-nosso são dirigidos aos catecúmenos e aos neófitos. Quando a Igreja reza a oração do Senhor, é sempre o povo dos «recém-nascidos» que ora e alcança misericórdia (Cf 1ª Pe. 2, 1-10).

2770. Na liturgia eucarística, a oração do Senhor aparece como a oração de toda a Igreja. Ali se revela o seu sentido pleno e a sua eficácia. Situada entre a anáfora (oração eucarística) e a liturgia da comunhão, recapitula, por um lado, todas as petições e intercessões expressas no movimento da epiclese; e por outro, bate à porta do festim do Reino que a Comunhão sacramental vai antecipar.

2771. Na Eucaristia, a oração do Senhor manifesta também o caráter escatológico das suas petições. É a oração própria dos «últimos tempos», dos tempos da salvação que começaram com a efusão do Espírito Santo e terminarão com o regresso do Senhor. Os pedidos que fazemos ao nosso Pai, diferentemente das orações da Antiga Aliança, apoiam-se no mistério da salvação já realizada, duma vez para sempre, em Cristo crucificado e ressuscitado.

2772. Desta fé inabalável brota a esperança que suscita cada uma das sete petições. Estas exprimem os gemidos do tempo presente, este tempo da paciência e da espera, durante o qual «ainda não se manifestou o que havemos de ser» (1ª Jo. 3, 2) (Cf. Cl. 3, 4). A Eucaristia e o Pai-nosso tendem para a vinda do Senhor, «até que Ele venha!» (1ª Cor. 11, 26).

Resumindo:

2773. Em resposta ao pedido dos seus discípulos («Senhor, ensina-nos a orar»: Lc 11, 1), Jesus confia-lhes a oração cristã fundamental do «Pai-nosso».

2774. «A Oração Dominical é verdadeiramente o resumo de todo o Evangelho» (Tertuliano, De oratione, 1, 6: CCL 1, 258 (PL 1, 1255)), «a mais perfeita das orações» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 83, a. 9, c: Ed. Leon. 9, 201). Está no centro da Sagrada Escritura.

2775. É chamada «Oração Dominical», porque nos vem do Senhor Jesus, mestre e modelo da nossa oração.

2776. A Oração Dominical é a oração da Igreja por excelência. Faz parte integrante das «horas» principais do Ofício Divino e dos sacramentos da iniciação cristã: Baptismo, Confirmação e Eucaristia. Integrada na Eucaristia, manifesta o carácter «escatológico» das suas petições, na confiança do Senhor, «até que Ele venha» (1ª Cor. 11, 26).

ARTIGO 2

«PAI NOSSO, QUE ESTAIS NOS CÉUS»

I. «Ousar aproximar-se com toda a confiança»

2777. Na liturgia romana, a assembleia eucarística é convidada a orar ao nosso Pai com ousadia filial. As liturgias orientais utilizam e desenvolvem expressões análogas: «ousar com toda a segurança», «tomai-nos dignos de». Diante da sarça ardente foi dito a Moisés: «não te aproximes. Descalça as sandálias» (Ex. 3, 5). Este umbral da santidade divina, só Jesus o podia franquear, Ele que, «tendo realizado a purificação dos pecados» (Heb. 1, 3), nos introduz perante a face do Pai: «eis-me, a mim e aos filhos que Deus Me deu»! (Heb. 2, 13):

- «a consciência que temos da nossa situação de escravos far-nos-ia sumir sob o chão, a nossa condição terrena dissolver-se-ia em pó, se a autoridade do próprio Pai e o Espírito do Seu Filho não nos levasse a soltar este grito dizendo: "Deus mandou o Espírito do Seu Filho aos nossos corações clamando Abba, ó Pai!" (Rm. 8, 15) [...]. Quando é que a fraqueza dum mortal se atreveria a chamar a Deus seu Pai, senão somente quando o íntimo do homem é animado pelo poder do alto?» (São Pedro Crisólogo, Sermão 71, 3: CCL 24A, 425 (PL 52, 401)).

2778. Este poder do Espírito que nos introduz na oração do Senhor é expresso, nas liturgias do Oriente e do Ocidente, pela bela expressão tipicamente cristã: «paresia», simplicidade sem desvio, confiança filial, segurança alegre, ousadia humilde, certeza de ser amado (Cf. Ef. 3, 12; Heb. 3, 6; 4, 16; 10, 19; 1 Jo. 2, 28; 3, 21; 5, 14).

II. «Pai»

2779. Antes de fazermos nosso este primeiro impulso da oração do Senhor, convém purificar humildemente o nosso coração de certas falsas imagens «deste mundo». A humildade faz-nos reconhecer que «ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho Se dignar revelá-Lo», quer dizer “os pequeninos”» (Mt. 11, 25-27). A purificação do coração refere-se às imagens paternas ou maternas provenientes da nossa história pessoal e cultural, que influenciam o nosso relacionamento com Deus. É que Deus, nosso Pai, transcende as categorias do mundo criado. Transpor para Ele ou contra Ele, as nossas ideias neste domínio, seria fabricar ídolos, a adorar ou a derrubar. Orar ao Pai é entrar no seu mistério, tal como Ele é e tal como o Filho no-Lo revelou:

- «a expressão Deus Pai nunca tinha sido revelada a ninguém. Quando o próprio Moisés perguntou a Deus quem era, ouviu um nome diferente. A nós, este nome foi revelado no Filho; porque este nome (de Filho) implica o nome de Pai» (Tertuliano, De oratione, 3, 1: CCL 1, 258-259 (PL 1, 1257)).

2780. Nós podemos invocar Deus como «Pai», porque Ele nos foi revelado pelo seu Filho feito homem e porque o seu Espírito no-Lo faz conhecer. A relação pessoal do Filho com o Pai (Cf. Jo. 1, 1. 11), que o homem não pode conceber nem os poderes angélicos podem entrever, eis que o Espírito do Filho nos faz participar dela, a nós que cremos que Jesus é o Cristo e que nascemos de Deus (Cf. 1ª Jo. 5, 1).

2781. Quando oramos ao Pai, estamos em comunhão com Ele e com o seu Filho Jesus Cristo (Cf. 1ª Jo. 1, 3). É então que O reconhecemos num encantamento sempre novo. A primeira palavra da oração do Senhor é uma bênção de adoração, antes de ser uma súplica. Porque a glória de Deus é que nós O reconheçamos como «Pai», Deus verdadeiro. Damos-Lhe graças por nos ter revelado o seu nome, por nos ter dado a graça de acreditar n'Ele, de sermos habitados pela sua presença.

2782. Nós podemos adorar o Pai porque Ele nos fez renascer para a sua vida adotando-nos por seus filhos no seu Filho Único: pelo Batismo, incorpora-nos no corpo do seu Cristo; e pela Unção do seu Espírito, que da Cabeça se derrama pelos membros, faz de nós «cristos»:

- «Deus, que nos predestinou para a adoção de filhos, tornou-nos conformes ao corpo glorioso de Cristo. Doravante, pois, participantes de Cristo, sois com todo o direito chamados "cristos"» (São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, 3, 1: SC 126, 120 (PG 33, 1088)).

- «O homem novo, que renasceu e foi restituído ao seu Deus pela graça, começa por dizer, "Pai!", porque se tornou filho» (São Cipriano de Catargo, De dominica oratione, 9: CCL 3A, 94 (PL 4, 541)).

2783. Deste modo, pela oração do Senhor, nós somos revelados a nós próprios, ao mesmo tempo que nos é revelado o Pai (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042):

- «ó homem, tu não ousavas levantar o teu rosto para o céu, baixavas os teus olhos para a terra, e de repente recebeste a graça de Cristo: todos os pecados te foram perdoados, de mau servo tornaste-te bom filho [...]. Portanto, ergue os olhos para o Pai que te resgatou pelo seu Filho e diz: Pai nosso [...]. Mas não reivindiques para ti algo de especial. Só de Cristo é que Ele é Pai de modo especial, de todos nós é Pai em comum; porque só a Ele gerou, ao passo que a nós, criou-nos. Portanto, por graça, diz também tu "Pai nosso", para mereceres ser filho» (Santo Ambrósio, De sacramentas, 5, 19: CSEL 73, 66 (PL 16, 450)).

2784. Este dom gratuito da adopção exige da nossa parte uma conversão contínua e uma vida nova. Orar ao nosso Pai deve desenvolver em nós duas disposições fundamentais:

O desejo e a vontade de nos parecermos com Ele. Criados à sua imagem, é pela graça que a semelhança nos é restituída e a ela devemos corresponder.

- «Devemos lembrar-nos de que, quando chamamos a Deus «Pai nosso», temos de nos comportar como filhos de Deus» (São Cirpiano de Cartago, De dominica oratione, 11: CCL 3A, 96 (PL 4, 543)).
- «Vós não podeis chamar vosso Pai ao Deus de toda a bondade se conservardes um coração cruel e desumano; porque, nesse caso, já não tendes a marca da bondade do Pai celeste»
(São João Crisóstomo, De angusta porta et in Orationem dominicam, 3: PG 51, 44).
- «Devemos contemplar incessantemente a beleza do Pai e impregnar dela a nossa alma»
(São Gregório de Nissa, Homiliae in Orationem dominicam, 2: Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger-H. Langerbeck, v. 7/2 (leiden 1992) p. 30 (PG 44, 1148))

2785. Um coração humilde e confiante que nos faça «voltar ao estado de crianças» (Mt. 18, 3): porque é aos «pequeninos» que o Pai Se revela (Mt. 11, 25):

- é um estado «que se forma contemplando a Deus somente, com o ardor da caridade. Nele, a alma funde-se e abisma-se em santa dileção e trata com Deus como com o seu próprio Pai, muito familiarmente, numa ternura de piedade muito particular» (São João Cassiano, Conlatio, 9, 18, 1: CSEL 13, 265-266 (PL 49, 788)).

- «Pai nosso - que haverá de mais querido para os filhos do que o pai? - Este nome suscita em nós ao mesmo tempo o amor, o afeto na oração, [...] e também a esperança de obter o que vamos pedir [...]. De fato, que pode Ele recusar à súplica dos seus filhos, quando já previamente lhes permitiu que fossem filhos seus»? (Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 4, 16: CCL 35, 106 (PL 34, 1276)).

III. Pai «nosso»

2786. Pai «nosso» refere-se a Deus. Pela nossa parte, o adjetivo «nosso» não exprime uma posse, mas sim uma relação totalmente nova com Deus.

2787. Quando dizemos Pai «nosso», reconhecemos, antes de mais nada, que todas as suas promessas de amor, anunciadas pelos profetas, se cumpriram na Nova e eterna Aliança no seu Cristo: nós tornámo-nos o «seu» povo e Ele é doravante o «nosso» Deus. Esta relação nova é uma pertença mútua, dada gratuitamente: é por amor e fidelidade (Cf. Os. 2, 21-22; 6, 1-6) que temos de responder «à graça e à verdade» que nos foram dadas em Cristo Jesus (Cf. Jo. 1, 17).

2788. Uma vez que a oração do Senhor é a do seu povo nos «últimos tempos», este «nosso» exprime também a certeza da nossa esperança na última promessa de Deus: na Jerusalém nova, Ele dirá ao vencedor: «Eu serei o seu Deus e ele será o meu Filho» (Ap. 21, 7).

2789. Rezando ao «nosso» Pai, é ao Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que nós nos dirigimos pessoalmente. Não dividimos a divindade, pois que o Pai é a sua «fonte e origem», mas confessamos desse modo que o Filho é por Ele gerado eternamente e que d'Ele procede o Espírito Santo. Também não confundimos as Pessoas, pois confessamos que a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo no seu único Espírito Santo. A Santíssima Trindade é consubstancial e indivisível. Quando rezamos ao Pai, adoramo-Lo e glorificamo-Lo com o Filho e o Espírito Santo.

2790. Gramaticalmente, «nosso» qualifica uma realidade comum a vários. Há um só Deus, que é reconhecido como Pai por aqueles que, pela fé no seu Filho Único, renasceram d'Ele pela água e pelo Espírito (Cf. 1ª Jo. 5, 1; Jo 3, 5). A Igreja é esta nova comunhão de Deus com os homens; unida ao Filho Único, que se tornou o «primogénito de muitos irmãos» (Rm. 8, 29), ela está em comunhão com um só e mesmo Pai, num só e mesmo Espírito Santo (Cf. Ef. 4, 4-6). Ao rezar Pai «nosso», cada batizado reza nesta comunhão: «a multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma» (At. 4, 32).

2791. É por isso que, apesar das divisões dos cristãos, a oração ao «nosso» Pai continua a ser um bem comum e um apelo premente para todos os batizados. Em comunhão pela fé em Cristo e pelo Batismo, eles devem participar na oração de Jesus pela unidade dos seus discípulos (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 8: AAS 57 (1965) 98; Ibid., 22: AAS 57 (1965) 105-106).

2792. Por fim, se rezamos em verdade o «Pai-nosso», saímos do individualismo, pois o Amor que nós acolhemos dele nos liberta. O «nosso» do princípio da oração do Senhor, tal como o «nos» das quatro últimas petições, não é exclusivo de ninguém. Para que seja dito em verdade (Cf. Mt. 5, 23-24; 6, 14-15), as nossas divisões e oposições têm de ser superadas.

2793. Os batizados não podem dizer Pai «nosso», sem levar até junto d'Ele todos aqueles por quem Ele deu o seu Filho bem-amado. O amor de Deus é sem fronteiras; a nossa oração deve sê-lo também (Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, 5: AAS 58 (1966) 743-744). Rezar Pai «nosso» abre-nos às dimensões do seu amor manifestado em Cristo: orar com e por todos os homens que ainda O não conhecem, para que sejam «reunidos na unidade» (Cf. Jo. 11, 52). Este cuidado divino por todos os homens e por toda a criação animou todos os grandes orantes; deve também dilatar a nossa oração num amor sem limites, quando ousamos dizer: Pai «nosso».

IV. «Que estais nos céus»

2794. Esta expressão bíblica não significa um lugar («o espaço»), mas um modo de ser; não é o distanciamento de Deus, mas a sua majestade. O nosso Pai não está «algures», está «para além de tudo» o que podemos conceber da sua santidade. E é por ser três vezes santo que Ele está mesmo junto do coração humilde e contrito:

- «é com razão que estas palavras: "Pai nosso que estais nos céus" se referem ao coração dos justos, nos quais Deus habita como em seu templo. Por isso, também aquele que ora há de desejar ver morar em si Aquele a quem invoca» (Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 5, 18: CCL 35, 108-109 (PL 34, 1277)). «Os "céus" também poderiam muito bem ser aqueles que trazem em si a imagem do mundo celeste e em quem Deus mora e passeia» (São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, 5, 11: SC 126, 160 (PG 33, 1117)).

2795. O símbolo dos céus remete-nos para o mistério da Aliança que nós vivemos, quando rezamos ao Pai. Ele está nos céus: é a sua morada. A casa do Pai é, pois, a nossa «pátria». Foi da terra da Aliança que o pecado nos exilou (Cf. Gn. 3), e é para o Pai, para o céu, que a conversão do coração nos faz voltar (Cf. Jr. 3, 19 – 4, 1 a; Lc. 15, 18.21). Ora, foi em Cristo que o céu e a terra se reconciliaram (Cf. Is. 45, 8; Sl. 85, 12), porque o Filho «desceu do céu», sozinho, e para lá nos faz subir juntamente consigo, pela sua cruz, ressurreição e ascensão (Cf. Jo. 12, 32; 14, 2-3; 16, 28; 20, 17; Ef.  4, 9-10; Heb. 1, 3; 2, 13).

2796. Quando a Igreja reza «Pai nosso que estais nos céus», professa que somos o povo de Deus já sentado nos céus em Cristo Jesus (Cf. Ef. 2, 6) escondidos com Cristo em Deus (Cf. Cl. 3, 3) e que, ao mesmo tempo, «gememos nesta tenda, ansiando por revestir-nos da nossa habitação celeste» (2ª Cor. 5, 2) (Cf. Fl. 3, 21; Heb. 13, 14):

- os cristãos «estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Passam a vida na terra, mas são cidadãos do céu» (Epístola a Diogneto, 5, 8-9: SC 33, 62-64 (Funk, 1, 398)).

Resumindo:

2797. A confiança simples e fiel, a segurança humilde e alegre são as disposições que convêm a quem reza o Pai-Nosso.

2798. Podemos invocar Deus como «Pai», porque no-Lo revelou o Filho de Deus feito homem, em quem, pelo Batismo, somos incorporados e adotados como filhos de Deus.

2799. A oração do Senhor põe-nos em comunhão com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. E, ao mesmo tempo, revela-nos a nós mesmos (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042).

2800. Rezar ao nosso Pai deve fazer crescer em nós a vontade de nos parecermos com Ele e criar em nós um coração humilde e confiante.

2801. Ao dizermos Pai «nosso», invocamos a Nova Aliança em Jesus Cristo, a comunhão com a Santíssima Trindade e a caridade divina que, através da Igreja, se estende às dimensões do mundo.

2802. A expressão «que estais nos céus» não designa um lugar, mas sim a majestade de Deus e a sua presença no coração dos justos. O céu, a Casa do Pai, constitui a verdadeira pátria, para onde caminhamos e à qual desde já pertencemos.

ARTIGO 3

AS SETE PETIÇÕES

2803. Depois de nos termos posto na presença de Deus nosso Pai para O adorarmos, amarmos e bendizermos, o Espírito filial faz brotar dos nossos corações sete petições, que são sete bênçãos. As três primeiras, mais teologais, atraem-nos para a glória do Pai; as quatro últimas, como caminhos para Ele, expõem a nossa miséria à sua graça. «Abismo atrai abismo» (Sl. 42, 8).

2804. O primeiro conjunto leva-nos até Ele, para Ele: o vosso nome, o vosso Reino, a vossa vontade! É próprio do amor pensar, em primeiro lugar, n' Aquele que amamos. Em cada um dos três pedidos, nós não «nos» nomeamos, mas o que nos move é o «desejo ardente», é mesmo «a ânsia» do Filho bem-amado pela glória de seu Pai (Cf. Lc. 22, 15; 12, 50): «Santificado seja [...]. Venha [...]. Seja feita...». Estas três súplicas já foram atendidas no sacrifício de Cristo Salvador, mas agora estão orientadas, na esperança, para o seu cumprimento final, enquanto Deus ainda não é tudo em todos (Cf. 1ª Cor. 15, 28).

2805. O segundo conjunto de petições segue a dinâmica de certas epicleses eucarísticas: é oferenda das nossas expectativas e atrai o olhar do Pai das misericórdias. Parte de nós e diz-nos respeito já agora, neste mundo: «dai-nos [...], perdoai-nos [...], não nos deixeis [...], livrai-nos...». A quarta e quinta petições dizem respeito à nossa vida, como tal, quer para a alimentar, quer para a curar do pecado. As duas últimas dizem respeito ao nosso combate pela vitória da vida, que é o próprio combate da oração.

2806. Pelas três primeiras petições, somos confirmados na fé, repletos de esperança e abrasados pela caridade. Criaturas e, para além disso, pecadores, devemos pedir por nós - um «nós» à medida do mundo e da história - que entregamos ao amor sem medida do nosso Deus. Pois é pelo nome do seu Cristo e pelo Reino do seu Espírito Santo que o nosso Pai realiza o seu desígnio de salvação para nós e para todo o mundo.

I. «Santificado seja o vosso nome»

2807. A palavra «santificar» deve ser entendida, aqui, antes de mais, não no seu sentido causativo (só Deus santifica, torna santo), mas sobretudo num sentido estimativo: reconhecer como santo, tratar de um modo santo. É assim que, na adoração, esta invocação é por vezes entendida como louvor e ação de graças (Cf. Sl. 111, 9; Lc. 1, 49). Mas esta petição é-nos ensinada por Jesus na forma optativa: um pedido, um desejo, e expectativa na qual Deus e o homem estão empenhados. Desde a primeira petição ao nosso Pai, mergulhamos no mistério íntimo da sua divindade e no drama da salvação da nossa humanidade. Pedir-Lhe que o seu nome seja santificado é envolvermo-nos «no desígnio benevolente que Ele de antemão formou a nosso respeito» (Ef. 1, 9), para que «sejamos santos e imaculados diante d'Ele, no amor» (Ef. 1, 4).

2808. Nos momentos decisivos da sua economia, Deus revela o seu nome; mas revela-o realizando a sua obra. Ora esta obra só se realiza, para nós e em nós, se o seu nome for santificado por nós e em nós.

2809. A santidade de Deus é o foco inacessível do seu mistério eterno. Ao que dela se manifestou na criação e na história, a Escritura chama Glória, a irradiação da sua majestade (Cf. Sl. 8; Is. 6, 3). Ao fazer o homem «à sua imagem e semelhança» (Gn. 1, 26), Deus «coroa-o de glória» (Cf. Sl. 8, 6), mas, ao pecar, o homem é «privado da glória de Deus» (Cf. Rm. 3, 23). Desde então, Deus vai manifestar a sua santidade revelando e dando o seu nome, para restaurar o homem «à imagem do seu Criador» (Cl. 3, 10).

2810. Na promessa feita a Abraão e no juramento que a acompanha (Cf. Heb. 6, 13), Deus compromete-se a Si mesmo, mas sem revelar o seu nome. É a Moisés que começa a revelá-Lo (Cf. Ex. 3, 14), e manifesta-O aos olhos de todo o povo salvando-o dos Egípcios: «revestiu-Se de glória» (Ex. 15, 1). A partir da Aliança do Sinai, este povo é «seu» e deve ser uma «nação santa» (ou consagrada; em hebreu é a mesma palavra) (Cf. Ex. 19, 5-6), porque o nome de Deus habita nela.

2811. Ora, apesar da Lei santa que o Deus santo lhe deu e tornou a dar (Cf. Lv. 19, 2: «Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo»), e muito embora o Senhor, «por respeito pelo seu nome», usasse de paciência, o povo desviou-se do Santo de Israel e «profanou o seu nome entre as nações» (Cf. Ez. 20; 36). Por isso, os justos da Antiga Aliança, os pobres retornados do exílio e os profetas arderam de paixão pelo Nome.

2812. Finalmente, é em Jesus que o nome do Deus santo nos é revelado e dado, na carne, como salvador (Cf. Mt. 1, 21; Lc. 1, 31): revelado pelo que Ele é, pela sua Palavra e pelo seu sacrifício (Cf. Jo. 8, 28; 17, 8; 17, 17-19). É o coração da sua oração sacerdotal: «Pai santo, [...] por eles Eu me consagro para que também eles sejam consagrados na verdade» (Jo. 17, 19). Porque Ele próprio «santifica» o seu nome (Cf. Ez. 20, 39; 36, 20-21), é que Jesus nos «manifesta» o nome do Pai (Cf. Jo. 17, 6). No termo da sua Páscoa é que o Pai Lhe dá então o nome que está acima de todo o nome: Jesus é Senhor para glória de Deus Pai (Cf. Fl. 2, 9-11).

2813. Na água do Batismo, nós fomos «purificados, santificados, justificados pelo nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus» (1ª Cor. 6, 11). Em toda a nossa vida, o nosso Pai chama-nos «à santidade» (1ª Ts. 4, 7) e, uma vez que é por Ele que nós estamos em Cristo Jesus, «o qual Se tornou para nós [...] santidade» (1ª Cor. 1, 30), interessa à sua glória e à nossa vida que o seu nome seja santificado em nós e por nós. Tal é a urgência da nossa primeira petição.

- «Por quem poderia Deus ser santificado se é Ele próprio quem santifica? Mas porque Ele mesmo disse: "sede santos, porque Eu sou santo" (Lv. 14, 44), nós que fomos santificados no Batismo, pedimos e rogamos para perseverar no que começámos a ser. E isso nós o pedimos todos os dias. Precisamos de uma santificação quotidiana para que, incorrendo em faltas todos os dias, todos os dias sejamos delas purificados por uma santificação assídua [...] Portanto, oramos para que esta santificação permaneça em nós» (São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 12: CCL 3A, 96-97 (PL 4, 544)).

2814. Depende inseparavelmente da nossa vida e da nossa oração que o seu nome seja santificado entre as nações:

- «pedimos a Deus que o seu nome seja santificado, porque é pela santidade que Ele salva e santifica toda a criação. [...] Este é o nome que dá a salvação ao mundo perdido. Mas nós pedimos que este nome de Deus seja santificado em nós pela nossa atuação. Porque se nós agirmos bem, o nome de Deus é bendito; mas é blasfemado se agirmos mal. Escuta o que diz o Apóstolo: "o nome de Deus é blasfemado entre as nações, por causa de vós" (Rm. 2, 24) (Cf. Ez. 36, 20-22). Nós, portanto, pedimos para merecermos ter nos nossos costumes tanta santidade, quanto é santo o nome de Deus» (São Pedro Crisólogo, Sermão 71, 4: CCL 24A, 425 (PL 52, 402)).

- «Quando dizemos: "Santificado seja o vosso nome", pedimos que ele seja santificado em nós que estamos n'Ele, mas também nos outros, por quem a graça de Deus ainda está à espera, para nos conformarmos com o preceito que nos obriga a orar por todos, mesmo pelos nossos inimigos. É por isso que nós não dizemos expressamente: santificado seja o vosso nome "em nós", porque pedimos que o seja em todos os homens» (Tertuliano, De oratione, 3, 4: CCL 1, 259 (PL 1, 1259)).

2815. Esta petição, que as inclui todas, é atendida pela oração de Cristo, como as restantes seis petições que se seguem. A oração que fazemos ao nosso Pai é nossa, se for rezada «em nome» de Jesus (Cf. Jo. 14, 13; 15, 16; 16, 24.26). Na sua oração sacerdotal, Jesus pede: «Pai santo, guarda em teu nome aqueles que Me deste» (Jo. 17, 11).

II. «Venha a nós o vosso Reino»

2816. No Novo Testamento, a mesma palavra «basileia» pode traduzir-se por realeza (nome abstrato), reino (nome concreto) ou reinado (nome de ação). O Reino de Deus está diante de nós. Aproximou-se no Verbo encarnado, foi anunciado através de todo o Evangelho, veio na morte e ressurreição de Cristo. O Reino de Deus vem desde a santa ceia e, na Eucaristia, está no meio de nós. O Reino virá na glória, quando Cristo o entregar a seu Pai:

- «é mesmo possível [...] que o Reino de Deus signifique o próprio Cristo, a Quem todos os dias desejamos que venha e cuja Vinda queremos que aconteça depressa. Do mesmo modo que Ele é a nossa ressurreição, pois n'Ele ressuscitamos, assim também pode ser Ele próprio o Reino de Deus, porque n'Ele reinaremos» (São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 13: CCL 3A, 97 (PL 4, 545)).

2817. Esta petição é o «Marana Tha», o clamor do Espírito e da esposa: «Vem, Senhor Jesus»!

- «Mesmo que esta oração não nos tivesse imposto o dever de pedir a vinda deste Reino, teríamos espontaneamente soltado este grito, com pressa de irmos abraçar o objeto das nossas esperanças. As almas dos mártires, sob o altar de Deus, invocam o Senhor com grandes gritos: "até quando, Senhor, até quando tardarás em pedir contas do nosso sangue aos habitantes da terra?" (Ap. 6, 10). Eles devem, com efeito, alcançar justiça, no fim dos tempos. Apressa, portanto, Senhor, a vinda do Teu Reino»! (Tertuliano, De oratione, 5, 2-4: CCL 1, 260 (PL I, 1261-1262)).

2818. Na oração do Senhor, trata-se principalmente da vinda final do Reino de Deus pelo regresso de Cristo (Cf. Tt. 2, 13). Mas este desejo não distrai a Igreja da sua missão neste mundo, antes a empenha nela. Porque, desde o Pentecostes, a vinda do Reino é obra do Espírito do Senhor, «para continuar a sua obra no mundo e consumar toda a santificação» (Cf. Oração Eucarística IV, 118: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 468 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 539]).

2819. «O Reino de Deus [...] é justiça, paz e alegria no Espírito Santo» (Rm. 14, 17). Os últimos tempos em que nos encontramos são os da efusão do Espírito Santo. Trava-se desde então um combate decisivo entre «a carne» e o Espírito (Cf. Gl. 5, 16-25):

- «só um coração puro pode dizer com confiança: "venha a nós o vosso Reino". É preciso ter passado pela escola de Paulo para dizer: "que o pecado deixe de reinar no vosso corpo mortal" (Rm. 6, 12). Quem se conserva puro nos seus atos, pensamentos e palavras é que pode dizer a Deus: "venha a nós o vosso Reino"»! (São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae, 5, 13: SC 126, 162 (PG 33, 1120)).

2820. Discernindo segundo o Espírito, os cristãos devem distinguir entre o crescimento do Reino de Deus e o progresso da cultura e da sociedade em que estão inseridos. Esta distinção não é uma separação. A vocação do homem para a vida eterna não suprime, antes reforça, o seu dever de aplicar as energias e os meios recebidos do Criador no serviço da justiça e da paz neste mundo (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042-1044; Ibid., 32: AAS 58 (1966) 1057; Ibid., 45: AAS 58 (1966) 1065-1066; Paulo VI, Ex. ap. Evangelii nuntiandi, 31: AAS 68 (1976) 26-27).

2821. Esta petição é feita e atendida na oração de Jesus (Cf. Jo. 17, 17-20), presente e eficaz na Eucaristia; ela produz o seu fruto na vida nova segundo as bem-aventuranças (Cf. Mt. 5, 13-16; 6, 24; 7, 12-13).

III. «Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu»

2822. É vontade do nosso Pai «que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1ª Tm. 2, 3-4). Ele «usa de paciência [...], não querendo que ninguém se perca» (2ª Pe. 3, 9) (Cf. Mt. 18, 14). O seu mandamento, que resume todos os outros e nos diz toda a sua vontade, é que nos amemos uns aos outros como Ele nos amou (Cf. Jo. 13, 34; 1ª Jo. 3; 4; Lc. 10, 25-37).

2823. Ele «manifestou-nos o mistério da sua vontade, segundo o bene­plácito que nele de antemão estabeleceu [...]: instaurar todas as coisas em Cristo [...]. Foi n'Ele também que fomos escolhidos como sua herança, predestinados de acordo com o desígnio daquele que tudo opera de acordo com a decisão da sua vontade» (Ef. 1, 9-11). Nós pedimos com empenho que este plano benevolente se realize por completo na terra, como já se cumpre no céu.

2824. Foi em Cristo e pela sua vontade humana que a vontade do Pai se cumpriu perfeitamente e duma vez para sempre. Ao entrar neste mundo, Jesus disse: «Eu venho, [...] ó Deus, para fazer a tua vontade» (Heb. 10, 7) (Cf. Sl. 40, 8-9). Só Jesus pode dizer: «faço sempre o que é do seu agrado» (Jo. 8, 29). Na oração da sua agonia, Ele conforma-Se totalmente com esta vontade: «não se faça a minha vontade, mas a tua» (Lc. 22, 42) (Cf. Jo. 4, 34; 5, 30; 6, 38). Eis por que Jesus «se entregou pelos nossos pecados [...] consoante a vontade de Deus» (Gl. 1, 4). «Em virtude dessa mesma vontade é que nós fomos santificados, pela oferenda do corpo de Jesus Cristo» (Heb. 10, 10).

2825. Jesus, «apesar de ser Filho, aprendeu, por aquilo que sofreu, o que é obedecer» (Heb. 5, 8). Com quanto mais razão nós, criaturas e pecadores, que n'Ele nos tornamos filhos de adoção! Nós pedimos ao nosso Pai que una a nossa vontade à do seu Filho, para que se cumpra a vontade d'Ele, o seu plano de salvação para a vida do mundo. Somos radicalmente impotentes para tal, mas unidos a Jesus e com o poder do seu Espírito Santo, podemos entregar-Lhe a nossa vontade e decidir escolher o que o seu Filho sempre escolheu: fazer o que é do agrado do Pai (Cf. Jo. 8, 29):

- «aderindo a Cristo, podemos tornar-nos um só espírito com Ele e assim cumprir a sua vontade; desse modo, ela será feita na terra como no céu» (Orígenes, De oratione, 26, 3: GCS 3, 361 (PG 11, 501)). «Considerai como Jesus Cristo nos ensina a ser humildes, fazendo-nos ver que a nossa virtude não depende só do nosso trabalho, mas da graça de Deus. Aqui, Ele ordena a todo o fiel que ora a fazê-lo de modo universal, por toda a terra. Porque não diz "seja feita a vossa vontade" em mim ou em vós, mas "em toda a terra": para que dela seja banido o erro e nela reine a verdade, o vício seja destruído e a virtude refloresça, e para que a terra deixe de ser diferente do céu» (São João Crisóstomo, In Matthaeum homilia l9, 5: Pg. 57, 280).

2826. É pela oração que podemos discernir qual é a vontade de Deus (Cf. Rm. 12, 2; Ef. 5, 17) e obter perseverança para a cumprir (Cf. Heb. 10, 36). Jesus ensina-nos que se entra no Reino dos céus, não por palavras, mas «fazendo a vontade do meu Pai que está nos céus» (Mt. 7, 21).

2827. «Se alguém honrar a Deus e cumprir a sua vontade, Ele o atende» (Jo. 9, 31) (Cf. 1ª Jo. 5, 14). Tal é o poder da oração da Igreja feita em nome do seu Senhor, sobretudo na Eucaristia; ela é comunhão de intercessão com a santíssima Mãe de Deus (Cf. Lc. 1, 38.49) e com todos os santos que foram «agradáveis» ao Senhor por não terem querido senão a sua vontade:

- «podemos ainda, sem trair a verdade, traduzir estas palavras: "seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu" por estas e outras: na Igreja como em nosso Senhor Jesus Cristo; na esposa que Lhe foi desposada, como no esposo que cumpriu a vontade do Pai» (Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 6, 24: CCL 35, 113 (PL34, 1279)).

IV. «O pão nosso de cada dia nos daí hoje»

2828. «Dai-nos»: como é bela a confiança dos filhos, que tudo esperam do Pai! «Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e chover sobre justos e injustos» (Mt. 5, 45); dá a todos os seres vivos «de comer a seu tempo» (Sl. 104, 27). É Jesus quem nos ensina esta petição que, de fato, glorifica o nosso Pai porque é o reconhecimento de quanto Ele é bom, acima de toda a bondade.

2829. «Dai-nos» é também expressão da Aliança: nós somos d'Ele e Ele é nosso, é para nós. Mas este «nós» reconhece-O também como Pai de todos os homens, e nós pedimos-Lhe por todos, solidários com as suas necessidades e os seus sofrimentos.

2830. «O pão nosso». O Pai que nos dá a vida não pode deixar de nos dar o alimento necessário para a vida e todos os bens «convenientes», materiais e espirituais. No sermão da montanha, Jesus insiste nesta confiança filial que coopera com a providência do nosso Pai (Cf. Mt. 6, 25-34). Não nos incita a qualquer espécie de passividade (Cf. 2ª Ts. 3, 6-13), mas quer libertar-nos de toda a inquietação ansiosa e de qualquer preocupação. Assim é o abandono filial dos filhos de Deus:

- «aqueles que procuram o Reino e a justiça de Deus, Ele promete dar tudo por acréscimo. Com efeito, tudo pertence a Deus: nada faltará àquele que possui a Deus se ele próprio não faltar a Deus» (São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 21: CCL 3A, 103 (PL 4, 551)).

2831. Mas a presença daqueles que têm fome por falta de pão revela outra profundidade desta petição. O drama da fome no mundo chama os cristãos que oram com sinceridade a assumir uma responsabilidade efetiva em relação aos seus irmãos, tanto nos seus comportamentos pessoais como na solidariedade para com a família humana. Esta petição da oração do Senhor não pode ser isolada das parábolas do pobre Lázaro (Cf. Lc. 16, 19-31) e do Juízo final (Cf. Mt. 25, 31-46).

2832. Tal como o fermento na massa, a novidade do Reino deve levedar a terra com o Espírito de Cristo (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 5: AAS 58 (1966) 842). Há de manifestar-se pela instauração da justiça nas relações pessoais e sociais, económicas e internacionais, sem nunca esquecer que não há nenhuma estrutura justa sem homens que queiram ser justos.

2833. Trata-se do «nosso» pão, de «um» para «muitos». A pobreza das bem-aventuranças é a virtude da partilha. Ela convida a comunicar e a partilhar os bens materiais e espirituais, não por coação, mas por amor, para que a abundância de uns remedeie às necessidades dos outros (Cf. 2ª Cor. 8, 1-15).

2834. «Ora e trabalha» (Da tradição beneditina. Cf. São Bento, Regra 20;48: CSEL 75, 75-76.114-119 (PL 66, 479-480.703-704)). «Orai como se tudo dependesse de Deus, e trabalhai como se tudo dependesse de vós» (Dito atribuído a Santo Inácio de Loyola; cf. Petrus de Ribadeneyra, Tractatus de modo gubernandi sancti Ignatii, c. 6, 14: MHSI 85, 631). Tendo nós feito o nosso trabalho, o alimento continua a ser uma dádiva do nosso Pai; é bom pedir-Lhe dando-Lhe graças por ele. Tal o sentido da bênção da mesa numa família cristã.

2835. Esta petição e a responsabilidade que comporta valem também para outra fome de que os homens morrem: «o homem não vive só de pão, mas de toda a palavra que sai da boca do Deus» (Mt. 4, 4) (Cf. Dt. 8, 3), quer dizer, da sua Palavra e do seu Sopro. Os cristãos devem mobilizar todos os esforços para «anunciar o Evangelho aos pobres». Há uma fome na terra que «não é fome de pão nem sede de água, mas de ouvir a Palavra do Senhor» (Am. 8, 11). É por isso que o sentido especificamente cristão desta quarta petição tem a ver com o Pão da Vida: a Palavra de Deus, que deve ser acolhida na fé, e o corpo de Cristo, recebido na Eucaristia (Cf. Jo. 6, 26-58).

2836. «Hoje» é outra expressão de confiança. É o Senhor que no-la ensina (Cf. Mt. 6, 34; Ex 16, 19); a nossa presunção não poderia inventá-la. Tratando-se sobretudo da sua Palavra e do corpo do seu Filho, este «hoje» não é somente o do nosso tempo mortal: é o «Hoje» de Deus:

- «se em cada dia recebes o pão, cada dia é hoje para ti. Se Cristo é para ti hoje, todos os dias Ele ressuscita para ti. Como é isso? "Tu és o Meu Filho, Eu hoje Te gerei" (Sl 2, 7). Hoje quer dizer: quando Cristo ressuscita» (Santo Ambrósio, De Sacramentis, 5, 26: CSEL 73, 70 (PL 16, 453)).

2837. «De cada dia». Esta palavra «epioúsios» não é usada em mais lado nenhum no Novo Testamento. Tomada num sentido temporal, é uma repetição pedagógica do «hoje» (Cf. Ex. 16, 19-21) para nos confirmar numa confiança «sem reservas». Tomada no sentido qualitativo, significa o necessário para a vida e, de um modo mais abrangente, todo o bem suficiente para a subsistência (Cf. 1ª Tm. 6, 8). Tomada à letra (epioúsios, «sobressubstancial»), designa diretamente o Pão da Vida, o corpo de Cristo, «remédio de imortalidade» (Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Ephesios 20, 2: SC 10bis, 76 (Funk 1, 230)), sem o qual não temos a vida em nós (Cf. Jo. 6, 53-56). Enfim, ligado ao antecedente, é evidente o sentido celestial: «este dia» é o do Senhor, o do banquete do Reino, antecipado na Eucaristia que é já o antegozo do Reino que vem. É por isso conveniente que a liturgia Eucarística seja celebrada em «cada dia».

- «A Eucaristia é o nosso pão de cada dia [...]. A virtude própria deste alimento é a de realizar a unidade a fim de que, reunidos no corpo de Cristo, tornados seus membros, sejamos o que recebemos. [...] E também são pão de cada dia as leituras que em cada dia ouvis na igreja; e os hinos que escutais e cantais, são pão de cada dia. Estes são os mantimentos necessários para a nossa peregrinação» (Santo Agostinho, Sermão 57, 7, 7: PL 38, 389-390).

- O Pai celeste exorta-nos a pedir, como filhos do céu, o Pão celeste (Cf. Jo. 6, 51). Cristo «é Ele mesmo o Pão que, semeado na Virgem, levedado na carne, amassado na paixão, cozido no forno do sepulcro, guardado em reserva na Igreja, levado aos altares, fornece cada dia aos fiéis um alimento celeste» (São Pedro Crisólogo, Sermão 67, 7: CCL 24A, 404-405 (PL52, 402)).

V. «Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido»

2838. Esta petição é surpreendente. Se comportasse somente o primeiro membro da frase - «perdoai-nos as nossas ofensas» - poderia estar incluída implicitamente nas três primeiras petições da oração do Senhor, pois que o sacrifício de Cristo é «para a remissão dos pecados». Mas, de acordo com o segundo membro da frase, a nossa petição não será atendida sem que primeiro tenhamos satisfeito uma exigência. É uma petição voltada para o futuro e a nossa resposta deve tê-la precedido; liga-as uma expressão: «assim como».

«PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS»...

2839. Começámos a orar ao nosso Pai com um sentimento de audaciosa confiança. Suplicando-Lhe que o seu nome seja santificado, pedimos-Lhe para sermos cada vez mais santificados. Mas, apesar de revestidos da veste batismal, não deixámos de pecar, de nos desviar de Deus. Agora, nesta nova petição, voltamos para Ele, como o filho pródigo (Cf. Lc 15, 11-32), e reconhecemo-nos pecadores na sua presença, como o publicano (Cf. Lc. 18, 13). A nossa petição começa por uma «confissão» na qual, ao mesmo tempo, confessamos a nossa miséria e a sua misericórdia. A nossa esperança é firme, pois que em seu Filho «nós temos a redenção, a remissão dos nossos pecados» (Cl. 1, 14) (Cf. Ef. 1, 7). E encontramos nos sacramentos da sua Igreja o sinal eficaz e indubitável do seu perdão (Cf. Mt. 26, 28; Jo 20, 23).

2840. Ora, e isso é temível, esta onda de misericórdia não pode penetrar nos nossos corações enquanto não tivermos perdoado àqueles que nos ofenderam. O amor, como o corpo de Cristo, é indivisível: nós não podemos amar a Deus, a quem não vemos, se não amarmos o irmão ou a irmã, que vemos (Cf. 1ª Jo. 4, 20). Recusando perdoar aos nossos irmãos ou irmãs, o nosso coração fecha-se, a sua dureza torna-o impermeável ao amor misericordioso do Pai. Na confissão do nosso pecado, o nosso coração abre-se à sua graça.

2841. Esta petição é tão importante que é a única na qual o Senhor volta a insistir, desenvolvendo-a no sermão da montanha (Cf. Mt. 5, 23-34; 6, 14-15; Mc. 11, 25). Esta exigência crucial do mistério da Aliança é impossível para o homem. Mas «a Deus tudo é possível» (Mt. 19, 26).

«ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO»

2842. Este «como» não é único no ensinamento de Jesus. «Sede perfeitos como o vosso Pai Celeste é perfeito» (Mt. 5, 48); «sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lc. 6, 36); «dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo. 13, 34). Observar o mandamento do Senhor é impossível, quando se trata de imitar, do exterior, o modelo divino. Trata-se duma participação vital, vinda «do fundo do coração», na santidade, na misericórdia e no amor do nosso Deus. Só o Espírito, que é «nossa vida» (Gl. 5, 25), pode fazer «nossos» os mesmos sentimentos que existiram em Cristo Jesus (Cf. Fl. 2, 1.5). Então, a unidade do perdão torna-se possível, «perdoando-nos mutuamente como Deus nos perdoou em Cristo» (Ef. 4, 32).

2843. Assim ganham vida as palavras do Senhor sobre o perdão, sobre este amor que ama até ao extremo do amor (Cf. Jo. 13, 1). A parábola do servo desapiedado, que conclui o ensinamento do Senhor sobre a comunhão eclesial (Cf. Mt. 18, 23-35), termina com estas palavras: «assim procederá convosco o meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão do fundo do coração». É aí, de fato, «no fundo do coração», que tudo se ata e desata. Não está no nosso poder deixar de sentir e esquecer a ofensa; mas o coração que se entrega ao Espírito Santo muda a ferida em compaixão e purifica a memória, transformando a ofensa em intercessão.

2844. A oração cristã vai até ao perdão dos inimigos
(Cf. Mt. 5, 43-44). Transfigura o discípulo, configurando-o com o seu Mestre. O perdão é o cume da oração cristã; o dom da oração só pode ser recebido num coração em sintonia com a compaixão divina. O perdão testemunha também que, no nosso mundo, o amor é mais forte que o pecado. Os mártires de ontem e de hoje dão este testemunho de Jesus. O perdão é a condição fundamental da reconciliação (Cf. 2ª Cor. 5, 18-21) dos filhos de Deus com o seu Pai e dos homens entre si (Cf. João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 14: AAS 72 (1980) 1221-1228).

2845. Não há limite nem medida para este perdão essencialmente divino (Cf. Mt. 18, 21-22; Lc. 17, 3-4). Quando se trata de ofensas (de «pecados», segundo Lc. 11, 4, ou de «dívidas» segundo Mt. 6, 12), de fato nós somos sempre devedores: «não devais a ninguém coisa alguma, a não ser o amor de uns para com os outros» (Rm. 13, 8). A comunhão da Santíssima Trindade é a fonte e o critério da verdade de toda a relação (Cf. 1ª Jo. 3, 19-24). E é vivida na oração, sobretudo na Eucaristia (Cf. Mt. 5, 23-24):

- «Deus não aceita o sacrifício do dissidente e manda-o retirar-se do altar e reconciliar-se primeiro com o irmão: só com orações pacíficas se podem fazer as pazes com Deus. O maior sacrifício para Deus é a nossa paz, a concórdia fraterna e um povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 23: CCL 3A, 105 (PL 4, 535-536)).

VI. «Não nos deixeis cair em tentação»

2846. Esta petição atinge a raiz da precedente, porque os nossos pecados são fruto do consentimento na tentação. Nós pedimos ao nosso Pai que não nos «deixe cair» na tentação. Traduzir numa só palavra o termo grego é difícil. Significa «não permitas que entre em» (Cf. Mt. 26, 41), «não nos deixes sucumbir à tentação». «Deus não é tentado pelo mal, nem tenta ninguém» (Tg. 1, 13). Pelo contrário, Ele quer livrar-nos do mal. O que lhe pedimos é que não nos deixe seguir pelo caminho que conduz ao pecado. Nós andamos empenhados no combate «entre a carne e o Espírito». Esta petição implora o Espírito de discernimento e de fortaleza.

2847. O Espírito Santo permite-nos discernir entre a provação, necessária ao crescimento do homem interior (Cf. Lc. 8, 13-15; At. 14, 22; 2ª Tm. 3, 12) em vista duma virtude «comprovada» (Cf. Rm. 5, 3-5) e a tentação que conduz ao pecado e à morte (Cf. Tg. 1, 14-15). Devemos também distinguir entre «ser tentado» e «consentir» na tentação. Finalmente, o discernimento desmascara a mentira da tentação: aparentemente, o seu objeto é «bom, agradável à vista, desejável» (Gn. 3, 6), quando, na realidade, o seu fruto é a morte.

- «Deus não quer impor o bem, quer seres livres [...]. Para alguma coisa serve a tentação. Ninguém, senão Deus, sabe o que a nossa alma recebeu de Deus, nem nós próprios. Mas a tentação manifesta-o para nos ensinar a conhecermo-nos e desse modo descobrir a nossa miséria e obrigar-nos a dar graças pelos bens que a tentação nos manifestou» (Orígenes, De oratione, 29, 15 e 17: GCS 3, 390-391 (Pg. 11, 541-544)).

2848. «Não entrar em tentação» implica uma decisão do coração: «onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração [...] Ninguém pode servir a dois senhores» (Mt. 6, 21, 24). «Se vivemos pelo Espírito, caminhemos também segundo o Espírito» (Gl. 5, 25). É neste «consentimento» ao Espírito Santo que o Pai nos dá a força. «Não vos surpreendeu nenhuma tentação que tivesse ultrapassado a medida humana. Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados acima das vossas forças, mas, com a tentação, vos dará os meios de sair dela e a força para a suportar» (1ª Cor. 10, 13).

2849. Ora um tal combate e uma tal vitória só são possíveis pela oração. Foi pela oração que Jesus venceu o Tentador desde o princípio (Cf. Mt. 4, 1-11) e no último combate da sua agonia (Cf. Mt. 26, 36-44). Foi ao seu combate e à sua agonia que Cristo nos uniu nesta petição ao nosso Pai. A vigilância do coração é lembrada com insistência (Cf. Mc. 13, 9.23.33-37; 14, 38; Lc 12, 35-40) em comunhão com a sua. A vigilância é a «guarda do coração» e Jesus pede ao Pai que «nos guarde em seu nome» (Cf. Jo. 17, 11). O Espírito Santo procura incessantemente despertar-nos para esta vigilância (Cf. 1ª Cor. 16, 13; Cl. 4, 2; 1ª Ts. 5, 6; 1ª Pe. 5, 8). Esta petição adquire todo o seu sentido dramático, quando relacionada com a tentação final do nosso combate na terra: ela pede a perseverança final. «Olhai que vou chegar como um ladrão: feliz de quem estiver vigilante»! (Ap 16, 15).

VII. «Mas livrai-nos do Mal»

2850. A última petição ao nosso Pai também está incluída na oração de Jesus: «não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno» (Jo. 17, 15). Ela diz-nos respeito, a cada um pessoalmente, mas somos sempre «nós» que rezamos, em comunhão com toda a Igreja, pela libertação de toda a família humana. A oração do Senhor não cessa de nos abrir às dimensões da economia da salvação. A nossa interdependência no drama do pecado e da morte transforma-se em solidariedade no corpo de Cristo, em “comunhão dos santos”»
(Cf. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 16: AAS 77 (1985) 214-215).

2851. Nesta petição, o Mal não é uma abstração, mas designa uma pessoa, Satanás, o Maligno, o anjo que se opõe a Deus. O «Diabo» («dia-bolos») é aquele que «se atravessa» no desígnio de Deus e na sua «obra de salvação» realizada em Cristo.

2852. «Assassino desde o princípio, [...] mentiroso e pai da mentira» (Jo. 8, 44), «Satanás, que seduz o universo inteiro» (Ap. 12, 9), foi por ele que o pecado e a morte entraram no mundo, e é pela sua derrota definitiva que toda a criação será «liberta do pecado e da morte» (Oração eucarística IV, 123: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 471 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 543]). «Sabemos que ninguém que nasceu de Deus peca, porque o preserva Aquele que foi gerado por Deus, e o Maligno, assim, não o atinge. Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro está sujeito ao Maligno» (1ª Jo. 5, 18-19):

- «o Senhor, que tirou o vosso pecado e perdoou as vossas faltas, tem poder para vos proteger e guardar contra as insídias do Diabo que vos combate, para que não vos surpreenda o inimigo que tem o hábito de engendrar a culpa. Mas quem a Deus se entrega não tem medo do Diabo. Porque "se Deus está por nós, quem contra nós"»? (Rm. 8, 31) (Santo Ambrósio, De sacramentis, 5, 30: CSEL 73, 71-72 (PL 16, 454)).

2853. A vitória sobre o «príncipe deste mundo» (Cf. Jo. 14, 30) foi alcançada, duma vez para sempre, na «Hora» em que Jesus livremente Se entregou à morte para nos dar a sua vida. Foi o julgamento deste mundo, e o príncipe deste mundo foi «lançado fora» (Cf. Jo. 12, 31; Ap 12, 10). «Pôs-se a perseguir a Mulher» (Ap. 12, 13) (Cf. Ap. 12, 13-16), mas não logrou alcançá-la: a nova Eva, «cheia da graça» do Espírito Santo, foi preservada do pecado e da corrupção da morte (Imaculada Conceição e Assunção da santíssima Mãe de Deus, Maria, sempre Virgem). Então, «furioso contra a Mulher, foi fazer guerra contra o resto da sua descendência» (Ap. 12, 17). Eis porque o Espírito e a Igreja rogam: «vem, Senhor Jesus»! (Ap. 22, 17.20), já que a sua vinda nos libertará do Maligno.

2854. Ao pedirmos para sermos libertados do Maligno, pedimos igualmente para sermos livres de todos os males, presentes, passados e futuros, dos quais ele é autor ou instigador. Nesta última petição, a Igreja leva à presença do Pai toda a desolação do mundo. Com a libertação dos males que pesam sobre a humanidade, a Igreja implora o dom precioso da paz e a graça da espera perseverante do regresso de Cristo. Orando assim, antecipa na humildade da fé a recapitulação de todos e de tudo, n'Aquele que «tem as chaves da morte e da morada dos mortos» (Ap. 1, 18), «Aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso» (Ap. 1, 8) (Cf. Ap. 1, 4):

- «livrai-nos de todo o mal, Senhor, e daí ao mundo a paz em nossos dias, para que, ajudados pela vossa misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e de toda a perturbação, enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador» (Rito da Comunhão [Embolismo]: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 472 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 545])

continua na parte 9

 O Terço (Rosário) dos Homens não exige nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus participantes, o que faz com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as transformações se sucederem de modo espontâneo causado pelo contato que os mesmos passam a ter com Deus por intercessão de Maria.