A Intermediação de Maria Mãe dos Homens
para nos levar ao Cordeiro de Deus

'O ROSÁRIO É A VIDA DE CRISTO CONTEMPLADA COM O OLHAR DE MARIA'
"
Maria é aquela que nos acompanha na escuridão da noite até o clarear do novo dia”

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                                                   Criado em 30 de março de 2005

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86 ANOS DE GRAÇAS E BÊNÇÃOS no Brasil e no mundo

Catecismo da Igreja - Parte 3

PÁGINA INICIAL

ARTIGO 5

«JESUS CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS,
 AO TERCEIRO DIA RESSUSCITOU DOS MORTOS»

631. «Jesus desceu às regiões inferiores da Terra. Aquele que desceu é precisamente o mesmo que subiu» (Ef. 4, 9-10). O Símbolo dos Apóstolos confessa, num mesmo artigo da fé, a descida de Cristo a mansão dos mortos e a sua ressurreição dos mortos ao terceiro dia, porque, na sua Páscoa, é da profundidade da morte que Ele faz jorrar a vida:

- «Christus, Filius tuus,
qui, regressos ab inferis,
humano generi serenus illuxit,
et vivit et regnat in saecula saeculorum. Amen».
 «Jesus Cristo, vosso Filho,
que, ressuscitando de entre os mortos,
iluminou o género humano com a sua luz e a sua paz
e vive glorioso pelos séculos dos séculos. Ámen»
(Vigília Pascal, Precónio Pascal («Exsultet»): Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 273 e 275 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 292 e 295]).

PARÁGRAFO 1

CRISTO DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS

632. As frequentes afirmações do Novo Testamento, segundo as quais Jesus «ressuscitou de entre os mortos» (1ª Cor. 15, 20) (Cf. At 3, 15; Rm 8, 11), pressupõem que, anteriormente à ressurreição, Ele tenha estado na mansão dos mortos (Cf. Heb. 13, 20) este o sentido primeiro dado pela pregação apostólica à descida de Jesus à mansão dos mortos: Jesus conheceu a morte, como todos os homens, e foi ter com eles à morada dos mortos. Porém, desceu lá como salvador proclamando a Boa-Nova aos espíritos que ali estavam prisioneiros (Cf. 1ª Pe. 3, 18-19).

633. A morada dos mortos, a que Cristo morto desceu, é chamada pela Escritura os infernos, Sheol ou Hades (Cf. Fl. 2, 10; At. 2, 24: Ap. 1, 18; Ef. 4, 9), porque aqueles que aí se encontravam estavam privados da visão de Deus (Cf. Sl. 6, 6; 88, 11-13). Tal era o caso de todos os mortos, maus ou justos, enquanto esperavam o Redentor (Cf. Sl. 89, 49; 1º Sm. 28, 19: Ez. 32, 17-32), o que não quer dizer que a sua sorte fosse idêntica, como Jesus mostra na parábola do pobre Lázaro, recebido no «seio de Abraão» (Cf. Lc. 16, 22-26). «Foram precisamente essas almas santas, que esperavam o seu libertador no seio de Abraão, que Jesus Cristo libertou quando desceu à mansão dos mortos» (Cat Rom. 1. 6. 3. p. 71). Jesus não desceu à mansão dos mortos para de lá libertar os condenados (Cf. Concílio de Roma (ano 745), De descensu Christi ad inferos: DS 587), nem para abolir o inferno da condenação (Cf. Bento XII, Libellus, Cum dudum (1341). 18: DS 1011; Clemente VI, Ep. Super quibusdam (ano 1351), c. 15, 13: DS 1077), mas para libertar os justos que O tinham precedido (Cf. IV Concílio de Toledo (ano 633). Capitulum, 1: DS 485; Mt 27, 52-53).

634. «A Boa-Nova foi igualmente anunciada aos mortos...» (1ª Pe. 4, 6). A descida à mansão dos mortos é o cumprimento, até à plenitude, do anúncio evangélico da salvação. É a última fase da missão messiânica de Jesus, fase condensada no tempo, mas imensamente vasta no seu significado real de extensão da obra redentora a todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares, porque todos aqueles que se salvaram se tornaram participantes da redenção.

635. Cristo, portanto, desceu aos abismos da morte (Cf Mt 12, 40; Rm. 10, 7; Ef 4, 9), para que «os mortos ouvissem a voz do Filho do Homem e os que a ouvissem, vivessem» (Jo 5, 25). Jesus, «o Príncipe da Vida» (Cf. At. 3, 15), «pela sua morte, reduziu à impotência aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo, e libertou quantos, por meio da morte, se encontravam sujeitos à servidão durante a vida inteira» (Heb. 2, 14-15). Desde agora, Cristo ressuscitado «detém as chaves da morte e do Hades» (Ap 1, 18) e «ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos» (Fl. 2, 10).

- «Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o rei dorme. A terra estremeceu e ficou silenciosa, porque Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há séculos [...]. Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai libertar Adão do cativeiro da morte. Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu filho [...] "Eu sou o teu Deus, que por ti me fiz teu filho [...] Desperta tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos: levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos"» (Antiga homilia para Sábado Santo: PG. 43. 440.452.461 [Sábado Santo, 2ª Leitura do Ofício de Leituras: Liturgia das Horas, s. 2 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 454-4551).

Resumindo:

636. Na expressão «Jesus desceu à mansão dos mortos», o Símbolo confessa que Jesus morreu realmente, e que, por ter morrido por nós, venceu a morte e o Diabo «que tem o poder da morte» (Heb. 2, 14).

637. Cristo morto, na sua alma unida à pessoa divina, desceu à morada dos mortos. E abriu aos justos, que O tinham precedido, as portas do céu.

PARÁGRAFO 2

AO TERCEIRO DIA, RESSUSCITOU DOS MORTOS

638. «Nós vos anunciamos a Boa-Nova de que a promessa feita aos nossos pais, a cumpriu Deus para nós, seus filhos, ao ressuscitar Jesus» (At. 13, 32-33). A ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo, acreditada e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã, transmitida como fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do Novo Testamento, pregada como parte essencial do mistério pascal, ao mesmo tempo que a cruz:

«Cristo ressuscitou dos mortos.
Pela Sua morte venceu a morte,
e aos mortos deu a vida»
(Liturgia bizantina, Tropário no dia de Páscoa: «Pentêkostárion» (Romae 1884) p.6).

I. Acontecimento histórico e transcendente

639. O mistério da ressurreição de Cristo é um acontecimento real, com manifestações historicamente verificadas, como atesta o Novo Testamento. Já São Paulo, por volta do ano 56, pôde escrever aos Coríntios: «transmiti-vos, em primeiro lugar, o mesmo que havia recebido: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras: a seguir, apareceu a Pedro, depois aos Doze» (1ª Cor. 15, 3-4). O Apóstolo fala aqui da tradição viva da ressurreição, de que tinha tomado conhecimento após a sua conversão, às portas de Damasco (Cf. At. 9, 3-18).

O TÚMULO VAZIO

640. «Por que motivo procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui, ressuscitou» (Lc. 24, 5-6). No quadro dos acontecimentos da Páscoa, o primeiro elemento que se nos oferece é o sepulcro vazio. Isso não é, em si, uma prova direta. A ausência do corpo de Cristo do sepulcro poderia explicar-se doutro modo (Cf. Jo. 20, l3; Mt, 28, 11-15). Apesar disso, o sepulcro vazio constitui, para todos, um sinal essencial. A descoberta do fato pelos discípulos foi o primeiro passo para o reconhecimento do fato da ressurreição. Foi, primeiro, o caso das Santas mulheres (Cf. Lc. 24, 3. 22-23), depois o de Pedro (Cf. 24, 12). «O discípulo que Jesus amava» (Jo. 20, 2) afirma que, ao entrar no sepulcro vazio e ao descobrir «os lençóis no chão» (Jo. 20, 6), «viu e acreditou» (Cf. Jo. 20, 8); o que supõe que ele terá verificado, pelo estado em que ficou o sepulcro vazio, que a ausência do corpo de Jesus não podia ter sido obra humana e que Jesus não tinha simplesmente regressado a uma vida terrena, como fora o caso de Lázaro (Cf. Jo. 11, 44).

AS APARIÇÕES DO RESSUSCITADO

641. Maria Madalena e as santas mulheres, que vinham para acabar de embalsamar o corpo de Jesus
(Cf. Mc. 16, l ; Lc. 24, 1), sepultado à pressa por causa do início do «Sábado», no fim da tarde de Sexta-feira Santa (Cf. Jo. 19, 31.42), foram as primeiras pessoas a encontra-se com o Ressuscitado (Cf. Mt. 28, 9-10; Jo. 20, 11-18). Assim, as mulheres foram as primeiras mensageiras da ressurreição de Cristo para os próprios Apóstolos (Cf. Lc. 24, 9-10). Em seguida, foi a eles que Jesus apareceu: primeiro a Pedro, depois aos Doze (Cf. 1ª Cor. 15, 5). Pedro, incumbido de consolidar a fé dos seus irmãos (Cf. Lc. 22, 31-32), vê, portanto, o Ressuscitado antes deles e é com base no seu testemunho que a comunidade exclama: «realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão» (Lc. 24, 34.36).

642. Tudo quanto aconteceu nestes dias pascais empenha cada um dos Apóstolos - e muito particularmente Pedro - na construção da era nova, que começa na manhã do dia de Páscoa. Como testemunhas do Ressuscitado, eles são as pedras do alicerce da sua Igreja. A fé da primeira comunidade dos crentes está fundada no testemunho de homens concretos, conhecidos dos cristãos e, a maior parte, vivendo ainda entre eles. Estas «testemunhas da ressurreição de Cristo» (Cf. At. 1, 22), são, em primeiro lugar, Pedro e os Doze. Mas há outros: Paulo fala claramente de mais de quinhentas pessoas às quais Jesus apareceu em conjunto, além de Tiago e de todos os Apóstolos (Cf. 1ª Cor 15, 4-8).

643. Perante estes testemunhos, é impossível interpretar a ressurreição de Cristo fora da ordem física e não a reconhecer como um fato histórico. Resulta, dos fatos, que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e morte de cruz do seu Mestre, por este de antemão anunciada (Cf. Lc. 22, 31-32). O abalo provocado pela paixão foi tão forte que os discípulos (pelo menos alguns) não acreditaram imediatamente na notícia da ressurreição. Longe de nos apresentar uma comunidade tomada de exaltação mística, os evangelhos apresentam-nos os discípulos abatidos (de «rosto sombrio»: Lc. 24, 17 e apavorados (Cf. Jo 20, 19). Foi por isso que não acreditaram nas santas mulheres, regressadas da sua visita ao túmulo, e «as suas narrativas pareceram-lhe um desvario» (Lc. 24, 11) (Cf. Mc. 16, 11.13). Quando Jesus apareceu aos onze, na tarde do dia de Páscoa, «censurou-lhes a falta de fé e a teimosia em não quererem acreditar naqueles que O tinham visto ressuscitado» (Mc. 16, 14).

644.  Mesmo confrontados com a realidade de Jesus Ressuscitado, os discípulos ainda duvidam (Cf. Lc. 24,38) de tal modo isso lhes parecia impossível: julgavam ver um fantasma (Cf. Lc. 24, 37). «Por causa da alegria, estavam ainda sem querer acreditar e cheios de assombro» (Lc. 24, 41). Tomé experimentará a mesma provação da dúvida (Cf. Jo. 20, 24-27), e quando da última aparição na Galileia, referida por Mateus, «alguns ainda duvidavam» (Mt. 28, 17). É por isso que a hipótese, segundo a qual a ressurreição teria sido um «produto» da fé (ou da credulidade) dos Apóstolos, é inconsistente. Pelo contrário, a sua fé na ressurreição nasceu - sob a ação da graça divina da experiência direta da realidade de Jesus Ressuscitado.

O ESTADO DA HUMANIDADE RESSUSCITADA DE CRISTO

645. Jesus Ressuscitado estabeleceu com os seus discípulos relações diretas, através do contacto físico (Cf. Lc. 24, 39; Jo. 20, 27) e da participação na refeição (Cf. Lc. 24, 30.41-43: Jo 21, 9.13-15). Desse modo, convida-os a reconhecer que não é um espírito (Cf. Lc. 24, 39), e sobretudo a verificar que o corpo ressuscitado, com o qual se lhes apresenta, é o mesmo que foi torturado e crucificado, pois traz ainda os vestígios da paixão (Cf. Lc. 24, 40: Jo. 20, 20.27). No entanto, este corpo autêntico e real possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas dum corpo glorioso: não está situado no espaço e no tempo, mas pode, livremente, tornar-se presente onde e quando quer (Cf. Mt. 28, 9.16-17; Lc. 24, 15.36; Jo. 20, 14.19-26; 21, 4), porque a sua humanidade já não pode ser retida sobre a terra e já pertence exclusivamente ao domínio divino do Pai (Cf. Jo. 20, 17). Também por este motivo, Jesus Ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quer: sob a aparência dum jardineiro (Cf. Jo. 20, 14-15) ou «com um aspecto diferente» (Mc. 16, 12) daquele que era familiar aos discípulos; e isso, precisamente, para lhes despertar a fé (Cf. Jo. 20, 14.16; 21, 4.7).

646. A ressurreição de Cristo não foi um regresso à vida terrena, como no caso das ressurreições que Ele tinha realizado antes da Páscoa: a filha de Jairo, o jovem de Naim e Lázaro. Esses fatos eram acontecimentos milagrosos, mas as pessoas miraculadas reencontravam, pelo poder de Jesus, uma vida terrena «normal»: em dado momento, voltariam a morrer. A ressurreição de Cristo é essencialmente diferente. No seu corpo ressuscitado, Ele passa do estado de morte a uma outra vida, para além do tempo e do espaço. O corpo de Cristo é, na ressurreição, cheio do poder do Espírito Santo; participa da vida divina no estado da sua glória, de tal modo que São Paulo pode dizer de Cristo que Ele é o «homem celeste» (Cf. 1ª Cor. 15, 35-50).

A RESSURREIÇÃO COMO ACONTECIMENTO TRANSCENDENTE

647. «Oh noite bendita! - canta o “Exultet” pascal - única a ter conhecimento do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro» (Vigília Pascal, Precónio Pascal («Exsultet» ): Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 272 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 290 e 294]). Com efeito, ninguém foi testemunha ocular do acontecimento da ressurreição propriamente dita e nenhum evangelista o descreve. Ninguém pôde dizer como ela se deu, fisicamente. Ainda menos a sua essência mais íntima, a passagem a uma outra vida, foi perceptível aos sentidos. Acontecimento histórico comprovado pelo sinal do túmulo vazio e pela realidade dos encontros dos Apóstolos com Cristo Ressuscitado, nem por isso a ressurreição deixa de estar, naquilo em que transcende e ultrapassa a história, no próprio centro do mistério da fé. Foi por isso que Cristo Ressuscitado não Se manifestou ao mundo (Cf. Jo. 14, 22), mas aos discípulos, «aos que com Ele tinham subido da Galileia a Jerusalém» e que «são agora testemunhas de Jesus junto do povo» (At. 13, 31).

II. A ressurreição - obra da Santíssima Trindade

648. A ressurreição de Cristo é objeto de fé, na medida em que é uma intervenção transcendente do próprio Deus na criação e na história. Nela, as três pessoas divinas agem em conjunto e manifestam a sua originalidade própria: realizou-se pelo poder do Pai, que «ressuscitou» (At. 2, 24) Cristo seu Filho, e assim introduziu de modo perfeito a sua humanidade - com o seu corpo - na Trindade. Jesus foi divinamente revelado «Filho de Deus em todo o seu poder, pela sua ressurreição de entre os mortos» (Rm. 1, 4). São Paulo insiste na manifestação do poder de Deus (Cf. Rm. 6, 4; 2ª Cor. 13, 4: Fl. 3. 10; Ef. 1, 19-22; Heb. 7, 16) por obra do Espírito, que vivificou a humanidade morta de Jesus e a chamou ao estado glorioso de Senhor.

649. Quanto ao Filho, Ele opera a sua própria ressurreição em virtude do seu poder divino. Jesus anuncia que o Filho do Homem deverá sofrer muito, e depois ressuscitar (no sentido ativo da palavra (Cf. Mc. 8, 31; 9. 9.31; 10. 34). Aliás, é d'Ele esta afirmação explícita: «Eu dou a minha vida para retomá-la [...] Tenho o poder de a dar e o poder de a retomar» (Jo. 10, 17-18). «Nós cremos que Jesus morreu e depois ressuscitou» (1ª Ts. 4, 14).

650. Os Santos Padres contemplam a ressurreição a partir da pessoa divina de Cristo, que ficou unida à sua alma e ao seu corpo, separados entre si pela morte: «pela unidade da natureza divina, que continua presente em cada uma das duas partes do homem, estas unem-se de novo. Assim, a morte é produzida pela separação do composto humano e a ressurreição pela união das duas partes separadas» (São Gregório de Nissa, De tridui inter mortem et resurrectionem Domini nostri Iesu Christi spatio: Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger - H. Langerbeck, V. 9 (Leiden 1967) p. 293- 294 (PG 46, 417B): cf. também Statuta Ecelesiae Antigua: DS 325: Anastásio II, Ep. In prolixitate epistulae: DS 359: Santo Hormisda. Ep. Inter ea quae: DS 369: XI Concílio de Toledo, Symbolum: DS 539).

III. Sentido e alcance salvífico da ressurreição

651. «Se Cristo não ressuscitou, então a nossa pregação é vã e também é vã a vossa fé» (1ª Cor. 15, 14). A ressurreição constitui, antes de mais, a confirmação de tudo quanto Cristo em pessoa fez e ensinou. Todas as verdades, mesmo as mais inacessíveis ao espírito humano, encontram a sua justificação se, ressuscitando, Cristo deu a prova definitiva, que tinha prometido, da sua autoridade divina.

652. A ressurreição de Cristo é o cumprimento das promessas do Antigo Testamento (Cf. Lc. 24, 26-27. 44-48) e do próprio Jesus, durante a sua vida terrena (Cf. Mt. 28, 6; Mc. 16, 7; Lc. 24, 6-7). A expressão «segundo as Escrituras» (Cf. 1ª Cor. 15, 3-4: Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150) indica que a ressurreição de Cristo cumpriu essas predições.

653. A verdade da divindade de Jesus é confirmada pela ressurreição. Ele tinha dito: «quando elevardes o Filho do Homem, então sabereis que "Eu Sou"» (Jo. 8, 28). A ressurreição do Crucificado demonstrou que Ele era verdadeiramente «Eu Sou», o Filho de Deus e Ele próprio Deus. São Paulo pôde declarar aos judeus: «e nós vos anunciamos a Boa-Nova de que a promessa feita aos nossos pais, cumpriu-a Deus para os filhos deles ao ressuscitar Jesus, como justamente está escrito no Salmo segundo: "Tu és meu Filho, Eu gerei-Te hoje"» (At. 13, 32-33) (Cf. Sl. 2, 7). O mistério da ressurreição de Cristo está estreitamente ligado ao mistério da Encarnação do Filho de Deus. É dele o cumprimento, segundo o desígnio eterno de Deus.

654. Existe um duplo aspecto no mistério pascal: pela sua morte, Cristo liberta-nos do pecado; pela sua ressurreição, abre-nos o acesso a uma nova vida. Esta é, antes de mais, a justificação, que nos repõe na graça de Deus (Cf. Rm. 4, 25), «para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos [...], também nós vivamos uma vida nova» (Rm. 6, 4). Esta consiste na vitória sobre a morte do pecado e na nova participação na graça (Cf. Ef. 2, 4-5; 1ª Pe. 1, 3); realiza a adoção filial, porque os homens tornam-se irmãos de Cristo, como o próprio Jesus chama aos discípulos depois da ressurreição: «ide anunciar aos meus irmãos» (Mt. 28, 10) (Cf. Jo. 20, 17). Irmãos, não por natureza, mas por dom da graça, porque esta filiação adotiva proporciona uma participação real na vida do Filho, plenamente revelada na sua ressurreição.

655. Finalmente, a ressurreição de Cristo - e o próprio Cristo Ressuscitado -- é princípio e fonte da nossa ressurreição futura: «Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram [...]. Do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo serão todos restituídos à vida» (1ª Cor. 15, 20-22). Na expectativa de que isto se realize, Cristo Ressuscitado vive no coração dos seus fiéis. N'Ele, os cristãos «saboreiam as maravilhas do mundo vindouro» (Heb. 6, 5) e a sua vida é atraída por Cristo para o seio da vida divina (Cf. Cl. 3, 1-3), «para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles» (2ª Cor. 5, 15).

Resumindo:

656. A fé na ressurreição tem por objeto um acontecimento, ao mesmo tempo historicamente testemunhado pelos discípulos (que realmente encontraram o Ressuscitado) e misteriosamente transcendente, enquanto entrada da humanidade de Cristo na glória de Deus.

657. O sepulcro vazio e os lençóis deixados no chão significam, por si mesmos, que o corpo de Cristo escapou aos laços da morte e da corrupção, pelo poder de Deus. E preparam os discípulos para o encontro com o Ressuscitado.

658. Cristo, «primogénito de entre os mortos» (Cl. 1, 18), é o princípio da nossa própria ressurreição, desde agora pela justificação da nossa alma (Cf. Rm. 6, 4), mais tarde pela vivificação do nosso corpo (Cf. Rom. 8, 11).

ARTIGO 6

«JESUS SUBIU AOS CÉUS E ESTÁ SENTADO
À DIREITA DE DEUS, PAI TODO-PODEROSO»

659. «Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus» (Mc. 16, 19). O corpo de Cristo foi glorificado desde o momento da sua ressurreição, como o provam as propriedades novas e sobrenaturais de que, a partir de então, ele goza permanentemente (Cf. Lc. 24. 31; Jo. 20, 19.26). Mas, durante os quarenta dias em que vai comer e beber familiarmente com os discípulos (Cf. At. 10, 41) e instruí-los sobre o Reino (Cf. At. 1, 3), a sua glória fica ainda velada sob as aparências duma humanidade normal (Cf. Mc. 16, 12; Lc. 24. 15; Jo. 20, 14-15; 21, 4). A última aparição de Jesus termina com a entrada irreversível da sua humanidade na glória divina, simbolizada pela nuvem (Cf. At. 1, 9; também Lc. 9. 34-35; Ex. 13, 22) e pelo céu (Cf. Lc. 24, 51). onde a partir de então, está sentado à direita de Deus (Cf. Mc. 16, 19; At. 2, 33; 7. 56: também Sl. 110, 1). Só de modo absolutamente excepcional e único é que Se mostrará a Paulo, «como a um aborto» (1ª Cor. 15, 8), numa última aparição que o constitui Apóstolo (Cf. 1ª Cor. 9, 1: Gl. 1, 16).

660. O carácter velado da glória do Ressuscitado, durante este tempo, transparece na sua misteriosa palavra a Maria Madalena: « [...] ainda não subi para o Pai. Vai ter com os meus irmãos e diz-lhes que vou subir para o meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus» (Jo. 20, 17). Isto indica uma diferença entre a manifestação da glória de Cristo Ressuscitado e a de Cristo exaltado à direita do Pai. O acontecimento da ascensão, ao mesmo tempo histórico e transcendente, marca a transição duma para a outra.

661. Esta última etapa continua intimamente unida à primeira, isto é, à descida do céu realizada na Encarnação. Só Aquele que «saiu do Pai» pode «voltar para o Pai»: Cristo (Cf. Jo. 16, 28). «Ninguém subiu ao céu senão Aquele que desceu do céu: o Filho do Homem» (Jo. 3, 13) (Cf. Ef. 4, 8-10). Abandonada às suas forças naturais, a humanidade não tem acesso à «Casa do Pai» (Cf. Jo. 14, 2), à vida e à felicidade de Deus. Só Cristo pode abrir ao homem este acesso: «subindo aos céus, como nossa cabeça e primogênito, deu-nos a esperança de irmos um dia ao seu encontro, como membros do seu corpo» (Prefácio de Ascensão, I: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 410 [Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992. 474]).

662. «E Eu, uma vez elevado da terra, atrairei todos a Mim» (Jo 12, 32). A elevação na cruz significa e anuncia a elevação da ascensão aos céus. É o princípio dela, Jesus Cristo, o único sacerdote da nova e eterna Aliança, «não entrou num santuário feito por homens [...]. Entrou no próprio céu, a fim de agora se apresentar diante de Deus em nosso favor» (Heb. 9, 24). Nos céus, Cristo exerce permanentemente o seu sacerdócio, «sempre vivo para interceder a favor daqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus» (Heb. 7, 25). Como «sumo sacerdote dos bens futuros» (Heb. 9, 11), Ele é o centro e o ator principal da liturgia que honra o Pai que está nos céus (Cf. Ap. 4, 6-11).

663. Doravante, Cristo está sentado à direita do Pai: «por direita do Pai entendemos a glória e a honra da divindade, em cujo seio Aquele que, antes de todos os séculos, existia como Filho de Deus, como Deus e consubstancial ao Pai, tomou assento corporalmente desde que encarnou e o seu corpo foi glorificado» (São João Damasceno, Expositio fidei, 75 [De fide Orthodoxa 4, 2]: PTS 12. 173 (PG 94, 104D)).

664. Sentar-se à direita do Pai significa a inauguração do Reino messiânico, cumprimento da visão do profeta Daniel a respeito do Filho do Homem: «foi-Lhe entregue o domínio, a majestade e a realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviram. O seu domínio é um domínio eterno, que não passará jamais, e a sua realeza não será destruída» (Dn. 7, 14). A partir deste momento, os Apóstolos tornaram-se as testemunhas do «Reino que não terá fim» (Cf. Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150).

Resumindo:

665. A ascensão de Cristo marca a entrada definitiva da humanidade de Jesus no domínio celeste de Deus, de onde há de voltar (Cf. At. 1, 11) mas que, entretanto, O oculta aos olhos dos homens (Cf. Cl. 3, 3).

666. Jesus Cristo, cabeça da Igreja, precede-nos no Reino glorioso do Pai, para que nós, membros do seu corpo, vivamos na esperança de estarmos um dia eternamente com Ele.

667. Jesus Cristo, tendo entrado, uma vez por todas, no santuário dos céus, intercede incessantemente por nós, como mediador que nos garante permanentemente a efusão do Espírito Santo.

ARTIGO 7

«DE ONDE HÁ-DE VIR A JULGAR
OS VIVOS E OS MORTOS»

I. «Voltará na sua glória»

CRISTO REINA, DESDE JÁ, PELA IGREJA...

668. «Cristo morreu e voltou à vida para ser Senhor dos mortos e dos vivos» (Rm. 14, 9). A ascensão de Cristo aos céus significa a sua participação, na sua humanidade, no poder e autoridade do próprio Deus. Jesus Cristo é Senhor: Ele possui todo o poder nos céus e na Terra. Está «acima de todo o principado, poder, virtude e soberania», porque o Pai «tudo submeteu a seus pés» (Ef. 1, 20-22). Cristo é o Senhor do cosmos (Cf. Ef. 4, 10; 1ª Cor 15, 24. 27-28) e da história, N'Ele, a história do homem, e até a criação inteira, encon­tram a sua «recapitulação» (Cf. Ef. 1, 10), o seu acabamento transcendente.

669. Como Senhor, Cristo é também a cabeça da Igreja, que é o seu corpo (Cf. Ef. 1, 22). Elevado ao céu e glorificado, tendo assim cumprido plenamente a sua missão, continua na terra por meio da Igreja. A redenção é a fonte da autoridade que Cristo, em virtude do Espírito Santo, exerce sobre a Igreja (Cf. Ef. 1, 22). «O Reino de Cristo já está misteriosamente presente na Igreja» (Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6), «gérmen e princípio deste mesmo Reino na Terra» (Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 8).

670. Depois da ascensão, o desígnio de Deus entrou na sua consumação. Estamos já na «última hora» (1ª Jo. 2, 18) (Cf. 1ª Pe. 4, 7). «Já chegou, pois, a nós, a plenitude dos tempos, a renovação do mundo já está irrevogavelmente adquirida e, de certo modo, encontra-se já realmente antecipada neste tempo: com efeito, ainda aqui na Terra, a Igreja está aureolada de uma verdadeira, embora imperfeita, santidade» (Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53). O Reino de Cristo manifesta já a sua presença pelos sinais miraculosos (Cf. Mc. 16, 17-18) que acompanham o seu anúncio pela Igreja (Cf. Mc. 16, 20).

... À ESPERA DE QUE TUDO LHE SEJA SUBMETIDO

671. Já presente na sua Igreja, o Reino de Cristo, contudo, ainda não está acabado «em poder e glória» (Lc. 21, 27) (Cf. Mt. 25, 31) pela vinda do Rei à terra. Este Reino ainda é atacado pelos poderes do mal (Cf. 2ª Ts. 2, 7), embora estes já tenham sido radicalmente vencidos pela Páscoa de Cristo. Até que tudo Lhe tenha sido submetido (Cf. 1ª Cor. 15, 28), «enquanto não se estabelecem os novos céus e a nova terra, em que habita a justiça, a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituições, que pertencem à presente ordem temporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores do parto, esperando a manifestação dos filhos de Deus» (Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53). Por este motivo, os cristãos oram, sobretudo na Eucaristia (Cf. 1ª Cor. 11, 26), para que se apresse o regresso de Cristo (Cf. 2ª Pe, 3. 11-12), dizendo-Lhe: «vem, Senhor» (Ap. 22, 20) (Cf. 1ª Cor. 16, 22; Ap. 22, 17).

672. Cristo afirmou, antes da sua ascensão, que ainda não era a hora do estabelecimento glorioso do Reino messiânico esperado por Israel (Cf. At.  1, 6-7), o qual devia trazer a todos os homens, segundo os profetas (Cf. Is. 11, 1-9), a ordem definitiva da justiça, do amor e da paz. O tempo presente é, segundo o Senhor, o tempo do Espírito e do testemunho (Cf. At. 1, 8) mas é também um tempo ainda marcado pela «desolação» (Cf. 1ª Cor. 7, 26) e pela provação do mal (Cf. Ef. 5, 16), que não poupa a Igreja (Cf. 1ª Pe. 4, 17) e inaugura os combates dos últimos dias (Cf. 1ª Jo. 2, 18; 4, 3: 1ª Tm. 4, 1). É um tempo de espera e de vigília (Cf. Mt. 25, 1-13; Mc. 13, 33-37).

A VINDA GLORIOSA DE CRISTO, ESPERANÇA DE ISRAEL

673. A partir da ascensão, a vinda de Cristo na glória está iminente (Cf. Ap 22. 20) mesmo que não nos «pertença saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade» (At. 1, 7) (Cf. Mc. 13, 32). Este advento escatológico pode realizar-se a qualquer momento (Cf. Mt. 24, 44; 1ª Ts. 5, 2), ainda que esteja «retido», ele e a provação final que o há de preceder (Cf. 2ª Ts. 2, 3-12).

674. A vinda do Messias glorioso está pendente, a todo o momento da história (Cf. Rm. 11, 31), do seu reconhecimento por «todo o Israel» (Cf. Rm. 11, 26; Mt. 23, 39), do qual «uma parte se endureceu» (Cf. Rm. 11, 25) na «incredulidade» (Rm. 11, 20) em relação a Jesus. E Pedro quem diz aos judeus de Jerusalém, após o Pentecostes: «arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que os pecados vos sejam perdoados. Assim, o Senhor fará que venham os tempos de alívio e vos mandará o Messias Jesus, que de antemão vos foi destinado. O céu tem de O conservar até à altura da restauração universal, que Deus anunciou pela boca dos seus santos profetas de outrora» (At. 3, 19-21). E Paulo faz-se eco destas palavras: «se da sua rejeição resultou a reconciliação do mundo, o que será a sua reintegração senão uma ressurreição de entre os mortos»? (Rm. 11, 15). A entrada da totalidade dos judeus (Cf. Rm. 11, 12) na salvação messiânica, a seguir à «conversão total dos pagãos» (Cf. Rm. 11, 25; Lc. 21, 24), dará ao povo de Deus ocasião de «realizar a plenitude de Cristo» (Ef. 4, 13), na qual «Deus será tudo em todos» (1ª Cor. 15, 2).

A ÚLTIMA PROVA DA IGREJA

675. Antes da vinda de Cristo, a Igreja deverá passar por uma prova final, que abalará a fé de numerosos crentes (Cf. Lc. 18, 8; Mt. 24, 12). A perseguição, que acompanha a sua peregrinação na Terra (Cf. Lc. 21, 12; Jo. 15, 19-20), porá a descoberto o «mistério da iniquidade», sob a forma duma impostura religiosa, que trará aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A suprema impostura religiosa é a do Anticristo, isto é, dum pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo, substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado (Cf. 2ª Ts. 2, 4-12; 1ª Ts. 5. 2-3; 2 Jo. 7; 1 Jo. 2, 18.22).

676. Esta impostura anticrística já se esboça no mundo, sempre que se pretende realizar na história a esperança messiânica, que não pode consumar-se senão para além dela, através do juízo escatológico. A Igreja rejeitou esta falsificação do Reino futuro, mesmo na sua forma mitigada, sob o nome de milenarismo (Cf. Santo Ofício, Decretum de millenarismo (19 de julho de 1944): DS 3839), e principalmente sob a forma política dum messianismo secularizado, «intrinsecamente perverso» (Cf. Pio XI, Enc. Divini Redemtptoris (19 de março de 1937): AAS 29 (1937) 65-106, condenando o «falso misticismo» desta «simulação da redenção dos humildes» (p. 69); II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 20-21: AAS 58 (1966) 1040-1042).

677. A Igreja não entrará na glória do Reino senão através dessa última Páscoa, em que seguirá o Senhor na sua morte e ressurreição (Cf. Ap. 19, 1-9). O Reino não se consumará, pois, por um triunfo histórico da Igreja (Cf. Ap. 13, 8) segundo um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o último desencadear do mal (Cf. Ap. 20, 7-10), que fará descer do céu a sua Esposa (Cf. Ap. 21, 2-4). O triunfo de Deus sobre a revolta do mal tomará a forma de Juízo final (Cf. Ap. 20, 12), após o último abalo cósmico deste mundo passageiro (Cf. 2ª Pe. 3. 12-13).

II. «Para julgar os vivos e os mortos»

678. Na sequência dos profetas (Cf. Dn. 7, 10; Jl. 3-4: Ml. 3, 19) e de João Baptista (Cf. Mt 3, 7-12), Jesus anunciou, na sua pregação, o Juízo do último dia. Então será revelado o procedimento de cada um (Cf. Mc. 12, 38-40) e o segredo dos corações (Cf. Lc. 12, Jo. 3, 20-21; Rm. 2, 16; 1ª Cor. 4, 5). Então, será condenada a incredulidade culpável, que não teve em conta a graça oferecida por Deus (Cf. Mt. 11, 20-24: 12, 41-42). A atitude tomada para com o próximo revelará a aceitação ou a recusa da graça e do amor divino (Cf. Mt. 5, 22; 7, 1-5). No último dia, Jesus dirá: «sempre que o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt. 25, 40).

679. Cristo é Senhor da vida eterna. O pleno direito de julgar definitivamente as obras e os corações dos homens pertence-Lhe a Ele, enquanto redentor do mundo. Ele «adquiriu» este direito pela sua cruz. Por isso, o Pai entregou «ao Filho todo o poder de julgar» (Jo. 5, 22) (Cf. Jo. 5, 27: Mt. 25, 31: At. 10, 42: 17, 31: 2ª Tm. 4, 1). Ora, o Filho não veio para julgar, mas para salvar (Cf. Jo. 3, 17) e dar a vida que tem em Si (Cf. Jo. 5, 26). É pela recusa da graça nesta vida que cada qual se julga já a si próprio (Cf. Jo. 3, 18: 12, 48), recebe segundo as suas obras (Cf. 1ª Cor. 3, 12-15) e pode, mesmo, condenar-se para a eternidade, recusando o Espírito de amor (Cf. Mt. 12, 32; Heb. 6, 4-6; 10, 26-31).

Resumindo:

680. Cristo Senhor reina já pela Igreja, mas ainda não Lhe estão submetidas todas as coisas deste mundo. O triunfo do Reino de Cristo só será um fato, depois dum último assalto das forças do mal.

681. No dia do Juízo, no fim do mundo, Cristo virá na sua glória para completar o triunfo definitivo do bem sobre o mal, os quais, como o trigo e o joio, terão crescido juntos no decurso da história.

682. Quando vier; no fim dos tempos, para julgar os vivos e os mortos, Cristo glorioso há de revelar a disposição secreta dos corações, e dará a cada um segundo as suas obras e segundo tiver aceite ou recusado a graça. 

CAPÍTULO TERCEIRO

 CREIO NO ESPÍRITO SANTO

683. «Ninguém pode dizer "Jesus é o Senhor" a não ser pela ação do Espírito Santo» (1ª Cor. 12, 3). «Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: "Abbá! Pai!'» (Gl. 4, 6). Este conhecimento da fé só é possível no Espírito Santo. Para estar em contato com Cristo, é preciso primeiro ter sido tocado pelo Espírito Santo. É Ele que nos precede e suscita em nós a fé. Em virtude do nosso Batismo, primeiro sacramento da fé, a Vida, que tem a sua fonte no Pai e nos é oferecida no Filho, é-nos comunicada, íntima e pessoalmente, pelo Espírito Santo na Igreja:

- o Baptismo «dá-nos a graça do novo nascimento em Deus Pai, por meio do Filho no Espírito Santo. Porque aqueles que têm o Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho: mas o Filho apresenta-os ao Pai, e o Pai dá-lhes a incorruptibilidade. Portanto, sem o Espírito não é possível ver o Filho de Deus, e sem o Filho ninguém tem acesso ao Pai, porque o conhecimento do Pai é o Filho, e o conhecimento do Filho de Deus faz-se pelo Espírito Santo» (Santo Ireneu de Lião, Demonstratio praedicationis apostolicae, 7: SC 62, 41-42).

684. O Espírito Santo, pela sua graça, é o primeiro no despertar da nossa fé e na vida nova que consiste em conhecer o Pai e Aquele que Ele enviou, Jesus Cristo (Cf. Jo. 17, 3). No entanto, Ele é o último na revelação das Pessoas da Santíssima Trindade. São Gregário de Nazianzo, «o Teólogo», explica esta progressão pela pedagogia da «condescendência» divina:

- «o Antigo Testamento proclamava manifestamente o Pai e mais obscuramente o Filho. O Novo manifestou o Filho e fez entrever a divindade do Espírito. Agora, porém, o próprio Espírito vive conosco e manifesta-se a nós mais abertamente. Com efeito, quando ainda não se confessava a divindade do Pai, não era prudente proclamar abertamente o Filho: e quando a divindade do Filho ainda não era admitida, não era prudente acrescentar o Espírito Santo como um fardo suplementar, para empregar uma expressão um tanto ousada [...] É por avanços e progressões "de glória em glória " que a luz da Trindade brilhará em mais esplendorosas claridades» (São Gregório de Nazianzo, Oratio 31 (Theologica 5), 26: SC 250, 326 (PG 36, 161-164)).

685. Crer no Espírito é, portanto, professar que o Espírito Santo é uma das Pessoas da Santíssima Trindade, consubstancial ao Pai e ao Filho, «adorado e glorificado com o Pai e o Filho» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150). É por isso que tratamos do mistério divino do Espírito Santo na «teologia» trinitária. Portanto, aqui só trataremos do Espírito Santo no âmbito da «economia» divina.

686. O Espírito Santo age juntamente com o Pai e o Filho, desde o princípio até à consumação do desígnio da nossa salvação. Mas é nestes «últimos tempos», inaugurados com a Encarnação redentora do Filho, que Ele é revelado e dado, reconhecido e acolhido como Pessoa. Então, esse desígnio divino, consumado em Cristo, «Primogénito» e Cabeça da nova criação, poderá tomar corpo na humanidade pelo Espírito derramado: a Igreja, a comunhão dos santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a vida eterna.

ARTIGO 8

«CREIO NO ESPÍRITO SANTO»

687. «Ninguém conhece o que há em Deus, senão o Espírito de Deus» (1ª Cor. 2, 11). Ora, o seu Espírito, que O revela, faz-nos conhecer Cristo, seu Verbo, sua Palavra viva; mas não se diz a Si próprio. Aquele que «falou pelos profetas» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150) faz-nos ouvir a Palavra do Pai. Mas a Ele, nós não O ouvimos. Não O conhecemos senão no movimento em que Ele nos revela o Verbo e nos dispõe a acolhê-Lo na fé. O Espírito de verdade, que nos «revela» Cristo, «não fala de Si próprio» (Cf. Jo. 16, 13). Tal escondimento, propriamente divino, explica porque é que «o mundo não O pode receber, porque não O vê nem O conhece», enquanto aqueles que creem em Cristo O conhecem, porque habita com eles e está neles (Jo 14, 17).

688. A Igreja, comunhão viva na fé dos Apóstolos que ela transmite, é o lugar do nosso conhecimento do Espírito Santo:

- Nas Escrituras, que Ele inspirou:
- na Tradição, de que os Padres da Igreja são testemunhas sempre atuais;
- no Magistério da Igreja, que Ele assiste;
- na liturgia sacramental, através das suas palavras e dos seus símbolos, em que o Espírito Santo nos põe em comunhão com Cristo;
- na oração, em que Ele intercede por nós;
- nos carismas e ministérios, pelos quais a Igreja é edificada;
- nos sinais de vida apostólica e missionária;
-  no testemunho dos santos, nos quais Ele manifesta a sua santidade e continua a obra da salvação.

I. A missão conjunta do Filho e do Espírito

689. Aquele que o Pai enviou aos nossos corações, o Espírito do seu Filho (Cf. Gl. 4, 6), é realmente Deus. Consubstancial ao Pai e ao Filho, é d'Eles inseparável, tanto na vida íntima da Trindade como no seu dom de amor pelo mundo. Mas ao adorar a Santíssima Trindade, vivificante, consubstancial e indivisível, a fé da Igreja professa também a distinção das Pessoas. Quando o Pai envia o seu Verbo, envia sempre o seu Espírito: missão conjunta na qual o Filho e o Espírito Santo são distintos, mas inseparáveis. Sem dúvida, é Cristo quem aparece, Ele que é a Imagem visível de Deus invisível; mas é o Espírito Santo quem O revela.

690. Jesus é Cristo, «ungido», porque o Espírito é d'Ele a Unção; e tudo quanto acontece a partir da Encarnação, decorre desta plenitude (Cf. Jo. 3, 34). Finalmente, quando Cristo é glorificado (Cf. Jo. 7, 39), pode, por sua vez, enviar de junto do Pai, o Espírito, aos que creem n'Ele: comunica-lhes a sua glória (Cf. Jo. 17, 22), quer dizer, o Espírito Santo que O glorifica (Cf. Jo. 16, 14). A missão conjunta desenvolver-se-á, a partir desse momento, nos filhos adotados pelo Pai no Corpo do seu Filho: a missão do Espírito de adoção consistirá em uni-los a Cristo e fazê-los viver n' Ele:

- «a unção sugere... que não há nenhuma distância entre o Filho e o Espírito. Com efeito, do mesmo modo que entre a superfície do corpo e a unção do óleo, nem a razão nem os sentidos encontram qualquer entremeio, assim é imediato o contacto do Filho com o Espírito, de tal modo que aquele que vai tomar contacto com o Filho pela fé, tem que contactar primeiro com o óleo. Com efeito, não há pane alguma que esteja despida do Espírito Santo. É por isso que a confissão do Senhorio do Filho se faz no Espírito Santo para aqueles que a recebem, pois o Espírito vem, de todos os lados, ao encontro daqueles que se aproximam pela fé» (São Gregório de Nissa, Adversus Macedonianos de Spiritu Sancto, 16: Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger-H. Langerbeck, V. 3/1 (Leiden 1958) p. 102-103 (PG 45, 1321)).

II. O nome, as designações e os símbolos do Espírito Santo

O NOME PRÓPRIO DO ESPÍRITO SANTO

691. «Espírito Santo», tal á o nome próprio d'Aquele que adoramos e glorificamos com o Pai e o Filho. A Igreja recebeu este nome do Senhor e professa-o no Batismo dos seus novos filhos (Cf. Mt. 28, 19).

O termo «Espírito» traduz o termo hebraico «Ruah» que, na sua primeira acepção, significa sopro, ar, vento. Jesus utiliza precisamente a imagem sensível do vento para sugerir a Nicodemos a novidade transcendente d'Aquele que é pessoalmente o Sopro de Deus, o Espírito divino (Cf. Jo. 3, 5-8). Por outro lado, Espírito e Santo são atributos divinos comuns às três Pessoas divinas. Mas, juntando os dois termos, a Escritura, a Liturgia e a linguagem teológica designam a Pessoa inefável do Espírito Santo, sem equívoco possível com os outros empregos dos termos «espírito» e «santo».

AS DESIGNAÇÕES DO ESPÍRITO SANTO

692. Jesus, ao anunciar e prometer a vinda do Espírito Santo, chama-Lhe o «Paráclito», que, à letra, quer dizer: «aquele que é chamado para junto», ad vocatus (Jo. 14, 16. 26; 15, 26; 16, 7). «Paráclito» traduz-se habitualmente por «Consolador», sendo Jesus o primeiro consolador (Cf. 1ª Jo. 2, 1 (paráklêton)). O próprio Senhor chama ao Espírito Santo «o Espírito da verdade» (Cf. Jo. 16. 13).

693. Além do seu nome próprio, que é o mais empregado nos Atos dos Apóstolos e nas epístolas, encontramos em S. Paulo as designações: Espírito da promessa (Gl. 3, 14; Ef. 1, 13), Espírito de adoção (Rm. 8, 15: Gl. 4, 6), Espírito de Cristo (Rm. 8, 9), Espírito do Senhor (2ª Cor. 3, 17). Espírito de Deus (Rm. 8, 9. 14; 15, 19; 1ª Cor. 6, 11; 7, 40), e em S. Pedro, Espírito de glória (1ª Pe. 4, 14).

OS SÍMBOLOS DO ESPÍRITO SANTO

694. A água. O simbolismo da água é significativo da ação do Espírito Santo no Batismo, pois que, após a invocação do Espírito Santo, ela torna-se o sinal sacramental eficaz do novo nascimento. Do mesmo modo que a gestação do nosso primeiro nascimento se operou na água, assim a água batismal significa realmente que o nosso nascimento para a vida divina nos é dado no Espírito Santo. Mas, «batizados num só Espírito», «a todos nos foi dado beber de um único Espírito» (1ª Cor. 12, 13): portanto, o Espírito é também pessoalmente a Água viva que brota de Cristo crucificado (Cf. Jo. 19, 34; 1ª Jo. 5, 8) como da sua fonte, e jorra em nós para a vida eterna (Cf. Jo. 4, 10-14; 7, 38: Ex. 17, 1-6: Is. 55, 1; Zc. 14, 8: 1ª Cor. 10, 4. Ap. 21, 6; 22, 17).

695. A unção. O simbolismo da unção com óleo é também significativo do Espírito Santo, a ponto de se tomar o seu sinônimo (Cf. 1ª Jo. 2, 20. 27; 2ª Cor. 1, 21). Na iniciação cristã, ela é o sinal sacramental da Confirmação, que justamente nas Igrejas Orientais se chama «Crismação». Mas, para lhe apreender toda a força, temos de voltar à primeira unção realizada pelo Espírito Santo: a de Jesus. Cristo («Messias» em hebraico) significa «ungido» pelo Espírito de Deus. Houve «ungidos» do Senhor na antiga Aliança (Cf. Ex. 30, 22-32), sobretudo o rei David (Cf. 1º Sm. 16, 13). Mas Jesus é o ungido de Deus de maneira única: a humanidade que o Filho assume é totalmente «ungida pelo Espírito Santo». Jesus é constituído «Cristo» pelo Espírito Santo (Cf. Lc. 4, 18-19; Is. 61, 1). A Virgem Maria concebe Cristo do Espírito Santo, que pelo anjo O anuncia como Cristo aquando do seu nascimento (Cf. Lc. 2, 11) e leva Simeão a ir ao templo ver o Cristo do Senhor (Cf. Lc. 2, 26-27). É Ele que enche Cristo (Cf. Lc. 4, 1) e cujo poder emana de Cristo nos seus atos de cura e salvamento (Cf. Lc. 6, 19; 8, 46). Finalmente, é Ele que ressuscita Jesus de entre os mortos (Cf. Rm. 1, 4; 8, 11). Então, plenamente constituído «Cristo» na sua humanidade vencedora da morte (Cf. At. 2, 36), Jesus difunde em profusão o Espírito Santo, até que «os santos» constituam, na sua união à humanidade do Filho de Deus, o «homem adulto à medida completa da plenitude de Cristo» (Ef. 4, 13), «o Cristo total», para empregar a expressão de Santo Agostinho (Santo Agostinho, Sermão 341, 1, 1: PL 39, 1493: Ibid. 9, 11: PL 39. 1499).

696. O fogo. Enquanto a água significava o nascimento e a fecundidade da vida dada no Espírito Santo, o fogo simboliza a energia transformadora dos atos do Espírito Santo. O profeta Elias, que «apareceu como um fogo e cuja palavra queimava como um facho ardente» (Sir 48, 1), pela sua oração faz descer o fogo do céu sobre o sacrifício do monte Carmelo (Cf. 1º Rs. 18, 38-39), figura do fogo do Espírito Santo, que transforma aquilo em que toca. João Batista, que «irá à frente do Senhor com o espírito e a força de Elias» (Lc. 1, 17), anuncia Cristo como Aquele que «há de batizar no Espírito Santo e no fogo» (Lc. 3, 16), aquele Espírito do qual Jesus dirá: «Eu vim lançar fogo sobre a terra e só quero que ele se tenha ateado»! (Lc. 12, 49). É sob a forma de línguas, «uma espécie de línguas de fogo», que o Espírito Santo repousa sobre os discípulos na manhã de Pentecostes e os enche de Si (Cf. At. 2, 3-4). A tradição espiritual reterá este simbolismo do fogo como um dos mais expressivos da ação do Espírito Santo (Cf. São João da Cruz, Llama de amor viva: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 13 (Burgos 1931) p. 1-102; 103-213. [ID., Chama vida de amor: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1986) p. 829-957)]). «Não apagueis o Espírito»! (1ª Ts. 5, 19).

697. A nuvem e a luz. Estes dois símbolos são inseparáveis nas manifestações do Espírito Santo. Desde as teofanias do Antigo Testamento, a nuvem, umas vezes escura, outras luminosa, revela o Deus vivo e salvador, velando a transcendência da sua glória: a Moisés no monte Sinai (Cf. Ex. 24, 15-18), na tenda da reunião (Cf. Ex. 33, 9-10) e durante a marcha pelo deserto (Cf. Ex. 40, 36-38; 1ª Cor. 10, 1-2); a Salomão, aquando da dedicação do templo (Cf. 1º Rs. 8, 10-12). Ora estas figuras são realizadas por Cristo no Espírito Santo. É Ele que desce sobre a Virgem Maria e a cobre «com a sua sombra», para que conceba e dê à luz Jesus (Cf. Lc. 1, 35). No monte da transfiguração, é Ele que «sobrevém na nuvem que cobriu da sua sombra» Jesus, Moisés e Elias, Pedro, Tiago e João, nuvem da qual se fez ouvir uma voz que dizia: "Este é o meu Filho, o meu Eleito, escutai-O"»! (Lc. 9, 35). E, enfim, a mesma nuvem que «esconde Jesus aos olhos» dos discípulos no dia da Ascensão (Cf. At. 1, 9) e que O revelará como Filho do Homem na sua glória, no dia da sua vinda (Cf. Lc. 21, 27).

698. O selo é um símbolo próximo do da unção. Com efeito, foi a Cristo que «Deus marcou com o seu selo» (Jo. 6, 27) e é n'Ele que o Pai «nos marca também com o seu selo» (Cf. 2ª Cor. 1, 22; Ef. 1, 13; 4, 30). Porque indica o efeito indelével da unção do Espírito Santo nos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Ordem, a imagem do selo («sphragis») foi utilizada em certas tradições teológicas para exprimir o «caráter» indelével, impresso por estes três sacramentos, que não podem ser repetidos.

699. A mão. É pela imposição das mãos que Jesus cura os doentes (Cf. Mc. 6, 5; 8, 23) e abençoa as crianças (Cf. Mc. 10. 16). O mesmo fará os Apóstolos, em seu nome (Cf. Mc. 16, 18; At. 5, 12; 14, 3). Ainda mais: é pela imposição das mãos dos Apóstolos que o Espírito Santo é dado (Cf. At. 8, 17-19; 13, 3; 19, 6). A Epístola aos Hebreus coloca a imposição das mãos no número dos «artigos fundamentais» do seu ensino (Cf. Heb. 6, 2). Este sinal da efusão omnipotente do Espírito Santo, guarda-o a Igreja nas suas epicleses sacramentais.

700. O dedo. «é pelo dedo de Deus que Jesus expulsa os demónios» (Cf. Lc. 11, 20). Se a Lei de Deus foi escrita em tábuas de pedra «pelo dedo de Deus» (Ex. 31, 18), a «carta de Cristo», entregue ao cuidado dos Apóstolos, «é escrita com o Espírito de Deus vivo: não em placas de pedra, mas em placas que são corações de carne» (2ª Cor. 3, 3). O hino «Veni Creator Spiritus» invoca o Espírito Santo como «digitus paternae dexterae» - «Dedo da mão direita do Pai» (Cf. Domingo de Pentecostes, Hino das I e II Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1974), p. 795 e 812. [Liturgia das Horas. vol. II p. 850 e 861. edição da Gráfica de Coimbra, 1999]).

701. A pomba. No final do dilúvio (cujo simbolismo tem a ver com o Batismo), a pomba solta por Noé regressa com um ramo verde de oliveira no bico, sinal de que a terra é outra vez habitável (Cf. Gn. 8, 8-12). Quando Cristo sobe das águas do seu batismo, o Espírito Santo, sob a forma duma pomba, desce e paira sobre Ele (Cf. Mt. 3, 16 e par). O Espírito desce e repousa no coração purificado dos batizados. Em certas igrejas, a sagrada Reserva eucarística é conservada num relicário metálico em forma de pomba (o columbarium) suspenso sobre o altar. O símbolo da pomba para significar o Espírito Santo é tradicional na iconografia cristã.

III. O Espírito e a Palavra de Deus, no tempo das promessas

702. Desde o princípio até à «plenitude do tempo» (Cf. Gl. 4, 4), a missão conjunta do Verbo e do Espírito do Pai permanece oculta, mas está atuante. O Espírito de Deus prepara o tempo do Messias: e um e outro, ainda não plenamente revelados, já são prometidos com o fim de serem esperados e acolhidos quando da sua manifestação. É por isso que, quando a Igreja lê o Antigo Testamento (Cf. 2ª Cor. 3, 14) perscruta nele (Cf. Jo. 5, 39. 46) o que o Espírito, «que falou pelos profetas» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150), nos quer dizer acerca de Cristo.

Por «profetas», a fé da Igreja entende aqui todos aqueles que o Espírito Santo inspirou no anúncio vivo e na redacção dos Livros santos, tanto do Antigo como do Novo Testamento. A tradição judaica distingue a Lei (os cinco primeiros livros ou Pentateuco), os Profetas (os livros ditos históricos e proféticos) e os Escritos (sobretudo sapienciais, em particular os Salmos) (Cf. Lc. 24, 44).

NA CRIAÇÃO

703. A Palavra de Deus e o seu Espírito estão na origem do ser e da vida de todas as criaturas (Cf. Sl. 33, 6; 104. 30; Gn. 1, 2; 2, 7; Ecl. 3, 20-21; Ez. 37, 10).

- é próprio do Espírito Santo reinar, santificar e animar a criação, porque Ele é Deus consubstancial ao Pai e ao Filho [...]. Pertence-Lhe o poder sobre a vida, porque, sendo Deus, guarda a criação no Pai pelo Filho (Liturgia bizantina, Ofício das Horas. Matinas dos Domingos do segundo modo, Antífonas 1 e 2: Paraklêtikês (Romae 1885), p. 107).

704. «Quanto ao homem, foi com as suas próprias mãos (quer dizer, com o Filho e o Espírito Santo) que Deus o moldou [...] e sobre a carne moldada desenhou a sua própria forma, de modo que, mesmo o que havia de ser visível, tivesse a forma divina» (Santo Ireneu de Lião, Demonstratio praedicationis apostolicae. 11: SC 62, 48-49).

O ESPÍRITO DA PROMESSA

705. Desfigurado pelo pecado e pela morte, o homem permanece «à imagem de Deus», à imagem do Filho, mas está «privado da glória de Deus» (Cf. Rm. 3, 23), privado da «semelhança». A promessa feita a Abraão inaugura a «economia da salvação», no termo da qual o próprio Filho assumirá «a imagem» (Cf. Jo. 1, 14; Fl. 2, 7) e restaurá-la-á na «semelhança» com o Pai, voltando a dar-lhe a glória, o Espírito «que dá a vida».

706. Contra toda a esperança humana, Deus promete a Abraão uma descendência, como fruto da fé e do poder do Espírito Santo (Cf. Gn. 18, 1-15; Lc. 1, 26-38.54-55; Jo. 1, 12-13; Rm. 4, 16-21). Nessa descendência serão abençoadas todas as nações da terra (Cf. Gn. 12, 3). Essa descendência será o Cristo (Cf. Gl. 3, 16) no qual a efusão do Espírito Santo fará «a unidade dos filhos de Deus dispersos» (Cf. Jo. 11, 52). Comprometendo-se por juramento (Cf. Lc. 1, 73), Deus obriga-se, desde logo, ao dom do seu Filho muito-amado (Cf. Gn. 22, 17-18; Rm. 8, 32; Jo. 3, 16) e ao dom do «Espírito Santo prometido, que constitui o título de garantia da nossa herança para a redenção do povo que Deus adquiriu para Si mesmo» (Cf. Ef. 1, 13-14; Gl. 3, 14).

NAS TEOFANIAS E NA LEI

707. As teofanias (manifestações de Deus) iluminam o caminho da promessa, dos patriarcas a Moisés e de Josué até às visões que inauguram a missão dos grandes profetas. A Tradição cristã sempre reconheceu que, nestas teofanias, o Verbo de Deus Se deixava ver e ouvir, ao mesmo tempo revelado e «velado», na nuvem do Espírito Santo.

708. Esta pedagogia de Deus manifesta-se especialmente no dom da Lei (Cf. Ex, 19-20; Dt, 1-11; 29-31). A Lei foi dada como um «pedagogo» para conduzir o povo a Cristo (Cf. Gl. 3, 24). Mas a sua impotência para salvar o homem, privado da «semelhança» divina e o conhecimento acrescido que ela dá do pecado (Cf. Rm. 3, 20) suscitam o desejo do Espírito Santo. Os gemidos dos Salmos são disso testemunho.

NO REINO E NO EXÍLIO

709. A Lei, sinal da promessa e da Aliança, deveria reger o coração e as instituições do povo nascido da fé de Abraão. «Se ouvirdes realmente a minha voz, se guardardes a minha Aliança [...], sereis para Mim um reino de sacerdotes, uma nação consagrada» (Ex 19, 5-6) (Cf. 1ª Pe. 2, 9). Mas depois de David, Israel sucumbe à tentação de se tornar um reino como as outras nações. Ora o Reino, objeto da promessa feita a David (Cf. 2ª Sm. 7: Sl. 89; Lc. 1, 32-33), será obra do Espírito Santo: pertencerá aos que são pobres segundo o Espírito.

710. O esquecimento da Lei e a infidelidade à Aliança levam à morte: é o Exílio, aparentemente o fracasso das promessas, mas, na realidade, fidelidade misteriosa do Deus salvador e o princípio duma restauração prometida, mas segundo o Espírito. Era preciso que o povo de Deus sofresse esta purificação (Cf. Lc. 24, 26). O exílio traz já a sombra da cruz no desígnio de Deus; e o «resto» dos pobres que regressa do Exílio é uma das figuras mais transparentes da Igreja.

A EXPECTATIVA DO MESSIAS E DO SEU ESPÍRITO

711. «Eis que vou fazer algo de novo» (Is. 43, 19): duas linhas proféticas vão ser traçadas, incidindo uma sobre a expectativa do Messias e outra sobre o anúncio dum Espírito novo, convergindo ambas no pequeno «resto», o povo dos pobres (Cf. Sf. 2, 3), que aguarda na esperança a «consolação de Israel» e «a libertação de Jerusalém» (Lc. 2, 25.38).

Vimos mais atrás como Jesus cumpriu as profecias que Lhe diziam respeito. Limitamo-nos agora àquelas em que aparece mais clara a relação entre o Messias e o seu Espírito.

712. Os traços do rosto do Messias esperado começam a aparecer no Livro do Emanuel (Cf. Is. 6-12) (quando Isaías [...] teve a visão da glória de Cristo: Jo. 12, 41), particularmente em Is. 11, 1-2:

«Naquele dia,
sairá um ramo do tronco de Jessé
e um rebento brotará das suas raízes.
Sobre ele repousará o Espírito do Senhor:
espírito de sabedoria e de entendimento,
espírito de conselho e de fortaleza,
espírito de conhecimento e de temor do Senhor»
.

713. Os traços do Messias são revelados sobretudo nos cânticos do Servo (Cf. Is. 42, 1-9; Mt. 12, 18-21: Jo. 1, 32-34; e também Is. 49, 1-6; Mr. 3, 17: Lc. 2, 32: e, por fim, Is. 50, 4-10 e 52, 13 - 53, 12). Estes cânticos anunciam o sentido da paixão de Jesus, indicando assim a maneira como Ele derramará o Espírito Santo para dar vida à multidão: não a partir do exterior, mas assumindo a nossa «condição de servo» (Fl. 2, 7). Tomando sobre Si a nossa morte, Ele pode comunicar-nos o seu próprio Espírito de vida.

714. É por isso que Cristo inaugura o anúncio da Boa-Nova, apropriando-se desse passo de Isaías (Lc, 4, 18-19) (Cf. Is. 61, 1-2):

- «o Espírito do Senhor Deus está sobre Mim,
porque o Senhor Me ungiu.
Enviou-Me a anunciar a Boa-Nova aos que sofrem,
para curar os desesperados,
para anunciar a libertação aos exilados
e a liberdade aos prisioneiros,
para proclamar o ano da graça do Senhor»
.

715. Os textos proféticos, respeitantes diretamente ao envio do Espírito Santo, são oráculos em que Deus fala ao coração do seu povo na linguagem da promessa, com os acentos do «amor e da fidelidade» (Cf. Ez. 11, 19; 36, 25-28; 37, 1-14: Jr. 31, 31-34; Jl. 3, 1-5), cujo cumprimento São Pedro proclamará na manhã do Pentecostes (Cf. At. 2, 17-21). Segundo estas promessas, nos «últimos tempos» o Espírito do Senhor há de renovar o coração dos homens, gravando neles uma lei nova; reunirá e reconciliará os povos dispersos e divididos; transformará a primeira criação e Deus habitará nela com os homens, na paz.

716. O povo dos «pobres» (Cf. Sf. 2, 3; Sl. 22, 27; 34, 3; Is. 49, 13; 61. 1; etc.) , dos humildes e dos mansos, totalmente entregues aos desígnios misteriosos do seu Deus, o povo dos que esperam a justiça, não dos homens mas do Messias, tal é, afinal, a grande obra da missão oculta do Espírito Santo, durante o tempo das promessas, para preparar a vinda de Cristo. É a qualidade do seu coração, purificado e iluminado pelo Espírito, que se exprime nos salmos. Nestes pobres, o Espírito prepara para o Senhor «um povo bem disposto» (Cf. Lc. 1. 17).

IV. O Espírito de Cristo na plenitude do tempo

JOÃO, PRECURSOR, PROFETA E BATISTA

717. «Apareceu um homem, enviado por Deus, que tinha o nome de João» (Jo. 1, 6). João é «cheio do Espírito Santo já desde o seio materno» (Lc. 1, 15) (Cf. Lc. 1, 41), pelo próprio Cristo que a Virgem acabava de conceber por obra e graça do Espírito Santo. A «visitação» de Maria a Isabel tornou-se, assim, «visita de Deus ao seu povo» (Cf. Lc. 1, 68).

718. João é «Elias que devia vir» (Cf. Mt. 17, 10-13). O fogo do Espírito habita nele e fá-lo «correr à frente» (como «precursor») do Senhor que chega. Em João o Precursor, o Espírito Santo acaba de «preparar para o Senhor um povo bem disposto» (Lc. 1, 17).

719. João é «mais do que um profeta» (Cf. Lc. 7, 26). Nele, o Espírito Santo consuma o «falar pelos profetas». João termina o ciclo dos profetas inaugurado por Elias (Cf. Mt. 11, 13-14). Anuncia como iminente a consolação de Israel; é ele a «voz» do Consolador que vai chegar (Cf. Jo. 1, 23; Is 40. 1-3). Tal como fará o Espírito da verdade, «ele vem como testemunha, para dar testemunho da Luz» (Jo. 1, 7) (Cf. Jo. 15, 26; 5, 33). A respeito de João, o Espírito cumpre assim as «indagações dos profetas» e o «desejo» dos anjos (Cf. 1ª Pe. 1, 10-12): «Aquele sobre Quem vires o Espírito Santo descer e permanecer, é Ele que batiza no Espírito Santo. Ora, eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus [...] Eis o Cordeiro de Deus»! (Jo. 1, 33-36).

720. Finalmente, com João Batista, o Espírito Santo inaugura, em prefiguração, aquilo que vai realizar com e em Cristo: restituir ao homem «a semelhança» divina. O batismo de João era para o arrependimento: o Batismo na água e no Espírito será um novo nascimento (Cf. Jo. 3, 5).

«ALEGRA-TE, Ó CHEIA DE GRAÇA»

721. Maria, a santíssima Mãe de Deus, sempre virgem, é a obra-prima da missão do Filho e do Espírito na plenitude do tempo. Pela primeira vez no desígnio da salvação e porque o seu Espírito a preparou, o Pai encontra a morada na qual o seu Filho e o seu Espírito podem habitar entre os homens. É neste sentido que a Tradição da Igreja muitas vezes lê, em relação a Maria, os mais belos textos sobre a Sabedoria (Cf. Pr. 8, 1 - 9, 6; Ecl. 24): Maria é cantada e apresentada na Liturgia como «o Trono da Sabedoria». Nela começam a manifestar-se as «maravilhas de Deus», que o Espírito vai realizar em Cristo e na Igreja:

722. O Espírito Santo preparou Maria pela sua graça. Convinha que fosse «cheia de graça» a Mãe d'Aquele em Quem «habita corporalmente a plenitude da divindade» (Cl. 2, 9). Ela foi, por pura graça, concebida sem pecado, como a mais humilde das criaturas, a mais capaz de acolher o dom inefável do Omnipotente. É a justo título que o anjo Gabriel a saúda como «Filha de Sião»: «Ave» (= «Alegra-te») (Cf. Sf. 3, 14; Zc. 2, 14). É a ação de graças de todo o povo de Deus, e, portanto, da Igreja, que ela faz subir até ao Pai, no Espírito Santo, com o seu cântico (Cf. Lc. 1, 46-55), quando já portadora, em si, do Filho eterno.

723. Em Maria, o Espírito Santo realiza o desígnio benevolente do Pai. É pelo Espírito Santo que a Virgem concebe e dá à luz o Filho de Deus. A sua virgindade torna-se fecundidade única, pelo poder do Espírito e da fé (Cf. Lc. 1, 26-38; Rm. 4, 18-21; Gl. 4, 26-28).

724. Em Maria, o Espírito Santo manifesta o Filho do Pai feito Filho da Virgem. Ela é a sarça ardente da teofania definitiva: cheia do Espírito Santo, mostra o Verbo na humildade da sua carne; e é aos pobres (Cf. Lc. 2, 15-194) e às primícias das nações (Cf. Mt. 2, 11) que Ela O dá a conhecer.

725. Finalmente, por Maria, o Espírito começa a pôr em comunhão com Cristo os homens que são «objeto do amor benevolente de Deus» (Cf. Lc. 2, 14); e os humildes são sempre os primeiros a recebê-lo: os pastores, os magos, Simeão e Ana, os esposos de Caná e os primeiros discípulos.

726. No termo desta missão do Espírito, Maria torna-se a «Mulher», a nova Eva «mãe dos vivos», Mãe do «Cristo total» (Cf. Jo. 19, 25-27). É como tal que Ela está presente com os Doze, «num só coração, assíduos na oração» (At. 1, 14), no alvorecer dos «últimos tempos», que o Espírito vai inaugurar na manhã do Pentecostes, com a manifestação da Igreja.

JESUS CRISTO

727. Toda a missão do Filho e do Espírito Santo, na plenitude do tempo, está contida no fato de o Filho ser o ungido do Espírito do Pai, desde a sua Encarnação: Jesus é o Cristo, o Messias.

Todo o segundo capítulo do Símbolo da Fé deve ser lido a esta luz. Toda a obra de Cristo é missão conjunta do Filho e do Espírito Santo. Aqui mencionaremos somente o que se refere à promessa do Espírito Santo feita por Jesus, e à sua doação pelo Senhor glorificado.

728. Jesus não revela plenamente o Espírito Santo enquanto Ele próprio não for glorificado pela sua morte e ressurreição. No entanto, sugere-o pouco a pouco, mesmo no seu ensino às multidões, quando revela que a sua carne será alimento para a vida do mundo (Cf. Jo. 6, 27.51.62-63). Insinua-o também a Nicodemos (Cf. Jo. 3, 5-8), à samaritana (Cf. Jo. 4, 10.14.23-24) e aos que tomam parte na festa dos Tabernáculos (Cf. Jo. 7, 37-39). Aos seus discípulos, fala d'Ele abertamente a propósito da oração (Cf. Lc. 11, 13) e do testemunho que devem dar (Cf. Mt. 10, 19-20).

729. Só quando chega a Hora em que vai ser glorificado, é que Jesus promete a vinda do Espírito Santo, pois a sua morte e ressurreição serão o cumprimento da promessa feita aos antepassados (Cf. Jo. 14, 16-17. 26; 15. 26; 16, 7-15; 17, 26). O Espírito da verdade, o outro Paráclito, será dado pelo Pai a pedido de Jesus; será enviado pelo Pai em nome de Jesus; Jesus O enviará de junto do Pai, porque do Pai procede. O Espírito Santo virá, nós O conheceremos, Ele ficará conosco para sempre, habitará conosco; há de ensinar-nos tudo, há de lembrar-nos tudo o que Cristo nos disse e dará testemunho d'Ele; conduzir-nos-á à verdade total e glorificará a Cristo. Quanto ao mundo, confundi-lo-á em matéria de pecado, de justiça e de julgamento.

 730. Chega, por fim, a «Hora de Jesus» (Cf. Jo. 13, 1; 17, 1): Jesus entrega o seu espírito nas mãos do Pai (Cf. Lc. 23. 46; Jo 19, 30), no momento em que pela sua morte vence a morte, de tal modo que, «ressuscitado dos mortos pela glória do Pai» (Rm. 6, 4), logo o Espírito Santo «soprando» sobre os discípulos (Cf. Jo. 20, 22). A partir dessa «Hora», a missão de Cristo e do Espírito torna-se a missão da Igreja: «assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós» (Jo 20, 21) (Cf. Mt. 28, 19; Lc. 24, 47-48; At. 1, 8).

V. O Espírito e a Igreja nos últimos tempos

O PENTECOSTES

731. No dia de Pentecostes (no termo das sete semanas pascais), a Páscoa de Cristo completou-se com a efusão do Espírito Santo que Se manifestou, Se deu e Se comunicou como Pessoa divina: da sua plenitude, Cristo Senhor derrama em profusão o Espírito
(Cf. At. 2, 33-36).

732. Neste dia, revelou-se plenamente a Santíssima Trindade. A partir deste dia, o Reino anunciado por Cristo abre-se aos que n'Ele creem. Na humildade da carne e na fé, eles participam já na comunhão da Santíssima Trindade. Pela sua vinda, que não cessará jamais, o Espírito Santo faz entrar no mundo nos «últimos tempos», no tempo da Igreja, no Reino já herdado, mas ainda não consumado:

- «nós vimos a verdadeira Luz, recebemos o Espírito celeste, encontrámos a verdadeira fé: adoramos a Trindade indivisível, porque foi Ela que nos salvou» (Liturgia bizantina, Oficio das Horas, Vésperas de Pentecostes, Sticherum 4: Pentekostárion (Romae 1884) p. 390).

O ESPÍRITO SANTO - DOM DE DEUS

733. «Deus é Amor» (1ª Jo. 4, 8.16) e o Amor é o primeiro dom, que contém todos os outros. Este amor «derramou-o Deus nos nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm. 5, 5).

734. Uma vez que estamos mortos, ou pelo menos feridos pelo pecado, o primeiro efeito do dom do Amor é a remissão dos nossos pecados. E é a comunhão do Espírito Santo (2ª Cor. 13, 13) que, na Igreja, restitui aos batizados a semelhança divina perdida pelo pecado.

735. Ele dá-nos então as «arras» ou as «primícias» da nossa herança (Cf. Rm. 8, 23; 2ª Cor. 1, 22): a própria vida da Santíssima Trindade, que consiste em amar «como Ele nos amou» (Cf. 1ª Jo. 4, 11-12). Este amor (a caridade de que se fala em 1ª Cor. 13) é o princípio da vida nova em Cristo, tornada possível graças ao fato de termos «recebido uma força vinda do alto, a do Espírito Santo» (At. 1, 8).

736. É graças a esta força do Espírito que os filhos de Deus podem dar fruto. Aquele que nos enxertou na verdadeira Vide far-nos-á dar «os frutos do Espírito: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gl. 5, 22-23). «O Espírito é a nossa vida»: quanto mais renunciarmos a nós próprios (Cf. Mt. 16, 24-26), mais «caminharemos segundo o Espírito» (Cf. Gl. 5, 25):

- «pela comunhão com Ele, o Espírito Santo torna-nos espirituais, recoloca-nos no paraíso, reconduz-nos ao Reino dos céus e à adoção filial, dá-nos a confiança de chamar Pai a Deus e de participar na graça de Cristo, de ser chamados filhos da luz e de tomar parte na glória eterna» (São Basílio Magno, Liber de Spiritu Sancto 15, 36: SC 17bis. 370 (PG 32, 132)).

O ESPÍRITO SANTO E A IGREJA

737. A missão de Cristo e do Espírito Santo completa-se na Igreja, corpo de Cristo e templo do Espírito Santo. Esta missão conjunta associa, doravante, os fiéis de Cristo à sua comunhão com o Pai no Espírito Santo: o Espírito prepara os homens e adiantasse-lhes com a sua graça para os atrair a Cristo. Manifesta-lhes o Senhor ressuscitado, lembra-lhes a sua Palavra e abre-lhes o espírito à inteligência da sua morte e da sua ressurreição. Torna-lhes presente o mistério de Cristo, principalmente na Eucaristia, com o fim de os reconciliar, de os pôr em comunhão com Deus, para os fazer dar «muito fruto» (Cf. Jo. 15, 5. 8. 16).

738. Assim, a missão da Igreja não se acrescenta à de Cristo e do Espírito Santo, mas é o sacramento dela: por todo o seu ser e em todos os seus membros, é enviada para anunciar e testemunhar, atualizar e derramar o mistério da comunhão da Santíssima Trindade (será este o objeto do próximo artigo):

- «nós todos, que recebemos o único e mesmo Espírito, quer dizer, o Espírito Santo, fundimo-nos entre nós e com Deus. Porque, embora sejamos numerosos separadamente, e Cristo faça com que o Espírito do Pai e seu habite em cada um de nós, este Espírito único e indivisível reconduz pessoalmente à unidade os que são distintos entre si [...] e faz com que todos apareçam n'Ele como sendo um só. E assim como o poder da santa humanidade de Cristo faz com que todos aqueles em quem ela se encontra formem um só corpo, penso que, do mesmo modo, o Espírito de Deus, que habita em todos, único e indivisível, os leva todos à unidade espiritual» (São Cirilo de Alexandria, Commentarius in Iohannem 11, 11: Pg. 74. 561).

739. Uma vez que o Espírito Santo é a unção de Cristo, é Cristo, a Cabeça do corpo, quem O derrama nos seus membros para os alimentar, os curar, os organizar nas suas mútuas funções, os vivificar, os enviar a dar testemunho, os associar à sua oferta ao Pai e à sua intercessão pelo mundo inteiro. É pelos sacramentos da Igreja que Cristo comunica aos membros do seu corpo o seu Espírito Santo e santificador (será este o objeto da segunda parte do Catecismo).

740. Estas «maravilhas de Deus», oferecidas aos crentes nos sacramentos da Igreja, dão os seus frutos na vida nova em Cristo, segundo o Espírito (será este o objeto da terceira parte do Catecismo).

741. «Também o Espírito Santo vem em auxílio da nossa fraqueza, porque não sabemos o que pedir nas nossas orações; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rm, 8, 26). O Espírito Santo, artífice das obras de Deus, é o Mestre da oração (será este o objeto da quarta parte do Catecismo).

Resumindo

742. «E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: "Abbá!" Pai»! (Gl. 4, 6).

743. Desde o princípio até à consumação do tempo, quando Deus envia o seu Filho, envia sempre o seu Espírito: a missão dos dois é conjunta e inseparável.

744. Na plenitude dos tempos, o Espírito Santo realiza em Maria todas as preparações para a vinda de Cristo ao povo de Deus. Pela ação do Espírito Santo n 'Ela, o Pai dá ao mundo o Emanuel, «Deus conosco» (Mt 1, 23).

745. O Filho de Deus é consagrado Cristo (Messias) pela unção do Espírito Santo, na sua Encarnação (Cf. Sl. 2, 6-7).

746. Pela sua morte e ressurreição, Jesus foi constituído Senhor e Cristo na glória (Cf. At. 2, 36). Da sua plenitude, Ele derrama o Espírito Santo sobre os Apóstolos e sobre a Igreja.

747. O Espírito Santo, que Cristo-cabeça derrama sobre os seus membros, constrói, anima e santifica a Igreja. Ela é o sacramento da comunhão da Santíssima Trindade com os homens.

ARTIGO 9

«CREIO NA SANTA IGREJA CATÓLICA»

748. «A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar todos os homens com a sua luz que resplandece no rosto da Igreja, anunciando o Evangelho a toda a criatura» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium 1: AAS 57 (1965) 5). É com estas palavras que começa a «Constituição Dogmática sobre a Igreja» do II Concilio do Vaticano. Desse modo, o Concílio mostra que o artigo de fé sobre a Igreja depende inteiramente dos artigos relativos a Jesus Cristo. A Igreja não tem outra luz senão a de Cristo. Ela é, segundo uma imagem cara aos Padres da Igreja, comparável à lua, cuja luz é toda reflexo da do sol.

749. O artigo sobre a Igreja depende também inteiramente do artigo sobre o Espírito Santo, que o precede. «Com efeito, depois de ter mostrado que o Espírito Santo é a fonte e o dador de toda a santidade, nós confessamos agora que foi Ele quem dotou de santidade a Igreja» (Cat Rom I, 10, 1, p. 104). A Igreja é, segundo a expressão dos Padres, o lugar «onde floresce o Espírito» (Santo Hipólito Romano, Tradição Apostólica, 35: ed. B. Botte (Münster i.W. 1989) p. 82).

750. Crer que a Igreja é «santa» e «católica», e que é «una» e «apostólica» (como acrescenta o Símbolo Niceno-Constantinopolitano), é inseparável da fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. No Símbolo dos Apóstolos fazemos profissão de crer a Igreja santa («Credo... Ecclesiam»), e não na Igreja, para não confundir Deus com as suas obras e para atribuir claramente à bondade de Deus todos os dons que Ele próprio pôs na sua Igreja (Cat Rm. I 10, 22, p. 118).

PARÁGRAFO 1

A IGREJA NO DESÍGNIO DE DEUS

I. Os nomes e as imagens da Igreja

751. A palavra «Igreja» («ekklesía», do verbo grego «ek-kalein» = «chamar fora») significa «convocação». Designa as assembleias do povo em geral (Cf. At. 19, 39) de carácter religioso. É o termo frequentemente utilizado no Antigo Testamento grego para a assembleia do povo eleito diante de Deus, sobretudo para a assembleia do Sinai, onde Israel recebeu a Lei e foi constituído por Deus como seu povo santo (Cf. Ex. 19). Ao chamar-se «Igreja», a primeira comunidade dos que acreditaram em Cristo reconhece-se herdeira dessa assembleia. Nela, Deus «convoca» o seu povo de todos os confins da terra. O termo «Kyriakê», de onde derivaram «church», «Kirche», significa «aquela que pertence ao Senhor».

752. Na linguagem cristã, a palavra «Igreja» designa a assembleia litúrgica (Cf. 1ª Cor. 11, 18; 14, 19.28.34-35), mas também a comunidade local (Cf. 1ª Cor 1, 2; 16, 1) ou toda a comunidade universal dos crentes (Cf. 1ª Cor. 15, 9; Gl 1, 13; Fl 3, 6). Estes três significados são, de fato, inseparáveis. «A Igreja» é o povo que Deus reúne no mundo inteiro. Ela existe nas comunidades locais e realiza-se como assembleia litúrgica, sobretudo eucarística. Vive da Palavra e do Corpo de Cristo, e é assim que ela própria se torna Corpo de Cristo.

OS SÍMBOLOS DA IGREJA

753. Na Sagrada Escritura, encontramos grande quantidade de imagens e figuras ligadas entre si, mediante as quais a Revelação fala do mistério inesgotável da Igreja. As imagens tomadas do Antigo Testamento constituem variantes duma ideia de fundo, que é a de «povo de Deus». No Novo Testamento (Cf. Ef. 1, 22; Cl. 1, 18), todas estas imagens encontram um novo centro, pelo fato de Cristo Se tomar «a Cabeça» deste povo (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9: AAS 57 (1965) 13) que é, desde então, o seu corpo. A volta deste centro, agrupam-se imagens «tiradas quer da vida pastoril ou agrícola, quer da construção ou também da família e matrimónio» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 6: AAS 57 (1965) 8).

754. «Assim a Igreja é o redil, cuja única e necessária porta é Cristo (Cf. Jo. 10, 1-10). E também o rebanho, do qual o próprio Deus predisse que seria o pastor (Cf. Is. 40, 11; Ez. 34, 11-31) e cujas ovelhas, ainda que governadas por pastores humanos, são, contudo, guiadas e alimentadas sem cessar pelo próprio Cristo, bom Pastor e Príncipe dos pastores (Cf. Jo. 10, 11: Ez. 34, 11-31), o qual deu a vida pelas suas ovelhas» (Cf. Jo. 10, 11-15)» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 6: AAS 57 (1965) 8).

755 «A Igreja é a agricultura ou o campo de Deus (Cf. 1ª Cor. 3, 9). Nesse campo cresce a oliveira antiga, de que os patriarcas foram a raiz santa e na qual se realizou e realizará a reconciliação de judeus e gentios (Cf. Rm. 11, 13-26). Ela foi plantada pelo celeste Agricultor como uma vinha eleita (Cf. Mt. 21, 33-43 e par.: Is. 5, 1-7). A verdadeira Videira é Cristo: é Ele que dá vida e fecundidade aos sarmentos, isto é, a nós que, pela Igreja, permanecemos n'Ele, e sem o Qual nada podemos fazer» (Cf. Jo 15, 1-5)» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 6: AAS 57 (1965) 8).

756. «A Igreja é também muitas vezes chamada construção de Deus (Cf. 1ª Cor. 3, 9). O próprio Senhor se comparou à pedra que os construtores rejeitaram e que se tornou pedra angular (Mt. 21, 42 par.: At. 4, 11; 1ª Pe. 2, 7; Sl. 118, 22). Sobre esse fundamento é a Igreja construída pelos Apóstolos (Cf. 1ª Cor 3, 11), e dele recebe firmeza e coesão. Esta construção recebe vários nomes: casa de Deus (Cf. 1ª Tm 3, 15), na qual habita a sua família; habitação de Deus no Espírito (Cf. Ef. 2, 19-22); tabernáculo de Deus com os homens (Cf. Ap. 21, 3); e, sobretudo, templo santo, o qual, representado pelos santuários de pedra e louvado pelos santos Padres, é com razão comparado, na Liturgia, à cidade santa, a nova Jerusalém. Nela, com efeito, somos edificados cá na terra como pedras vivas (Cf. 1ª Pe 2, 5). Esta cidade, S. João contemplou-a "descendo do céu, da presença de Deus, na renovação do mundo, como esposa adornada para ir ao encontro do esposo"» (Ap. 21, 1-2)» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 6: AAS 57 (1965) 8-9).

757. «A Igreja é também chamada "Jerusalém do Alto" e "nossa mãe" (Gl. 4, 26)
(Cf. Ap. 12, 17); é também descrita como a Esposa imaculada do Cordeiro sem mancha (Cf. Ap. 19, 7; 21, 2. 9; 22, 17), a qual Cristo "amou, pela qual Se entregou para a santificar" (Ef. 5, 25-26), que uniu a Si por um vínculo indissolúvel, e à qual, sem cessar, "alimenta e presta cuidados"» (Ef. 5, 29) (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 6: AAS 57 (1965) 9).

II. Origem, fundação e missão da Igreja

758. Para perscrutar o mistério da Igreja, é conveniente meditar primeiro sobre a sua origem no desígnio da Santíssima Trindade e sobre a sua progressiva realização na história.

UM DESÍGNIO NASCIDO NO CORAÇÃO DO PAI

759. «O eterno Pai, que pelo libérrimo e insondável desígnio da sua sabedoria e bondade, criou o universo, decidiu elevar os homens participação da vida divina», para a qual a todos convida em seu Filho: «e, aos que creem em Cristo, decidiu convocá-los na Santa Igreja». Esta «família de Deus» constituiu-se e realizou-se gradualmente ao longo das etapas da história humana, segundo as disposições do Pai: de fato, a Igreja «prefigurada já desde o princípio do mundo e admiravelmente preparada na história do povo de Israel e na antiga Aliança, foi constituída no fim dos tempos, e manifestada pela efusão do Espírito Santo, e será gloriosamente consumada no fim dos séculos» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 5-6).

A IGREJA - PREFIGURADA DESDE A ORIGEM DO MUNDO

760. «O mundo foi criado em ordem à Igreja», diziam os cristãos dos primeiros tempos (Hermas, Pastor 8, 1 (Visio 2, 4, 1): SC 53, 96; cf. Aristides, Apologia 16, 7: BP 11, 125; São Justino, Apologia 2, 7: CA  216-218 (Pg. 6, 456)). Deus criou o mundo em ordem à comunhão na sua vida divina, comunhão que se realiza pela "convocação" dos homens em Cristo, e está "convocação" é a Igreja. A Igreja é o fim de todas as coisas (Santo Epifânio, Panarion, 1, 1, 5, Haereses 2, 4: GCS 25, 174 (PG 41, 181)). Até as próprias vicissitudes dolorosas, como a queda dos anjos e o pecado do homem, não foram permitidas por Deus senão como ocasião e meio de pôr em ação toda a força do seu braço, toda a medida do amor que queria dar ao mundo:

- «assim como a vontade de Deus é um ato e se chama mundo, do mesmo modo a sua intenção é a salvação dos homens e chama-se Igreja» (Clemente de Alexandria, Paedagogus 1, 6, 27, 2: GCS 12, 106 (PG 8, 281)).

A IGREJA - PREPARADA NA ANTIGA ALIANÇA

761. A reunião do povo de Deus começa no instante em que o pecado destrói a comunhão dos homens com Deus e entre si. A reunião da Igreja é, por assim dizer, a reação de Deus ao caos provocado pelo pecado. Esta reunificação realiza-se secretamente no seio de todos os povos: «em qualquer nação, quem O teme e pratica a justiça, é aceite por Ele» (At. 10, 35) (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9: AAS 57 (1965) 12; Ibid., 13: AAS 57 (1965) 17-18; Ibid., 16: AAS 57 (1965) 20).

762. A preparação remota da reunião do povo de Deus começa com a vocação de Abraão, a quem Deus promete que há de vir a ser o pai de um grande povo (Cf. Gn. 12, 2; 15, 5-6). A preparação imediata começa com a eleição de Israel como povo de Deus (Cf. Ex. 19, 5-6; Dt. 7, 6). Pela sua eleição, Israel deve ser o sinal da reunião futura de todas as nações (Cf. Is. 2. 2-5: Mq. 4, 1-4). Mas já os profetas acusam Israel de ter quebrado a aliança, comportando-se como uma prostituta (Cf. Os. l; Is. 1. 2-4; Jr. 2: etc.). Eles anunciam uma Aliança nova e eterna (Cf. Jr. 31, 31-34; Is. 55. 3). «Esta Aliança nova, instituiu-a Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9: AAS 57 (1965) 13).

A IGREJA - INSTITUÍDA POR JESUS CRISTO

763. Pertence ao Filho realizar, na plenitude dos tempos, o plano de salvação do seu Pai; tal é o motivo da sua «missão» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6; ID., Decr. Ad gentes, 3: AAS 58 (1966) 949). «O Senhor Jesus deu início à sua Igreja, pregando a boa-nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 7). Para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou na terra o Reino dos céus. A Igreja «é o Reino de Cristo já presente em mistério» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6).

764. «Este Reino manifesta-se aos homens na palavra, nas obras e na presença de Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 7), Acolher a palavra de Jesus é «acolher o próprio Reino» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 7). O germe e começo do Reino é o «pequeno rebanho» (Lc. 12, 32) daqueles que Jesus veio congregar ao seu redor e dos quais Ele próprio é o Pastor (Cf. Mt. 10, 16; 26, 31; Jo. 10, 1-21). Eles constituem a verdadeira família de Jesus (Cf. Mt. 12, 49). Aqueles que assim juntou em redor de si, ensinou uma nova «maneira de agir», mas também uma oração própria (Cf. Mt. 5-6).

765. O Senhor Jesus dotou a sua comunidade duma estrutura que perma­necerá até ao pleno acabamento do Reino. Temos, antes de mais, a escolha dos Doze, com Pedro como chefe (Cf. Mc. 3, 14-15). Representando as doze tribos de Israel (Cf. Mt. 19, 28: Lc. 22, 30), são as pedras do alicerce da nova Jerusalém (Cf. Ap. 21, 12-14). Os Doze (Cf. Mc. 6. 7) e os outros discípulos (Cf. Lc. 10, 1-2) participam da missão de Cristo, do seu poder, mas também da sua sorte (Cf. Mt. 10, 25; Jo. 15, 20). Com todos estes atos, Cristo prepara e constrói a sua Igreja.

766. Mas a Igreja nasceu principalmente do dom total de Cristo pela nossa salvação, antecipado na instituição da Eucaristia e realizado na cruz. «Tal começo e crescimento da Igreja exprimem-nos o sangue e a água que manaram do lado aberto de Jesus crucificado» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6). Porque «foi do lado de Cristo adormecido na cruz que nasceu o sacramento admirável de toda a Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 5: AAS 56 (1964) 99). Assim como Eva foi formada do costado de Adão adormecido, assim a Igreja nasceu do coração trespassado de Cristo, morto na cruz (Cf.  Santo Ambrósio, Expositio evangelii secundum Lucam, 2, 85-89: CCL 14, 69-72 (PL 15, 1666-1668)).

A IGREJA - MANIFESTADA PELO ESPÍRITO SANTO

767. «Consumada a obra que o Pai confiou ao Filho para cumprir na terra, no dia de Pentecostes foi enviado o Espírito Santo para que santificasse continuamente a Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 4: AAS 57 (1965) 6). Foi então que «a Igreja foi publicamente manifestada diante duma grande multidão» e «teve o seu início a difusão do Evangelho entre os gentios, por meio da pregação» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 4: AAS 58 (1966) 950). Porque é «convocação» de todos os homens à salvação, a Igreja é, por sua própria natureza, missionária, enviada por Cristo a todas as nações, para de todas fazer discípulos (Cf. Mt 28, 19-20: II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 2: AAS 58 (1966) 948; Ibid., 5-6: AAS 58 (1966) 951-955).

768. Para que a Igreja possa realizar a sua missão, o Espírito Santo «enriquece-a e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 4: AAS 57 (1965) 7). Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos, e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 8).

A IGREJA - CONSUMADA NA GLÓRIA

769. «A Igreja [...] só na glória celeste alcançará a sua realização acabada» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53), aquando do regresso glorioso de Cristo. Até esse dia, «a Igreja avança na sua peregrinação por entre as perseguições do mundo e das consolações de Deus» (Santo Agostinho, De Civitate Dei 18, 51 CSEL 40/2. 534 (PL 41. 614): cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 12). Vivendo na terra, ela tem consciência de viver no exílio, longe do Senhor (Cf. 2ª Cor. 5, 6;  II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 6: AAS 57 (1965) 9) e suspira pelo advento do Reino em plenitude, pela hora em que «espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória» (Cf.  II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 8). A consumação da Igreja - e através dela, do mundo - na glória, não se fará sem grandes provações. Só então é que «todos os justos, desde Adão, "desde o justo Abel até ao último eleito", se encontrarão reunidos na Igreja universal junto do Pai» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 6).

III. O mistério da Igreja

770. A Igreja está na história, mas, ao mesmo tempo, transcende-a. Só «com os olhos da fé» (Cat Rom. 1. 10. 20. p. 117) é que se pode ver na sua realidade visível, ao mesmo tempo, uma realidade espiritual, portadora de vida divina.

A IGREJA - AO MESMO TEMPO VISÍVEL E ESPIRITUAL

771. «Cristo, mediador único, constitui e continuamente sustenta sobre a terra, como um todo visível, a sua Igreja santa, comunidade de fé, confiança e amor, por meio da qual difunde em todos a verdade e a graça». A Igreja é, simultaneamente:

- «sociedade dotada de órgãos hierárquicos e corpo místico de Cristo»;
- «agrupamento visível e comunidade espiritual»;
- «Igreja terrestre e Igreja ornada com os bens celestes».

Estas dimensões constituem, em conjunto, «uma única realidade complexa, formada pelo duplo elemento humano e divino» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 11).

- É próprio da Igreja ser «simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina; mas de tal forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos» (Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 2: AAS 56 (1964) 98).

«Humildade! Sublimidade! Tenda de Cedar e santuário de Deus; habitação terrena e palácio celeste; casa de barro e corte real; corpo mortal e templo de luz; enfim, objeto de desprezo para os orgulhosos e esposa de Cristo! Ela é morena, mas bela, ó filhas de Jerusalém; ela que, empalidecida pela fadiga e sofrimento dum longo exílio, tem, no entanto, por ornamento a beleza celeste» (São Bernardo de Bernardo de Claraval, In Canticum sermo 27, 7, 14: Opera, ed. J. Leclercq-C.H. Talbot-H. Rochais, V. I (Romae 1957) p. 191).

A IGREJA - MISTÉRIO DA UNIÃO DOS HOMENS COM DEUS

772. É na Igreja que Cristo realiza e revela o seu próprio mistério, como a meta do desígnio de Deus: «recapitular tudo n'Ele» (Ef. 1, 10). São Paulo chama «grande mistério» (Ef. 5, 32) à união esponsal de Cristo e da Igreja. Porque está unida a Cristo como a seu esposo (Cf. Ef. 5, 25-27), a própria Igreja, por seu turno, se torna mistério (Cf. Ef. 3, 9-11). E é contemplando nela este mistério, que S. Paulo exclama: «Cristo em vós - eis a esperança da glória»! (Cl. 1, 27).

773. Na Igreja, esta comunhão dos homens com Deus pela «caridade, que não passa jamais» (1ª Cor. 13, 8), é o fim que comanda tudo quanto nela é meio sacramental, ligado a este mundo que passa (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53). «A sua estrutura está completamente ordenada à santidade dos membros de Cristo. E a santidade aprecia-se em função do "grande mistério", em que a esposa responde com a dádiva do seu amor ao dom do Esposo» (João Paulo II. Ep. ap. Mulieris dignitatem, 27: AAS 80 (1988) 1718). Nesta santidade que é o mistério da Igreja, Maria precede-nos todos como «a Esposa sem mancha nem ruga» (Cf. Ef. 5, 27). E é por isso que «a dimensão mariana da Igreja precede a sua dimensão petrina» (João Paulo II, Ep. ap. Mulieris dignitatem, 27: AAS 80 (1988) 1718, nota 55).

A IGREJA - SACRAMENTO UNIVERSAL DA SALVAÇÃO

774. A palavra grega mysterion foi traduzida em latim por dois termos: mysterium e sacramentum. Na segunda interpretação, o termo sacramentum exprime prevalentemente o sinal visível da realidade oculta da salvação, indicada pelo termo mysterium. Neste sentido, o próprio Cristo é o mistério da salvação: «nem há outro mistério senão Cristo (Santo Agostinho, Epistula 187, 11, 34: CSEL 57, 113 (PL 33, 845)). A obra salvífica da sua humanidade santa e santificadora é o sacramento da salvação, que se manifesta e atua nos sacramentos da Igreja (que as Igrejas do Oriente chamam também «os santos mistérios»). Os sete sacramentos são os sinais e os instrumentos pelos quais o Espírito Santo derrama a graça de Cristo, que é a Cabeça, na Igreja que é o seu Corpo. A Igreja possui, pois, e comunica a graça invisível que significa: e é neste sentido analógico que é chamada «sacramento».

775 «A Igreja em Cristo é como que o sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 1: AAS 57 (1965) 5). Ser sacramento da união íntima do homem com Deus, eis a primeira finalidade da Igreja. E porque a comunhão dos homens entre si radica na união com Deus, a Igreja é, também, o sacramento da unidade do género humano. Nela, esta unidade já começou, pois reúne homens «de toda a nação, raça, povo e língua» (Ap. 7, 9). A Igreja é, ao mesmo tempo, «sinal e instrumento» da plena realização desta unidade, que ainda há de vir.

776. Como sacramento, a Igreja é instrumento de Cristo. «É assumida por Ele como instrumento da redenção universal» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9: AAS 57 (1965) 13), «o sacramento universal da salvação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53), pelo qual o mesmo Cristo «manifesta e simultaneamente atualiza o mistério do amor de Deus pelos homens» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 45: AAS 58 (1966) 1066). É o «projeto visível do amor de Deus para com a humanidade» (Paulo VI, Allocutio ad Sacri Collegii Cardinalium Patres (22 de Junho de 1973): AAS 65 (1973) 391), segundo o qual Deus quer «que todo o género humano forme um só povo de Deus, se una num só Corpo de Cristo e se edifique num só templo do Espírito Santo» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 7: AAS 58 (1966) 956: cf. Id, Const. dogm. Lumen Gentium, 17: AAS 57 (1965) 20-21).

Resumindo:

777. A palavra «Igreja» significa «convocação». Designa a assembleia daqueles que a Palavra de Deus convoca para formar o seu povo, e que, alimentados pelo Corpo de Cristo, se tornam, eles próprios, Corpo de Cristo.

778. A Igreja é, ao mesmo tempo, caminho e meta do desígnio de Deus: prefigurada na criação, preparada na antiga Aliança, fundada pelas palavras e atos de Jesus Cristo, realizada pela sua Cruz redentora e pela sua ressurreição, manifesta-se como mistério de salvação pela efusão do Espírito Santo. Será consumada na glória do céu como assembleia de todos os resgatados da terra (Cf. Ap. 14, 4).

779. A Igreja é, ao mesmo tempo, visível e espiritual, sociedade hierárquica e Corpo Místico de Cristo. É una, mas formada por um duplo elemento: humano e divino. Aí reside o seu mistério, que só a fé pode acolher.

780. A Igreja é, neste mundo, o sacramento da salvação, o sinal e o instrumento da comunhão de Deus e dos homens.

PARÁGRAFO 2

A IGREJA - POVO DE DEUS,
CORPO DE CRISTO, TEMPLO DO ESPÍRITO SANTO

I. A Igreja - Povo de Deus

781. «Em todos os tempos e em todas as nações foi agradável a Deus aquele que O teme e pratica a justiça. No entanto, aprouve a Deus salvar e santificar os homens não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse na santidade. Foi por isso que escolheu Israel para ser o seu povo, estabeleceu com ele uma aliança e instruiu-o progressivamente manifestando-se a Si mesmo e os desígnios da sua vontade na história desse povo, e santificando-o para Si. Mas tudo isso aconteceu como preparação da Aliança nova e perfeita, que seria concluída em Cristo [...]. Esta nova Aliança instituiu-a Cristo no seu Sangue, chamando um povo, proveniente de judeus e pagãos, a juntar-se na unidade, não segundo a carne, mas no Espírito» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9: AAS 57 (1965) 12-13).

AS CARACTERÍSTICAS DO POVO DE DEUS

782. O povo de Deus possui características que o distinguem nitidamente de todos os agrupamentos religiosos, étnicos, políticos ou culturais da história:

- é o povo de Deus: Deus não é propriedade de nenhum povo; mas adquiriu para Si um povo constituído por aqueles que outrora não eram um povo: «raça eleita, sacerdócio real, nação santa» (1ª Pe. 2, 9);

- vem-se a ser membro deste povo, não pelo nascimento físico, mas pelo «nascimento do Alto», «da água e do Espírito» (Jo. 3, 3-5), isto é, pela fé em Cristo e pelo Batismo;

- este povo tem por Cabeça Jesus Cristo (o Ungido, o Messias): porque a mesma unção, o Espírito Santo, flui da Cabeça por todo o Corpo, este é o «povo messiânico»;

- «a condição deste povo é a dignidade da liberdade dos filhos de Deus: nos seus corações, como num templo, reside o Espírito Santo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9: AAS 57 (1965) 13);

- «a sua lei é o mandamento novo, de amar como o próprio Cristo nos amou» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9: AAS 57 (1965) 13; cf. Jo 13, 34210); é a lei «nova» do Espírito Santo (Cf. Rm. 8, 2; Gl. 5, 25);

- a sua missão é ser o sal da terra e a luz do mundo (Cf. Mt. 5, 13-16). «Constitui para todo o género humano o mais forte gérmen de unidade, esperança e salvação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9: AAS 57 (1965) 13);

- o seu destino, finalmente, é «o Reino de Deus, o qual, começado na terra pelo próprio Deus, se deve dilatar cada vez mais, até ser também por Ele consumado no fim dos séculos» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 9: AAS 57 (1965) 13).

UM POVO SACERDOTAL, PROFÉTICO E REAL

783. Jesus Cristo é Aquele que o Pai ungiu com o Espírito Santo e constituiu «sacerdote, profeta e rei». Todo o povo de Deus participa destas três funções de Cristo, com as responsabilidades de missão e de serviço que delas resultam (Cf. João Paulo II,. Enc. Redemptor hominis, 18-21: AAS 71 (1979) 301-320).

784. Ao entrar no povo de Deus pela fé e pelo Batismo, participa-se na vocação única deste povo: na sua vocação sacerdotal - Cristo Senhor, sumo-sacerdote escolhido de entre os homens, fez do povo novo «um reino de sacerdotes para o seu Deus e Pai». Na verdade, pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, os batizados são consagrados para serem uma casa espiritual, um sacerdócio santo (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 14).

785. «O povo santo de Deus participa também da função profética de Cristo», sobretudo pelo sentido sobrenatural da fé, que é o de todo o povo, leigos e hierarquia, quando «adere indefectivelmente à fé transmitida aos santos de uma vez por todas» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16),aprofunda o conhecimento da mesma, e se torna testemunha de Cristo no meio deste mundo.

786. Finalmente, o povo de Deus participa na função real de Cristo. Cristo exerce a sua realeza atraindo a Si todos os homens pela sua morte e ressurreição (Cf. Jo. 12, 32). Cristo, Rei e Senhor do universo, fez-se o servo de todos, pois «não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida como resgate pela multidão» (Mt. 20, 28). Para o cristão, «reinar é servi-Lo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 36: AAS 57 (1965) 41), em especial «nos pobres e nos que sofrem, nos quais a Igreja reconhece a imagem do seu Fundador pobre e sofredor» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 12). O povo de Deus realiza a sua «dignidade real» na medida em que viver de acordo com esta vocação de servir com Cristo.

«De todos os regenerados em Cristo, o sinal da cruz faz reis, a unção do Espírito Santo consagra sacerdotes, para que, independentemente do serviço particular do nosso ministério, todos os cristãos espirituais no uso da razão se reconheçam membros desta estirpe real e participantes da função sacerdotal. De fato, que há de tão real para uma alma como governar o seu corpo na submissão a Deus? E que há de tão sacerdotal como oferecer ao Senhor uma consciência pura, imolando no altar do seu coração as vítimas sem mancha da piedade?» (São Leão Magno, Sermão 4, 1: CCL 138. 16-17 (PL 54, 149)).

II. A Igreja - Corpo de Cristo

A IGREJA É COMUNHÃO COM JESUS

787. Desde o princípio, Jesus associou os discípulos à sua vida (Cf. Mc. 1, 16-20; 3, 13-19). Revelou-lhes o mistério do Reino (Cf. Mt. 13, 10-17): deu-lhes parte na sua missão, na sua alegria (Cf. Lc. 10, 17-20) e nos seus sofrimentos (Cf. Lc. 22. 28-30). Jesus fala duma comunhão ainda mais íntima entre Ele e os que O seguem: «permanecei em Mim, como Eu em vós [...]. Eu sou a cepa, vós os ramos» (Jo. 15, 4-5). E anuncia uma comunhão misteriosa e real entre o seu próprio Corpo e o nosso: «quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em Mim e Eu nele» (Jo. 6, 56).

788. Quando a sua presença visível lhes foi tirada, Jesus não deixou órfãos os discípulos (Cf. Jo. 14, 18). Prometeu-lhes ficar com eles até ao fim dos tempos (Cf. Mt. 28, 20), e enviou-lhes o seu Espírito (Cf. Jo. 20, 22; At. 2, 33). A comunhão com Jesus tornou-se, de certo modo, mais intensa: «comunicando o seu Espírito aos seus irmãos, por Ele reunidos de todas as nações, constituiu-os seu Corpo Místico» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 7: AAS 57 (1965) 9).

789. A comparação da Igreja com um corpo lança uma luz particular sobre a ligação íntima existente entre a Igreja e Cristo. Ela não está somente reunida à volta d'Ele: está unificada n'Ele, no seu Corpo. Na Igreja, Corpo de Cristo, são de salientar mais especificamente três aspectos: a unidade de todos os membros entre si, pela união a Cristo; Cristo, Cabeça do Corpo; a Igreja, Esposa de Cristo.

«UM SÓ CORPO»

790. Os crentes que respondem à Palavra de Deus e se tornam membros do Corpo de Cristo, ficam estreitamente unidos a Cristo: «neste Corpo, a vida de Cristo difunde-se nos crentes, unidos pelos sacramentos, dum modo misterioso e real, a Cristo sofredor e glorificado» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 7: AAS 57 (1965) 9), Isto verifica-se particularmente no Batismo, que nos une à morte e ressurreição de Cristo (Cf. Rm. 6, 4-5; 1ª Cor. 12, 13), e na Eucaristia, pela qual, «participando realmente no Corpo de Cristo», somos elevados à comunhão com Ele e entre nós (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 7: AAS 57 (1965) 9).

791. Mas a unidade do Corpo não anula a diversidade dos membros: «na edificação do Corpo de Cristo existe diversidade de membros e funções. É o mesmo Espírito que distribui os seus vários dons, segundo a sua riqueza e as necessidades dos ministérios para utilidade da Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 7: AAS 57 (1965) 10). A unidade do Corpo Místico produz e estimula a caridade entre os fiéis: «daí que, se algum membro padece, todos os membros sofrem juntamente; e se algum membro recebe honras, todos se alegram» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 7: AAS 57 (1965) 10). Em suma, a unidade do Corpo Místico triunfa sobre todas as divisões humanas: «todos vós que fostes batizados em Cristo, fostes revestidos de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; porque todos vós sois um só, em Cristo Jesus» (Gl. 3, 27-28).

«A CABEÇA DESTE CORPO É CRISTO»

792. Cristo «é a Cabeça do Corpo que é a Igreja» (Cl. 1, 18). Ele é o Princípio da criação e da Redenção. Elevado à glória do Pai, «tem em tudo a primazia» (Cl. 1, 18), principalmente sobre a Igreja, por meio da qual estende o seu reinado sobre tudo quanto existe.

793. Une-nos à sua Páscoa: todos os membros se devem esforçar por se parecerem com Ele, «até que Cristo Se forme neles» (Gl. 4, 19). «É para isso que nós somos introduzidos nos mistérios da sua vida [...], associados aos seus sofrimentos como o corpo à cabeça, unidos à sua paixão para ser unidos à sua glória» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 7: AAS 57 (1965) 10).

794. Provê ao nosso crescimento (Cf. Cl. 2, 19): a fim de crescermos em tudo para aquele que é a Cabeça (Cf. Ef. 4, 11-16), Cristo distribui no seu Corpo, a Igreja, os dons e os serviços pelos quais mutuamente nos ajudamos no caminho da salvação.

795. Cristo e a Igreja são, pois, o «Cristo total» (Christus totus). A Igreja é una com Cristo. Os santos têm desta unidade uma consciência muito viva:

«Congratulemo-nos, pois, e dêmos graças pelo fato de nos termos tornado não apenas cristãos, mas o próprio Cristo. Estais a compreender, irmãos, a graça que Deus nos fez, dando-nos Cristo por Cabeça? Admirai e alegrai-vos: nós tornámo-nos Cristo. Com efeito, uma vez que Ele é a Cabeça e nós os membros, o homem completo é Ele e nós [...]. A plenitude de Cristo é, portanto, a Cabeça e os membros. Que quer dizer: a Cabeça e os membros? Cristo e a Igreja» (Santo Agostinho, In Iohannis evangelium tractatus 21, 8: CCL 36, 216-217 (PL 35, 1568)).

«Redemptor noster unam se personam cum sanctam Ecelesiam, quam assumpsit, exhibuit - O nosso Redentor apresentou-Se a Si próprio como uma única pessoa unida à santa Igreja, que Ele assumiu» (São Gregório Magno, Moralia in Job, Praefatio 6, 4: 14 CCL 143, 19 (PL 75, 525)).

«Caput et membra, quasi una persona mystica - Cabeça e membros são, por assim dizer, uma só e mesma pessoa mística» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae 3, q. 48, a. 2, ad 1: Ed. Leon. 11, 464).

Uma palavra de Santa Joana d'Arc aos seus juízes resume a fé dos santos Doutores e exprime o bom-senso do crente: «de Jesus Cristo e da Igreja eu penso que são um só, e não há que levantar dificuldades a esse respeito» (Santa Joana D'Arc, Dictum: Procès de condamnation, ed. P. Tisset (Paris 1960), p. 166 (texto em francês)).

A IGREJA É A ESPOSA DE CRISTO

796. A unidade de Cristo e da Igreja, Cabeça e membros do Corpo, implica também a distinção entre ambos, numa relação pessoal. Este aspecto é, muitas vezes, expresso pela imagem do esposo e da esposa. O tema de Cristo Esposo da Igreja foi preparado pelos profetas e anunciado por João Batista (Cf. Jo. 3, 29). O próprio Senhor Se designou como «o Esposo» (Mc. 2, 19) (Cf. Mt. 22, 1-14; 25, 1-13). E o Apóstolo apresenta a Igreja e cada fiel, membro do seu Corpo, como uma esposa «desposada» com Cristo Senhor, para formar com Ele um só Espírito (Cf. 1ª Cor. 6, 15-17; 2ª Cor. 11, 2). Ela é a Esposa imaculada do Cordeiro imaculado (Cf. Ap. 22. 17; Ef.  1, 4: 5, 27) que Cristo amou, pela qual Se entregou «para a santificar» (Ef. 5, 26), que associou a Si por uma aliança eterna, e à qual não cessa de prestar cuidados como ao Seu próprio Corpo (Cf. Ef. 5, 29).

«Eis o Cristo total, Cabeça e Corpo, um só, formado de muitos [...]. Quer seja a Cabeça que fale, quer sejam os membros, é Cristo que fala: fala desempenhando o papel de Cabeça (ex persona capitis), ou, então, desempenhando o papel do Corpo (ex persona corporis). Conforme ao que está escrito: serão os dois uma só carne. É esse um grande mistério; digo-o em relação a Cristo e à Igreja» (Ef. 5, 31-32). E o próprio Senhor diz no Evangelho: «já não são dois, mas uma só carne» (Mt. 19, 6). Como vedes, temos, de algum modo, duas pessoas diferentes; no entanto, tornam-se uma só na união esponsal [...] «Diz-se "Esposo" enquanto Cabeça e "esposa" enquanto Corpo» (Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum 74, 4: CCL 39, 1207 (PL 37, 948-949)).

III. A Igreja – Templo do Espírito Santo

797. «O que o nosso espírito, quer dizer, a nossa alma, é para os nossos membros, o Espírito Santo é-o para os membros de Cristo, para o Corpo de Cristo, que é a Igreja» (Santo Agostinho, Sermão 268, 2: PL 38, 1232). «É ao Espírito de Cristo, como a um princípio oculto, que se deve atribuir o fato de todas as partes do Corpo estarem unidas, tanto entre si como com a Cabeça suprema, pois Ele está todo na Cabeça, todo no Corpo, todo em cada um dos seus membros» (Pio XII, enc. Mystici Corporis: DS 3808). É o Espírito Santo que faz da Igreja «o templo do Deus vivo» (2ª Cor. 6, 16) (Cf. 1ª Cor. 3, 16-17; Ef. 2, 21):

«de fato, foi à própria Igreja que o dom de Deus foi confiado [...]. Nela foi depositada a comunhão com Cristo, isto é, o Espírito Santo, arras da incorruptibilidade, confirmação da nossa fé e escada da nossa ascensão para Deus [...]. Porque onde está a Igreja, aí está também o Espírito de Deus; e onde está o Espírito de Deus, aí está a Igreja e toda a graça» (Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses 3, 24, 1: SC 211. 472-474 (PG 7, 966)).

798. O Espírito Santo é «o princípio de toda a ação vital e verdadeiramente salvífica em cada uma das diversas partes do Corpo» (Pio XII.enc. Mystici Corporis: DS 3808), Ele realiza, de múltiplas maneiras, a edificação de todo o Corpo na caridade (Cf. Ef.  4, 16): pela Palavra de Deus, «que tem o poder de construir o edifício» (ct 20, 32); mediante o Batismo, pelo qual forma o Corpo de Cristo (Cf. 1ª Cor. 12, 13); pelos sacramentos, que fazem crescer e curam os membros de Cristo; pela «graça dada aos Apóstolos que ocupa o primeiro lugar entre os seus dons» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 7: AAS 57 (1965) 10); pelas virtudes que fazem agir segundo o bem; enfim, pelas múltiplas graças especiais (chamadas «carismas») pelos quais Ele torna os fiéis «aptos e disponíveis para assumir os diferentes cargos e ofícios proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16; cf. Id. Decr. Apostolicam actuositatem, 3: AAS 58 (1966) 839-840).

OS CARISMAS

799. Extraordinários ou simples e humildes, os carismas são graças do Espírito Santo que, direta ou indiretamente, têm uma utilidade eclesial, ordenados como são para a edificação da Igreja, o bem dos homens e as necessidades do mundo.

800. Os carismas devem ser acolhidos com reconhecimento por aquele que os recebe, mas também por todos os membros da Igreja. De fato, eles são uma maravilhosa riqueza de graças para a vitalidade apostólica e para a santidade de todo o Corpo de Cristo; desde que se trate de dons verdadeiramente procedentes do Espírito Santo e exercidos de modo plenamente conforme aos impulsos autênticos do mesmo Espírito, quer dizer, segundo a caridade, verdadeira medida dos carismas (Cf. 1ª Cor. 13).

801. Nesse sentido será sempre necessário o discernimento dos carismas. Nenhum carisma dispensa a referência e a submissão aos pastores da Igreja. «A eles compete, de modo especial, não extinguir o Espírito, mas tudo examinar para reter o que é bom» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 17), de modo que todos os carismas, na sua diversidade e complementaridade, cooperem para o «bem comum» (1ª Cor. 12, 7) (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,30: AAS 57 (1965) 37; João Paulo II, Ex. ap. Christifideles laici, 24: AAS 81 (1989) 435).

Resumindo:

802. Jesus Cristo «entregou-Se por nós, a fim de nos resgatar de toda a iniquidade e de purificar e constituir um povo de sua exclusiva posse» (Tt. 2, 14).

803. «Vós sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido» (1ª Pe. 2, 9).

804. Entra-se no povo de Deus pela fé e pelo Batismo. «Todos os homens são chamados a fazer parte do povo de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 13: AAS 57 (1965) 17), para que, em Cristo, «os homens constituam uma só família e um único povo de Deus» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 1: AAS 58 (1966) 947).

805. A Igreja é o Corpo de Cristo. Pelo Espírito e pela sua ação nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia, Cristo morto e ressuscitado constitui como seu Corpo a comunidade dos crentes.

806. Na unidade deste Corpo, existe diversidade de membros e de funções. Mas todos os membros estão unidos uns aos outros, parti­cularmente àqueles que sofrem, aos pobres e aos perseguidos.

807. A Igreja é este Corpo, cuja Cabeça é Cristo: ela vive d'Ele, n'Ele e para Ele; e Ele vive com ela e nela.

808. A Igreja é a Esposa de Cristo: Ele amou-a e entregou-se por ela. Purificou-a pelo seu sangue. Fez dela a mãe fecunda de todos os filhos de Deus.

809. A Igreja é o Templo do Espírito Santo. O Espírito é como que a alma do Corpo Místico, princípio da sua vida, da unidade na diversidade e da riqueza dos seus dons e carismas.

810. «A Igreja universal aparece, assim, como "um povo que vai buscar a sua unidade à unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 4: AAS 57 (1965) 7; cf. São Cipriano de Cartago, De dominica Oratione, 23: CCL 3A. 105 (PL 4, 553)).

PARÁGRAFO 3

A IGREJA É UNA, SANTA, CATÓLICA E APOSTÓLICA

811. «Esta é a única Igreja de Cristo, que no Credo confessamos ser una, santa, católica e apostólica» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 11). Estes quatro atributos, inseparavelmente ligados entre si (Cf. Santo Ofício, Ep. ad Episcopos Angliae (14 de setembro de 1864): DS 2888) indicam traços essenciais da Igreja e da sua missão. A Igreja não os confere a si mesma; é Cristo que, pelo Espírito Santo, concede à sua Igreja que seja una, santa, católica e apostólica, e é ainda Ele que a chama a realizar cada uma destas qualidades.

812. Só a fé pode reconhecer que a Igreja recebe estas propriedades da sua fonte divina. Mas as manifestações históricas das mesmas são sinais que também falam claro à razão humana. «A Igreja, lembra o I Concílio do Vaticano, em razão da sua santidade, da sua unidade católica, da sua invicta constância, é, por si mesma, um grande e perpétuo motivo de credibilidade e uma prova incontestável da sua missão divina» (I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 3: DS 3013).

I. A Igreja é una

«O SAGRADO MISTÉRIO DA UNIDADE DA IGREJA» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 2: AAS 57 (1965) 92)

813. A Igreja é una, graças à sua fonte: «o supremo modelo e princípio deste mistério é a unidade na Trindade das pessoas, dum só Deus, Pai e Filho no Espírito Santo» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 2: AAS 57 (1965) 92). A Igreja é una graças ao seu fundador: «o próprio Filho encarnado [...] reconciliou todos os homens com Deus pela sua Cruz, restabelecendo a unidade de todos num só povo e num só Corpo» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 78: AAS 58 (1966) 1101). A Igreja é una graças à sua «alma»: «o Espírito Santo que habita nos crentes e que enche e rege toda a Igreja, realiza esta admirável comunhão dos fiéis e une-os todos tão intimamente em Cristo que é o princípio da unidade da Igreja» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 2: AAS 57 (1965) 91). Pertence, pois, à própria essência da Igreja que ela seja una:

- «que admirável mistério! Há um só Pai do universo, um só Logos do universo e também um só Espírito Santo, idêntico em toda a parte; e há também uma só mãe Virgem, à qual me apraz chamar Igreja» (Clemente de Alexandria, Paedagogus 1, 6, 42: GCS 12, 115 (PG 8, 300)).

814. Desde a origem, no entanto, esta Igreja apresenta-se com uma grande diversidade, proveniente ao mesmo tempo da variedade dos dons de Deus e da multiplicidade das pessoas que os recebem. Na unidade do povo de Deus, juntam-se as diversidades dos povos e das culturas. Entre os membros da Igreja existe uma diversidade de dons, de cargos, de condições e de modos de vida. «no seio da comunhão da Igreja existem legitimamente Igrejas particulares, que gozam das suas tradições próprias» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 13: AAS 57 (1905) 18). A grande riqueza desta diversidade não se opõe à unidade da Igreja. No entanto, o pecado e o peso das suas consequências ameaçam constantemente o dom da unidade. Também o Apóstolo se viu na necessidade de exortar a que se guardasse «a unidade do Espírito pelo vínculo da paz» (Ef. 4, 3).

815. Quais são os vínculos da unidade? «Acima de tudo, a caridade, que é o vínculo da perfeição» (Cl. 3, 14). Mas a unidade da Igreja peregrina é assegurada também por laços visíveis de comunhão:

- a profissão duma só fé, recebida dos Apóstolos;
- a celebração comum do culto divino, sobretudo dos sacramentos;
- a sucessão apostólica pelo sacramento da Ordem, que mantém a concórdia fraterna da família de Deus
(II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 2: AAS 57 (1965) 91-92; Id, Const. dogm. Lumen Gentium, 14: AAS 57 (1965) 18-19; CIC cân 205).

816. «A única Igreja de Cristo [...] é aquela que o nosso Salvador, depois da ressurreição, entregou a Pedro, com o encargo de a apascentar, confiando também a ele e aos outros apóstolos a sua difusão e governo [...]. Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como uma sociedade, subsiste (subsistit in) na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 11-12).

O decreto do II Concílio do Vaticano sobre o Ecumenismo explicita: «com efeito, só pela Igreja Católica de Cristo, que é "meio geral de salvação", é que se pode obter toda a plenitude dos meios de salvação. Na verdade, foi apenas ao colégio apostólico, de que Pedro é o chefe, que, segundo a nossa fé, o Senhor confiou todas as riquezas da nova Aliança, a fim de constituir na terra um só Corpo de Cristo, ao qual é necessário que sejam plenamente incorporados todos os que, de certo modo, pertencem já ao povo de Deus» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 94).

817. De fato, «nesta Igreja de Deus una e única, já desde os primórdios surgiram algumas cisões, que o Apóstolo censura asperamente como condenáveis. Nos séculos posteriores, porém, surgiram dissensões mais amplas. Importantes comunidades separaram-se da plena comunhão da Igreja Católica, às vezes por culpa dos homens duma e doutra parte» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 92-93). As rupturas que ferem a unidade do Corpo de Cristo (a saber: a heresia, a apostasia e o cisma) (Cf. CIC cân 751) devem-se aos pecados dos homens:

- «ubi peccata, ibi est multitudo, ibi schismata, ibi haereses, ibi discussiones. Ubi autem virtus, ibi singularitas, ibi unio, ex quo omnium credentium erat cor unum et anima una - Onde há pecados, aí se encontra a multiplicidade, o cisma, a heresia, o conflito. Mas onde há virtude, aí se encontra a unicidade e aquela união que faz com que todos os crentes tenham um só coração e uma só alma» (Orígenes, In Ezechielem homilia 9, 1: SC 352, 296 (PG 13, 732)).

818. Os que hoje nascem em comunidades provenientes de tais rupturas, «e que vivem a fé de Cristo, não podem ser acusados do pecado da divisão. A Igreja Católica abraça-os com respeito e caridade fraterna [...]. Justificados pela fé recebida no Batismo, incorporados em Cristo, é a justo título que se honram com o nome de cristãos e os filhos da Igreja Católica reconhecem-nos legitimamente como irmãos no Senhor» (II Concílio do Vaticano,. Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 93).

819.  Além disso, existem fora das fronteiras visíveis da Igreja Católica, «muitos elementos de santificação e de verdade» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 12): «a Palavra de Deus escrita, a vida da graça, a fé, a confiança e a caridade, outros dons interiores do Espírito Santo e outros elementos visíveis» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 93: cf. Id. Const. dogm. Lumen Gentium, 15: AAS 57 (1965) 19). O Espírito de Cristo serve-se destas Igrejas e comunidades eclesiais como meios de salvação, cuja força vem da plenitude da graça e da verdade que Cristo confiou à Igreja Católica. Todos estes bens provêm de Cristo e a Ele conduzem (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 93) e por si mesmos reclamam «a unidade católica» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 12).

A CAMINHO DA UNIDADE

820. A unidade, «Cristo a concedeu à sua Igreja desde o princípio. Nós cremos que ela subsiste, sem possibilidade de ser perdida, na Igreja Católica, e esperamos que cresça de dia para dia até à consumação dos séculos» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 4: AAS 57 (1965) 95). Cristo dá sempre à sua Igreja o dom da unidade. Mas a Igreja deve orar e trabalhar constantemente para manter, reforçar e aperfeiçoar a unidade que Cristo quer para ela. Foi por esta intenção que Jesus orou na hora da sua paixão e não cessa de orar ao Pai pela unidade dos seus discípulos: «...que todos sejam um. Como Tu, ó Pai, és um em Mim e Eu em Ti, assim também eles sejam um em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste» (Jo. 17, 21). O desejo de recuperar a unidade de todos os cristãos é um dom de Cristo e um apelo do Espírito Santo (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 1: AAS 57 (1965) 90-91).

821. Para lhe corresponder de modo adequado, exige-se:

- uma renovação permanente da Igreja, numa maior fidelidade à sua vocação. Essa renovação é a força do movimento a favor da unidade (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio,, 6: AAS 57 (1965) 96-97);
a conversão do coração, «com o fim levar uma vida mais pura segundo o Evangelho»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 7: AAS 57 (1965) 97), pois o que causa as divisões é a infidelidade dos membros ao dom de Cristo;
- a oração em comum, porque «a conversão do coração e a santidade de vida. unidas às orações, públicas e privadas, pela unidade dos cristãos, devem ser tidas como a alma de todo o movimento ecuménico, e com razão podem chamar-se ecumenismo espiritual»
(II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 8: AAS 57 (1965) 98);
- o mútuo conhecimento fraterno
(II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 9: AAS 57 (1965) 98);
- a formação ecuménica dos fiéis, e especialmente dos sacerdotes (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 10: AAS 57 (1965) 99);
- o diálogo entre os teólogos, e os encontros entre os cristãos das diferentes Igrejas e comunidades
(II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 4: AAS 57 (1965) 94; Ibid. 9: AAS, 57 (1965) 98: Ibid. 11: AAS 57 (1965) 99);
- a colaboração entre cristãos nos diversos domínios do serviço dos
homens (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio,12: AAS 57 (1965) 99-100).

822. A preocupação com realizar a união «diz respeito a toda a Igreja, fiéis e pastores» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 5: AAS 57 (1965) 96). Mas também se deve «ter consciência de que este projeto sagrado da reconciliação de todos os cristãos na unidade duma só e única Igreja de Cristo, ultrapassa as forças e capacidades humanas». Por isso, pomos toda a nossa confiança «na oração de Cristo pela Igreja, no amor do Pai para conosco e no poder do Espírito Santo» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 24: AAS 57 (1965) 107).

II. A Igreja é santa

823. «A Igreja é [...], aos olhos da fé, indefectivelmente santa. Com efeito, Cristo, Filho de Deus, que é proclamado «o único Santo», com o Pai e o Espírito, amou a Igreja como sua esposa, entregou-Se por ela para a santificar, uniu-a a Si como seu Corpo e cumulou-a com o dom do Espírito Santo para glória de Deus (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 39: AAS 57 (1965) 44). A Igreja é, pois, «o povo santo de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16), e os seus membros são chamados «santos» (Cf. At. 9,13: 1ª Cor. 6, 1; 16, 1).

824. A Igreja, unida a Cristo, é santificada por Ele. Por Ele e n'Ele toma-se também santificante. «Todas as obras da Igreja tendem, como seu fim, (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 10: AAS 56 (1964) 102) para a santificação dos homens em Cristo e para a glorificação de Deus». É na Igreja que se encontra «a plenitude dos meios de salvação» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 94). É nela que «nós adquirimos a santidade pela graça de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53).

825. «Na terra, a Igreja está revestida duma verdadeira, ainda que imperfeita, santidade» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53). Nos seus membros, a santidade perfeita é ainda algo a adquirir: «munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um pelo seu caminho» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16).

826. A caridade é a alma da santidade à qual todos são chamados: «é ela que dirige todos os meios de santificação, lhes dá alma e os conduz ao seu fim» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 42: AAS 57 (1965) 48):

- «compreendi que, se a Igreja tinha um corpo composto de diferentes membros, o mais necessário, o mais nobre de todos não lhe faltava: compreendi que a igreja tinha um coração, e que esse coração estava ardendo de amor. Compreendi que só o Amor fazia agir os membros da Igreja; que se o Amor se apagasse, os apóstolos já não anunciariam o Evangelho, os mártires recusar-se-iam a derramar o seu sangue... Compreendi que o Amor encerra todas as vocações, que o Amor é tudo, que abarca todos os tempos e lugares ... numa palavra, que ele é Eterno» (Santa Teresa do Menino Jesus,  Manuscrito B. 3v: Manuscrits autobiographiques (Paris 992) p. 299. [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1996) p. 230]).

827. «Enquanto que Cristo, santo e inocente, sem mancha, não conheceu o pecado, mas veio somente expiar os pecados do povo, a Igreja, que no seu próprio seio encerra pecadores, é simultaneamente santa e chamada a purificar-se, prosseguindo constantemente no seu esforço de penitência e renovação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 12; cf. In. Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 92-94; Ibid. 6: AAS 57 (1965) 96-97). Todos os membros da Igreja, inclusive os seus ministros, devem reconhecer-se pecadores (Cf. 1ª Jo. 1, 8-10). Em todos eles, o joio do pecado encontra-se ainda misturado com a boa semente do Evangelho até ao fim dos tempos (Mt. 13, 24-30). A Igreja reúne, pois, em si, pecadores abrangidos pela salvação de Cristo, mas ainda a caminho da santificação:

- a Igreja «é santa, não obstante compreender no seu seio pecadores, porque ela não possui em si outra vida senão a da graça: é vivendo da sua vida que os seus membros se santificam; e é subtraindo-se à sua vida que eles caem em pecado e nas desordens que impedem a irradiação da sua santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por estas faltas, tendo o poder de curar delas os seus filhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo» (Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 19: AAS 60 (1968) 440).

828. Ao canonizar certos fiéis, isto é, ao proclamar solenemente que esses fiéis praticaram heroicamente as virtudes e viveram na fidelidade à graça de Deus, a Igreja reconhece o poder do Espírito de santidade que está nela, e ampara a esperança dos fiéis, propondo-lhes os santos como modelos e intercessores (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 40: AAS 57 (1965) 44-45: Ibid, 48-51: AAS 57 (1965) 53-58). «Os santos e santas foram sempre fonte e origem de renovação nos momentos mais difíceis da história da Igreja» (João Paulo II, Ex. ap. Christifideles laici 16: AAS 81 (1989) 417). «A santidade é a fonte secreta e o padrão infalível da sua atividade apostólica e do seu dinamismo missionário» (João Paulo II, Ex. ap. Christifideles laici 17: AAS 81 (1989) 419-420).

829. «Na pessoa da Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já aquela perfeição, sem mancha nem ruga, que lhe é própria. Mas os fiéis de Cristo têm ainda de trabalhar para crescer em santidade, vencendo o pecado. Por isso, levantam os olhos para Maria» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 65: AAS 57 (1965) 64): nela, a Igreja é já plenamente santa.

III. A Igreja é católica

QUE QUER DIZER «CATÓLICA»?

830. A palavra «católico» significa «universal» no sentido de «segundo a totalidade» ou «segundo a integridade». A Igreja é católica num duplo sentido:

- é católica porque Cristo está presente nela: «onde está Jesus Cristo, aí está a Igreja Católica» (Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Smyrnaeos 8, 2: SC 10bis p. 138 (Funk 1, 282)). Nela subsiste a plenitude do Corpo de Cristo unido à sua Cabeça (Cf. Ef ,1, 22-23), o que implica que ela receba d'Ele a «plenitude dos meios de salvação» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 6: AAS 58 (1966) 953) que Ele quis: confissão de fé reta e completa, vida sacramental integral e ministério ordenado na sucessão apostólica. Neste sentido fundamental, a Igreja era católica no dia de Pentecostes (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 4: AAS 58 (1966) 950-951) e sê-lo-á sempre até ao dia da Parusia.

831. É católica, porque Cristo a enviou em missão à universalidade do género humano: (Cf. Mt. 28, 19)

- «todos os homens são chamados a fazer parte do povo de Deus. Por isso, permanecendo uno e único, este povo está destinado a estender-se a todo o mundo e por todos os séculos, para se cumprir o desígnio da vontade de Deus que, no princípio, criou a natureza humana na unidade e decidiu enfim reunir na unidade os seus filhos dispersos» [...]. Este carácter de universalidade que adorna o povo de Deus é dom do próprio Senhor. Graças a tal dom, a Igreja Católica tende a recapitular, eficaz e perpetuamente, a humanidade inteira, com todos os bens que ela contém, sob Cristo Cabeça, na unidade do Seu Espírito (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 13: AAS 57 (1965) 17).

CADA UMA DAS IGREJAS PARTICULARES É «CATÓLICA»

832. «A Igreja de Cristo está verdadeiramente presente em todas as legítimas comunidades locais de fiéis que, unidas aos seus pastores, recebem, também elas, no Novo Testamento, o nome de Igrejas [...]. Nelas, os fiéis são reunidos pela pregação do Evangelho de Cristo e é celebrado o mistério da Ceia do Senhor [...]. Nestas comunidades, ainda que muitas vezes pequenas e pobres ou dispersas, está presente Cristo, por cujo poder se constitui a Igreja una, santa, católica e apostólica» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 26: AAS 57 (1965) 31).

833. Entende-se por Igreja particular, que é em primeiro lugar a diocese (ou «eparquia»), uma comunidade de fiéis cristãos em comunhão de fé e de sacramentos com o seu Bispo, ordenado na sucessão apostólica (II Concílio do Vaticano, Decr. Christus Dominus. 11: AAS 58 (1966) 677; CIC cân 368-369; CCEO cân 177 § 1. 178. 311, § 1. 312). Estas Igrejas particulares «são formadas à imagem da Igreja universal; é nelas e a partir delas que existe a Igreja Católica una e única» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 23: AAS 57 (1965) 27).

834. As Igrejas particulares são plenamente católicas pela comunhão com uma de entre elas: a Igreja Romana, «que preside à caridade» (Santo Inácio de Antioquia, Ep ad Romanos, Inscr.: SC 10bis, p. 106 (Funk 1, 252)). «Com esta Igreja, mais excelente por causa da sua origem, deve necessariamente estar de acordo toda a Igreja, isto é, os fiéis de toda a parte» (Santo Ireneu de Lião, Adversas Haereses 3, 3, 2: SC 211, 32 (PG 7, 849); I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Pastor aeternus, c. 2: DS 3057). «Desde que o Verbo Encarnado desceu até nós, todas as Igrejas cristãs de todo o mundo tiveram e têm a grande Igreja que vive aqui (em Roma) como única base e fundamento, porque, segundo as próprias promessas do Salvador, as portas do inferno nunca prevalecerão sobre ela» (São Máximo o Confessor, Opuscula theologica et polemica: PG 91, 137-140).

835. «A Igreja universal não deve ser entendida como simples somatório ou, por assim dizer, federação de Igrejas particulares [...]. Mas é antes a Igreja, universal por vocação e missão, que lançando raiz numa variedade de terrenos culturais, sociais e humanos, toma em cada parte do mundo aspectos e formas de expressão diversos» (Paulo VI, Ex. ap. Evangelii nuntiandi, 62: AAS 68 (1976) 52). A rica variedade de normas disciplinares, ritos litúrgicos, patrimónios teológicos e espirituais, próprios das Igrejas locais, «mostra da forma mais evidente, pela sua convergência na unidade, a catolicidade da Igreja indivisa» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 23: AAS57 (1965) 29).

QUEM PERTENCE À IGREJA CATÓLICA?

836. «Todos os homens são chamados [...] à unidade católica do povo de Deus; de vários modos a ela pertencem, ou para ela estão ordenados, tanto os fiéis católicos como os outros que também acreditam em Cristo e, finalmente, todos os homens sem excepção, que a graça de Deus chama à salvação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 13: AAS 57 (1965) 18):

837. «Estão plenamente incorporados na sociedade que é a Igreja aqueles que, tendo o Espírito de Cristo, aceitam toda a sua organização e todos os meios de salvação nela instituídos, e que, além disso, pelos laços da profissão de fé, dos sacramentos, do governo eclesiástico e da comunhão, estão unidos no todo visível da Igreja, com Cristo que a dirige por meio do Sumo Pontífice e dos bispos. Mas a incorporação não garante a salvação àquele que, por não perseverar na caridade, está no seio da Igreja “de corpo”, mas não “de coração”» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 14: AAS 57 (1965) 18-19).

838. «Com aqueles que, tendo sido batizados, têm o belo nome de cristãos, embora não professem integralmente a fé ou não guardem a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro, a Igreja sabe-se unida por múltiplas razões» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 15: AAS 57 (1965) 19). «Aqueles que creem em Cristo e receberam validamente o Batismo encontram-se numa certa comunhão, embora imperfeita, com a Igreja Católica» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 93). Quanto às Igrejas Ortodoxas, esta comunhão é tão profunda «que bem pouco lhes falta para atingir a plenitude, que permita uma celebração comum da Eucaristia do Senhor» (Paulo VI, Allocutio in Aede Sixtina, decem exactis annis a sublatis mutuis excomunicationibus inter Romanam et Constantinopolitanam Ecclesias (14 de Dezembro de 1975): AAS 68 (1976) 121: cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 13-18: AAS 57 (1965) 100-104).

A IGREJA E OS NÃO-CRISTÃOS

839. «Aqueles que ainda não receberam o Evangelho estão também, de uma de ou outra forma, ordenados ao povo de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 16: AAS 57 (1965) 20):

- a relação da Igreja com o Povo Judaico. A Igreja, povo de Deus na nova Aliança, ao perscrutar o seu próprio mistério, descobre o laço que a une ao povo judaico (Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, 4: AAS 58 (1966) 742-743), «a quem Deus falou primeiro» (Sexta-Feira da Paixão do Senhor, Celebração da Paixão do Senhor Oração Universal VI: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 254 [Trad. oficial portuguesa: Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. p. 259.267]). Ao invés das outras religiões não cristãs, a fé judaica é já uma resposta à revelação de Deus na antiga Aliança. É ao povo judaico que «pertencem a adoção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto, as promessas [...] e os patriarcas; desse povo Cristo nasceu segundo a carne» (Rm. 9, 4-5); porque «os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis» (Rm. 11, 29).

840. Aliás, quando se considera o futuro, o povo de Deus da Antiga Aliança e o novo povo de Deus tendem para fins análogos: a confiança da vinda (ou do regresso) do Messias. Mas a confiança é, dum lado, a do regresso do Messias, morto e ressuscitado, reconhecido como Senhor e Filho de Deus: do outro, a da vinda no fim dos tempos do Messias, cujos traços permanecem velados - expectativa acompanhada pelo drama da ignorância ou do falso conhecimento de Cristo Jesus.

841. Relações da Igreja com os muçulmanos. «O desígnio de salvação envolve igualmente os que reconhecem o Criador, entre os quais, em primeiro lugar, os muçulmanos que declarando guardar a fé de Abraão, conosco adoram o Deus único e misericordioso que há de julgar os homens no último dia» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 16: AAS 57 (1965) 20; cf. Id, Decl. Nostra aetate, 3: AAS 58 (1966) 741-742).

842. A ligação da Igreja com as religiões não cristãs é, antes de mais, a da origem e do fim comuns do género humano:

- «de fato, todos os povos formam uma única comunidade; têm uma origem única, pois Deus fez que toda a raça humana habitasse à superfície da terra; têm também um único fim último, Deus, cuja providência, testemunhos de bondade e desígnio de salvação se estendem a todos, até que os eleitos sejam reunidos na cidade santa» (II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, 1: AAS 58 (1966) 740).

843. A Igreja reconhece nas outras religiões a busca, «ainda nas sombras e sob imagens», do Deus desconhecido, mas próximo, pois é Ele quem a todos dá vida, respiração e todas as coisas e quer que todos os homens se salvem. Assim, a Igreja considera tudo quanto nas outras religiões pode encontrar-se de bom e verdadeiro, «como uma preparação evangélica e um dom d'Aquele que ilumina todo o homem, para que, finalmente, tenha a vida» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 16: AAS 57 (1965) 20; cf. Id, Decl. Nostra aetate, 2: AAS 58 (1966) 740-741; Paulo VI. Ex. ap. Evangelii nuntiandi, 53: AAS 68 (1976) 41).

844. Mas no seu comportamento religioso, os homens revelam também limites e erros que desfiguram neles a imagem de Deus:

- «muitas vezes, enganados pelo Maligno, transviaram-se nos seus raciocínios, trocando a verdade de Deus pela mentira. Preferindo o serviço da criatura ao do Criador, ou vivendo e morrendo sem Deus neste mundo, expuseram-se ao desespero final» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 16: AAS 57 (1965) 20).

845. Foi para reunir de novo todos os seus filhos, desorientados e dispersos pelo pecado, que o Pai quis reunir toda a humanidade na Igreja do seu Filho. A Igreja é o lugar onde a humanidade deve reencontrar a sua unidade e a salvação. Ela é «o mundo reconciliado» (Cf. Santo Agostinho, Sermão 96, 7, 9: PL 38, 588); é a nau que «navega segura neste mundo, ao sopro do Espírito Santo, sob a vela panda da Cruz do Senhor» (Santo Ambrósio, De virginitate 18, 119: Sancti Ambrosii Episcopi Mediolanensis opera, v. 14/2 (Milano-Roma 1989) p. 96 (PL 16, 297)). Segundo uma outra imagem, querida aos Padres da Igreja, ela é figurada pela arca de Noé, a única que salva do dilúvio (Cf. já em 1ª Pe. 3, 20-21).

«FORA DA IGREJA NÃO HÁ SALVAÇÃO»

846. Como deve entender-se esta afirmação, tantas vezes repetida pelos Padres da Igreja? Formulada de modo positivo, significa que toda a salvação vem de Cristo-Cabeça pela Igreja que é o seu Corpo:

- o santo Concílio «ensina, apoiado na Sagrada Escritura e na Tradição, que está Igreja, peregrina na terra, é necessária à salvação. De fato, só Cristo é mediador e caminho de salvação. Ora, Ele tornasse-nos presente no seu Corpo, que é a Igreja. Ao afirmar-nos expressamente a necessidade da fé e do Batismo, Cristo confirma-nos, ao mesmo tempo, a necessidade da própria Igreja, na qual os homens entram pela porta do Batismo. É por isso que não se podem salvar aqueles que, não ignorando que Deus, por Jesus Cristo, fundou a Igreja Católica como necessária, se recusam a entrar nela ou a nela perseverar» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 14: AAS 57 (1965) 18).

847. Esta afirmação não visa aqueles que, sem culpa da sua parte, ignoram Cristo e a sua igreja:

- «com efeito, também podem conseguir a salvação eterna aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo e a sua Igreja, no entanto procuram Deus com um coração sincero e se esforçam, sob o influxo da graça, por cumprir a sua vontade conhecida através do que a consciência lhes dita» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 16: AAS 57 (1965) 20; cf. Santo Ofício, Epistula ad Archiepiscopum Bostoniensem (8 de Agosto 1949): DS 3866-3872).

848. «Muito embora Deus possa, por caminhos só d'Ele conhecidos, trazer à fé, sem a qual é impossível agradar a Deus» (Cf. Heb. 11, 6), homens que, sem culpa sua, ignoram o Evangelho, «a Igreja tem o dever e, ao mesmo tempo, o direito sagrado, de evangelizar» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 7: AAS 58 (1966) 955) todos os homens.

A MISSÃO - UMA EXIGÊNCIA DA CATOLICIDADE DA IGREJA

849. O mandato missionário. «enviado por Deus às nações, para ser o sacramento universal da salvação, a Igreja, em virtude das exigências íntimas da sua própria catolicidade e em obediência ao mandamento do seu fundador, procura incansavelmente anunciar o Evangelho a todos os homens» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 1: AAS 58 (1966) 947). «Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei. E eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt. 28, 19-20).

850. A origem e o fim da missão. O mandato missionário do Senhor tem a sua fonte primeira no amor eterno da Santíssima Trindade: «por sua natureza, a Igreja peregrina é missionária, visto ter a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na missão do Filho e do Espírito Santo» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 2: AAS 58 (1966) 948). E o fim último da missão consiste em fazer todos os homens participantes na comunhão existente entre o Pai e o Filho, no Espírito de amor (Cf. João Paulo II. Enc. Redemptoris missio, 23: AAS 83 (1991) 269-270).

851. O motivo da missão. É ao amor de Deus por todos os homens que, desde sempre, a Igreja vai buscar a obrigação e o vigor do seu ardor missionário: «porque o amor de Cristo nos impele...» (2ª Cor. 5, 14) (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 6: AAS 58 (1966) 842-843; João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 11: AAS 83 (1991) 259-260). Com efeito, «Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade» (1ª Tm. 2, 4). Deus quer a salvação de todos, mediante o conhecimento da verdade. A salvação está na verdade. Os que obedecem à moção do Espírito da verdade estão já no caminho da salvação. Mas a Igreja, à qual a mesma verdade foi confiada, deve ir ao encontro dos que a procuram para lhe levar. É por acreditar no desígnio universal da salvação que a Igreja deve ser missionária.

852. Os caminhos da missão. «O protagonista de toda a missão eclesial é o Espírito Santo» (João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 21: AAS 83 (1991) 268). É Ele que conduz a Igreja pelos caminhos da missão. E esta «continua e prolonga, no decorrer da história, a missão do próprio Cristo, que foi enviado para anunciar a Boa-Nova aos pobres. É, portanto, pelo mesmo caminho seguido por Cristo que, sob o impulso do Espírito Santo, a Igreja deve seguir, ou seja, pelo caminho da pobreza, da obediência, do serviço e da imolação de si mesma até à morte - morte da qual Ele saiu vitorioso pela ressurreição» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 5: AAS 58 (1966) 952). É assim que «o sangue dos mártires se torna semente de cristãos» (Tertuliano, Apologeticum 50, 13: CCL 1, 171 (PL 1, 603)).

853. Porém, no seu peregrinar, a Igreja também faz a experiência da «distância que separa a mensagem de que é portadora, da fraqueza humana daqueles a quem este Evangelho é confiado» (II Concílio do Vaticano, Const.past. Gaudium et spes, 43: AAS 58 (1966) 1064). Só avançando pelo caminho «da penitência e da renovação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 12: cf. Ibid, 15: AAS 57 (1965) 20) e entrando «pela porta estreita da Cruz» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 1 AAS 58 (1966) 947) é que o povo de Deus pode expandir o Reino de Cristo (Cf. João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 12-20: AAS 83 (1991) 260-268). Com efeito, «assim como foi na pobreza e na perseguição que Cristo realizou a redenção, assim também a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho, para comunicar aos homens os frutos da salvação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 12).

854. Pela sua própria missão, «a Igreja faz a caminhada de toda a humanidade e partilha a sorte terrena do mundo. Ela é como que o fermento e, por assim dizer, a alma da sociedade humana, chamada a ser renovada em Cristo e transformada em família de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 40: AAS 58 (1966) 1058). O esforço missionário exige, portanto, paciência. Começa pelo anúncio do Evangelho aos povos e grupos que ainda não acreditam em Cristo (Cf. João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 42-47: AAS 83 (1991) 289-295); prossegue no estabelecimento de comunidades cristãs, que sejam «sinais da presença de Deus no mundo» (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 15: AAS 58 (1966) 964) e na fundação de Igrejas locais (Cf. João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 48-49: AAS 83 (1991) 295-297); compromete-se num processo de inculturação, para incarnar o Evangelho nas culturas dos povos (Cf. João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 52-54: AAS 83 (1991) 299-302); e também não deixará de conhecer alguns fracassos. «Pelo que diz respeito aos homens, aos grupos humanos e aos povos, a Igreja só a pouco e pouco os atinge e penetra, assim os assumindo na plenitude católica» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 6: AAS 58 (1966) 953).

855. A missão da Igreja requer um esforço em ordem à unidade dos cristãos (Cf. João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 50: AAS 83 (1991) 297-298). «De fato, as divisões entre cristãos impedem a Igreja de realizar a plenitude da catolicidade que lhe é própria, naqueles seus filhos que, sem dúvida, lhe pertencem pelo Batismo, mas que se encontram separados da plenitude da comunhão com ela. Mais ainda: para a própria Igreja, torna-se mais difícil exprimir, sob todos os seus aspectos, a plenitude da catolicidade na própria realidade da sua vida» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 4: AAS 57 (1965) 96).

856. A tarefa missionária implica um diálogo respeitoso com aqueles que ainda não aceitam o Evangelho (Cf. João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 55: AAS 83 (1991) 302-304). Os crentes podem tirar proveito para si mesmos deste diálogo, aprendendo a conhecer melhor «tudo quanto de verdade e graça se encontrava já entre os povos, como que por uma secreta presença de Deus» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 9: AAS 58 (1966) 958). Se anunciam a Boa-Nova aos que a ignoram, é para consolidar, completar e elevar a verdade e o bem que Deus espalhou entre os homens e os povos, e para os purificar do erro e do mal, «para glória de Deus, confusão do demónio e felicidade do homem» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 9: AAS 58 (1966) 958).

IV. A Igreja é apostólica

857. A Igreja é apostólica, porque está fundada sobre os Apóstolos. E isso em três sentidos:

- foi e continua a ser construída sobre o «alicerce dos Apóstolos» (Ef 2. 20) (Cf. Ap. 21, 14), testemunhas escolhidas e enviadas em missão pelo próprio Cristo (Cf. Mt. 28, 16-20; At. 1, 8; 1ª Cor. 9, 1; 15, 7-8: Gl. 1, 1: etc.);

- guarda e transmite, com a ajuda do Espírito Santo que nela habita, a doutrina (Cf. At. 2, 42), o bom depósito, as sãs palavras recebidas dos Apóstolos (Cf. 2ª Tm. 1, 13-14);

- continua a ser ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos até ao regresso de Cristo, graças àqueles que lhes sucedem no ofício pastoral: o colégio dos bispos, «assistido pelos presbíteros, em união com o sucessor de Pedro, pastor supremo da Igreja» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 5: AAS 58 (1966) 952):

- «Pastor eterno, não abandonais o vosso rebanho, mas sempre o guardais e protegeis por meio dos santos Apóstolos, para que seja conduzido através dos tempos, pelos mesmos chefes que pusestes à sua frente como representantes do vosso Filho, Jesus Cristo» (Prefácio dos Apóstolos Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 426 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. p. 493]).

A MISSÃO DOS APÓSTOLOS

858. Jesus é o enviado do Pai. Desde o princípio do seu ministério, «chamou para junto de Si os que Lhe aprouve [...] e deles estabeleceu Doze, para andarem consigo e para os enviar a pregar» (Mc. 3, 13-14). A partir de então, eles serão os seus «enviados» (é o que significa a palavra grega apóstolo). Neles, Jesus continua a sua própria missão: «tal como o Pai Me enviou, assim Eu vos envio a vós» (Jo. 20, 21) (Cf. 1ª Jo. 13, 20; 17. 18). O seu ministério é, pois, a continuação da própria missão de Jesus: «quem vos acolhe, acolhe-Me a Mim», disse Ele aos Doze (Mt. 10, 40) (Cf. Lc. 10, 16).

859. Jesus uniu-os à missão que Ele próprio recebera do Pai: «assim como o Filho não pode fazer nada por Si mesmo» (Jo. 5, 19.30), mas tudo recebe do Pai que O enviou, assim também aqueles que Jesus envia nada podem fazer sem Ele (Cf. Jo. 15, 5); d'Ele recebem o mandato da missão e o poder de o cumprir. Os apóstolos de Cristo sabem, portanto, que são qualificados por Deus como «ministros de uma Aliança nova» (2ª Cor. 3, 6), «ministros de Deus» (2ª Cor. 6, 4), «embaixadores de Cristo» (2ª Cor. 5, 20), «servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus» (1ª Cor. 4, 1).

860. No múnus dos Apóstolos há um aspecto intransmissível: serem as testemunhas escolhidas da ressurreição do Senhor e os alicerces da Igreja. Mas há também um aspecto da sua missão que permanece. Cristo prometeu estar com eles até ao fim dos tempos (Cf. Mt. 28, 20). «A missão divina confiada por Jesus aos Apóstolos é destinada a durar até ao fim dos séculos, uma vez que o Evangelho que devem transmitir é, para a Igreja, princípio de toda a sua vida em todos os tempos. Por isso é que os Apóstolos tiveram o cuidado de instituir [...] sucessores» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 20: AAS 57 (1965) 23).

OS BISPOS, SUCESSORES DOS APÓSTOLOS

861. «Para que a missão que lhes fora confiada pudesse ser continuada depois da sua morte, os Apóstolos, como que por testamento, mandataram os seus cooperadores imediatos para levarem a cabo a sua tarefa e consolidarem a obra por eles começada, encomendando-lhes a guarda do rebanho em que o Espírito Santo os tinha instituído para apascentar a Igreja de Deus. Assim, instituíram homens nestas condições e tudo dispuseram para que, após a sua morte, outros homens provados tomassem conta do seu ministério» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 20: AAS 57 (1965) 23: cf. São Clemente Romano, Epistula ad Corinthios, 42, 4: SC 167, 168-170 (Funk, 1. 152); Ibid. 44, 2: SC 167, 172 (Funk, 1, 154-156)).

862. «Do mesmo modo que o encargo confiado pelo Senhor singularmente a Pedro, o primeiro dos Apóstolos, e destinado a ser transmitido aos seus sucessores, é um múnus permanente, assim também é permanente o múnus confiado aos Apóstolos de serem pastores da Igreja, múnus cuja perenidade a ordem sagrada dos bispos deve garantir». Por isso, a Igreja ensina que, «em virtude da sua instituição divina, os bispos sucedem aos Apóstolos como pastores da Igreja, de modo que quem os ouve, ouve a Cristo e quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 20: AAS 57 (1965) 24).

O APOSTOLADO

863. Toda a Igreja é apostólica, na medida em que, através dos sucessores de Pedro e dos Apóstolos, permanece em comunhão de fé e de vida com a sua origem. Toda a Igreja é apostólica, na medida em que é «enviada» a todo o mundo. Todos os membros da Igreja, embora de modos diversos, participam deste envio. «A vocação cristã é também, por natureza, vocação para o apostolado». E chamamos «apostolado» a «toda a atividade do Corpo Místico» tendente a «alargar o Reino de Cristo à terra inteira» (II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 2: AAS 58 (1966) 838).

864. «Sendo Cristo, enviado do Pai, a fonte e a origem de todo o apostolado da Igreja», é evidente que a fecundidade do apostolado, tanto dos ministros ordenados como dos leigos, depende da sua união vital com Cristo (II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 6: AAS 58 (1966) 840; cf. Jo 15, 5). Segundo as vocações, as exigências dos tempos e os vários dons do Espírito Santo, o apostolado toma as formas mais diversas. Mas é sempre a caridade, haurida principalmente na Eucaristia, «que é como que a alma de todo o apostolado» (Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 3: AAS 58 (1966) 839).

865. A Igreja é una, santa, católica e apostólica na sua identidade profunda e última, porque é nela que existe desde já, e será consumado no fim dos tempos, «o Reino dos céus», «o Reino de Deus» (Cf. Ap. 19. 6), que veio até nós na Pessoa de Cristo e que cresce misteriosamente no coração dos que n'Ele estão incorporados, até à sua plena manifestação escatológica. Então, todos os homens por Ele resgatados e n' Ele tornados «santos e imaculados na presença de Deus no amor» (Cf. Ef. 1. 4), serão reunidos como o único povo de Deus, «a Esposa do Cordeiro» (Cf. Ap. 21, 9), «a Cidade santa descida do céu, de junto de Deus, trazendo em si a glória do mesmo Deus» (Cf. Ap. 21, 10-11). E «a muralha da cidade assenta sobre doze alicerces, cada um dos quais tem o nome de um dos Doze apóstolos do Cordeiro» (Ap. 21, 14).

Resumindo:

866. A Igreja é una: tem um só Senhor, professa uma só fé, nasce dum só Batismo e forma um só Corpo, vivificado por um só Espírito, em vista duma única confiança (Cf. Ef. 4, 3-5), no termo da qual todas as divisões serão superadas.

867. A Igreja é santa: é seu autor o Deus santíssimo; Cristo, seu Esposo, por ela Se entregou para a santificar; vivifica-a o Espírito de santidade. Embora encerra pecadores no seu seio, ela é «a sem-pecado feita de pecadores». Nos santos brilha a sua santidade; em Maria, ela é já totalmente santa.

868. A Igreja é católica: anuncia a totalidade da fé, tem à sua disposição e administra a plenitude dos meios de salvação; é enviada a todos os povos; dirige-se a todos os homens; abrange todos os tempos; «é, por sua própria natureza, missionária» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 2: AAS 58 (1966) 948).

869. A Igreja é apostólica: está edificada sobre alicerces duradouros, que são «os Doze apóstolos do Cordeiro» (Cf. Ap 21, 14); é indestrutível (Cf. Mt. 16, 18); é infalivelmente mantida na verdade: Cristo é quem a governa por meio de Pedro e dos outros apóstolos, presentes nos seus sucessores, o Papa e o colégio dos bispos.

870. «A única Igreja de Cristo, da qual professamos no Credo que é una, santa, católica e apostólica, [...] é na Igreja Católica que subsiste, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos que estão em comunhão com ele, embora numerosos elementos de santificação e de verdade se encontrem fora das suas estruturas» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 11-12).

PARÁGRAFO 4

OS FIÉIS DE CRISTO:
HIERARQUIA, LEIGOS, VIDA CONSAGRADA

871. «Fiéis são aqueles que, por terem sido incorporados em Cristo pelo Batismo, foram constituídos em povo de Deus e por este motivo se tornaram, a seu modo, participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e, segundo a própria condição, são chamados a exercer a missão que Deus confiou à Igreja para esta realizar no mundo» (CIC, cân. 204, § l; cf.  II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 31: AAS 57 (1965) 37-38).

872. «Devido à sua regeneração em Cristo, existe entre todos os fiéis verdadeira igualdade no concernente à dignidade e à atuação, pela qual todos eles cooperam para a edificação do Corpo de Cristo, segundo a condição e a função próprias de cada um» (CIC, cân. 208: cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 32: AAS 57 (1965) 38-3).

873. As próprias diferenças que o Senhor quis que existissem entre os membros do seu Corpo servem a sua unidade e missão. Porque «há na Igreja diversidade de ministérios, mas unidade de missão. Cristo confiou aos Apóstolos e aos seus sucessores o encargo de ensinar, santificar e governar em seu nome e pelo seu poder. Mas os leigos, feitos participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, assumem na Igreja e no mundo a parte que lhes toca naquilo que é a missão de todo o povo de Deus» (II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 2: AAS 58 (1966) 838-839). Por fim, «de ambos estes grupos [hierarquia e leigos] existem fiéis que, pela profissão dos conselhos evangélicos [...], se consagram a Deus de modo peculiar, e contribuem para a missão salvífica da Igreja» (CIC cân. 207, § 2).

I. A constituição hierárquica da Igreja

PORQUÊ O MINISTÉRIO ECLESIAL?

874. A fonte do ministério na Igreja é o próprio Cristo. Foi Ele que o instituiu e lhe deu autoridade e missão, orientação e finalidade.

«Cristo Senhor, para apascentar e aumentar continuamente o povo de Deus, instituía na sua Igreja vários ministérios, para bem de todo o Corpo. Com efeito, os ministros que estão dotados do poder sagrado estão ao serviço dos seus irmãos, para que todos quantos pertencem ao povo de Deus [...] alcancem a salvação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 18: AAS 57 (1965) 21-22).

875. «Como hão de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão de ouvir falar, sem que alguém o anuncie? E como hão de anunciar, se não forem enviados»? (Rm. 10, 14-15). Ninguém, nenhum indivíduo ou comunidade, pode anunciar a si mesmo o Evangelho. «A fé surge da pregação» (Rm. 10, 17). Por outro lado, ninguém pode dar a si próprio o mandato e a missão de anunciar o Evangelho. O enviado do Senhor fala e atua, não por autoridade própria, mas em virtude da autoridade de Cristo; não como membro da comunidade, mas falando à comunidade em nome de Cristo. Ninguém pode conferir a si mesmo a graça; ela deve ser-lhe dada e oferecida. Isto supõe ministros da graça, autorizados e habilitados em nome de Cristo. É d'Ele que os Bispos e presbíteros recebem a missão e a faculdade (o «poder sagrado») de agir na pessoa de Cristo Cabeça e os diáconos a força de servir o povo de Deus na «diaconia» da Liturgia, da Palavra e da caridade, em comunhão com o Bispo e com o seu presbitério. A este ministério, no qual os enviados de Cristo fazem e dão, por graça de Deus, o que por si mesmos não podem fazer nem dar, a tradição da Igreja chama «sacramento». O ministério da Igreja é conferido por um sacramento próprio.

876. Intrinsecamente ligado à natureza sacramental do ministério eclesial está o seu carácter de serviço. Com efeito, inteiramente dependentes de Cristo, que lhes dá missão e autoridade, os ministros são verdadeiramente «servos de Cristo» (Cf. Rm. 1, 1), à imagem do mesmo Cristo que por nós livremente tomou «a forma de servo» (Fl. 2, 7). E uma vez que a palavra e a graça, de que são ministros, não são deles, mas de Cristo que lhes confiou para os outros, eles tornar-se-ão livremente servos de todos (Cf. 1ª Cor. 9, 19).

877. Do mesmo modo, pertence à natureza sacramental do ministério eclesial que ele tenha um carácter colegial. De fato, desde o princípio do seu ministério, o Senhor Jesus instituiu os Doze, «gérmenes do novo Israel e ao mesmo tempo origem da hierarquia sagrada» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 5: AAS 58 (1966) 951). Escolhidos juntamente, também juntamente foram enviados, e a sua unidade fraterna estará ao serviço da comunhão fraterna de todos os fiéis. Será como um reflexo e um testemunho da comunhão das pessoas divinas (Cf. Jo. 17, 21-23). Por isso, todo o bispo exerce o seu ministério no seio do colégio episcopal e em comunhão com o Bispo de Roma, sucessor de Pedro e chefe do mesmo colégio; e todos os Presbíteros exercem o seu ministério no seio do presbyterium da diocese, sob a direção do seu Bispo.

878. Finalmente, pertence à natureza sacramental do ministério eclesial que ele tenha um carácter pessoal. Se os ministros de Cristo atuam em comunhão, fazem-no sempre também de modo pessoal. Cada qual é chamado pessoalmente -: «Tu, segue-Me» (Jo. 21, 22) (Cf. Mt. 4, 19.21; Jo. 1, 43) - para ser, na missão comum, uma testemunha pessoal, pessoalmente responsável perante Aquele que lhe confere a missão, agindo «na pessoa d'Ele» e em favor das pessoas: «Eu te batizo em nome do Pai...»; «Eu te absolvo...».

879. O ministério sacramental na Igreja é, pois, um serviço exercido em nome de Cristo. Tem um carácter pessoal e uma forma colegial. Isto verifica-se nos vínculos que ligam o colégio episcopal e o seu chefe, o sucessor de Pedro, bem como na relação entre a responsabilidade pastoral do Bispo pela sua Igreja particular e a solicitude comum do colégio episcopal pela Igreja universal.

 O COLÉGIO EPISCOPAL E O SEU CHEFE, O PAPA

880. Cristo, ao instituir os Doze, «deu-lhes a forma dum corpo colegial, quer dizer, dum grupo estável, e colocou á sua frente Pedro, escolhido de entre eles» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 19: AAS 57 (1965) 22). «Assim como, por instituição do Senhor, Pedro e os outros apóstolos formam um só colégio apostólico, assim de igual modo o pontífice romano, sucessor de Pedro, e os Bispos, sucessores dos Apóstolos, estão unidos entre si» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 22: AAS 57 (1965) 25: cf. CIC cân 330).

881. Foi só de Simão, a quem deu o nome de Pedro, que o Senhor fez a pedra da sua Igreja. Confiou-lhe as chaves desta (Cf. Mt. 16, 18-19) e instituiu-o pastor de todo o rebanho (Cf. Jo. 21, 15-17). «Mas o múnus de ligar e desligar, que foi dado a Pedro, também foi dado, sem dúvida alguma, ao colégio dos Apóstolos unidos ao seu chefe» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 22: AAS 57 (1965) 26). Este múnus pastoral de Pedro e dos outros apóstolos pertence aos fundamentos da Igreja e é continuado pelos Bispos sob o primado do Papa.

882. O Papa, Bispo de Roma e sucessor de S. Pedro, «é princípio perpétuo e visível, e fundamento da unidade que liga, entre si, tanto os Bispos como a multidão dos fiéis» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 23: AAS 57 (1965) 27). Com efeito, em virtude do seu cargo de Vigário de Cristo e pastor de toda a Igreja, «o pontífice romano tem sobre a mesma Igreja um poder pleno, supremo e universal, que pode sempre livremente exercer» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 22: AAS 57 (1965) 26: ID).

883. «O colégio ou corpo episcopal não tem autoridade a não ser em união com o pontífice romano [...] como sua cabeça». Como tal, este colégio é «também sujeito do poder supremo e pleno sobre toda a Igreja, poder que, no entanto, só pode ser exercido com o consentimento do pontífice romano» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 22: AAS 57 (1965) 26: cf. CIC cân 336).

884. «O colégio dos Bispos exerce de modo solene o poder sobre toda a Igreja no concílio ecuménico» (CIC cân 337 § 1). Mas «não há concilio ecuménico se não for, como tal, confirmado, ou pelo menos aceite, pelo sucessor de Pedro» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 22: AAS 57 (1965) 27).

885. «Pela sua múltipla composição, este colégio exprime a variedade e a universalidade do povo de Deus: enquanto reunido sob uma só cabeça, revela a unidade do rebanho de Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 22: AAS 57 (1965) 26).

886. «Cada Bispo, individualmente, é o princípio e o fundamento da unidade na sua respectiva Igreja particular» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 22: AAS 57 (1965) 26). Como tal, «exerce a sua autoridade pastoral sobre a porção do povo de Deus que lhe foi confiada» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 23: AAS 57 (1965) 27), assistido pelos Presbíteros e Diáconos. Mas, como membro do colégio episcopal, cada qual participa na solicitude por todas as Igrejas (II Concílio do Vaticano, Decr. Christus Dominus, 3: AAS 58 (1966) 674), dever que exerce, antes de mais, «governando bem a sua própria Igreja como porção da Igreja universal», contribuindo assim «para o bem de todo o Corpo Místico, que é também o corpo das Igrejas» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 23: AAS 57 (1965) 28). Esta solicitude há de abranger, de modo particular, os pobres (Cf. Gl. 2, 10), os perseguidos por causa da fé e ainda os missionários espalhados por toda a terra.

887. As Igrejas particulares vizinhas e de cultura homogénea formam províncias eclesiásticas ou conjuntos mais vastos, chamados patriarcados ou regiões (Cf. Canones Apostolorum, 34 [Constitutiones apostolicae 8, 47, 34]: SC 336, 284 (Funk, Didascalia et Constitutiones Apostolorum 1, 572-574)). Os Bispos destes conjuntos podem reunir-se em sínodos ou concílios provinciais. «Igualmente, hoje, as conferências episcopais podem prestar uma ajuda múltipla e fecunda, em ordem à realização concreta do espírito colegial» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 23: AAS 57 (1965) 29).

O OFÍCIO DE ENSINAR

888. Os Bispos, com os Presbíteros seus cooperadores, «têm como primeiro dever anunciar o Evangelho de Deus a todos os homens» (II Concílio do Vaticano, Decr. Presbiterorum ordinis, 4: AAS 58 (1966) 995), conforme a ordem do Senhor; (Cf. Mc. 16, 15). Eles são «os arautos da fé», que trazem a Cristo novos discípulos, e os «doutores autênticos» da fé apostólica, «munidos da autoridade de Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 25: AAS 57 (1965) 29).

889. Para manter a Igreja na pureza da fé transmitida pelos Apóstolos, Cristo quis conferir à sua Igreja uma participação na sua própria infalibilidade, Ele que é a Verdade. Pelo «sentido sobrenatural da fé», o povo de Deus «adere de modo indefectível à fé», sob a conduta do Magistério vivo da Igreja (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16: cf. Id,  Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822).

890. A missão do Magistério está ligada ao carácter definitivo da Aliança instaurada por Deus em Cristo com o seu povo. Deve protegê-lo dos desvios e falhas, e garantir-lhe a possibilidade objetiva de professar, sem erro, a fé autêntica. O múnus pastoral do Magistério está, assim, ordenado a velar por que o povo de Deus permaneça na verdade que liberta. Para cumprir este serviço. Cristo dotou os pastores do carisma da infalibilidade em matéria de fé e de costumes. O exercício de tal carisma pode revestir-se de diversas modalidades:

891. «Desta infalibilidade goza o pontífice romano, chefe do colégio episcopal, por força do seu ofício, quando, na qualidade de pastor e doutor supremo de todos os fiéis, e encarregado de confirmar na fé os seus irmãos, proclama, por um ato definitivo, um ponto de doutrina respeitante à fé ou aos costumes [...]. A infalibilidade prometida à Igreja reside também no corpo dos Bispos, quando exerce o seu Magistério supremo em união com o sucessor de Pedro», sobretudo num concílio ecuménico (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 25: AAS 57 (1965) 30: cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Pastor aeternus, c. 4: DS 3074) quando, pelo seu Magistério supremo, a Igreja propõe alguma coisa «para crer como sendo revelada por Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822) como doutrina de Cristo, «deve-se aderir na obediência da fé a tais definições» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 25: AAS 57 (1965) 30). Esta infalibilidade abarca tudo quanto abarca o depósito da Revelação divina

892. A assistência divina é também dispensada aos sucessores dos Apóstolos, quando ensinam em comunhão com o sucessor de Pedro, e de modo particular ao Bispo de Roma, pastor de toda a Igreja, quando, mesmo sem chegarem a uma definição infalível e sem se pronunciar de «modo definitivo», no exercício do seu Magistério ordinário, propõem uma doutrina que leva a uma melhor inteligência da Revelação em matéria de fé e de costumes. A este ensinamento ordinário devem os fiéis «prestar o assentimento religioso do seu espírito» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 25: AAS 57 (1965) 29-30), o qual, embora distinto do assentimento da fé, é, no entanto, seu prolongamento.

O OFÍCIO DE SANTIFICAR

893. O Bispo tem igualmente «a responsabilidade de dispensar a graça do sumo sacerdócio» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 26: AAS 57 (1965) 31), em particular na Eucaristia, que oferece pessoalmente ou cuja celebração pelos presbíteros seus cooperadores ele garante. É que a Eucaristia é o centro da vida da Igreja particular. O Bispo e os Presbíteros santificam a Igreja com a sua oração e o seu trabalho, bem como pelo ministério da Palavra e dos sacramentos. E também a santificam com o seu exemplo, atuando «não com um poder autoritário sobre a herança do Senhor, mas como modelos do rebanho» (1ª Pe. 5, 3). Assim «chegarão, com o rebanho que lhes está confiado, à vida eterna» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 26: AAS 57 (1965) 32).

O OFÍCIO DE GOVERNAR

894. «Os Bispos dirigem as suas Igrejas particulares, como vigários e legados de Cristo, mediante os seus conselhos, incitamentos e exemplos; mas também com a sua autoridade e com o seu poder sagrado» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 27: AAS 57 (1965) 32), que, no entanto, devem exercer para edificação naquele espírito de serviço que é próprio o do seu Mestre (Cf. Lc. 22, 26-27).

895. «Este poder, que eles exercem pessoalmente em nome de Cristo, é um poder próprio, ordinário e imediato. O seu exercício, contudo, está regulado em definitivo pela autoridade suprema da Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 27: AAS 57 (1965) 32). Mas os Bispos não devem ser considerados como Vigários do Papa; a autoridade ordinária e imediata deste sobre toda a Igreja, não anula, pelo contrário, confirma e defende, a daqueles. A autoridade episcopal deve exercer-se em comunhão com toda a Igreja, sob a direção do Papa.

896. O Bom Pastor há de ser o modelo e a «forma» do múnus pastoral do Bispo. Consciente das suas fraquezas, «o Bispo pode mostrar-se indulgente para com os ignorantes e os transviados. Não se furte a atender os que de si dependem, rodeando-os de carinho, como a verdadeiros filhos [...]. Quanto aos fiéis, devem viver unidos ao seu Bispo como a Igreja a Jesus Cristo e Jesus Cristo ao Pai» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 27: AAS 57 (1965) 33).

- «Segui todos o Bispo, como Jesus Cristo o Pai; e o presbitério como se fossem os Apóstolos; quanto aos Diáconos, respeitai-os como à lei de Deus. Ninguém faça, à margem do Bispo, nada do que diga respeito à Igreja» (Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Smyrnaeos 8, 1: SC 10bis, 138 (Funk 1, 282)).

II. Os fiéis leigos

897. «Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos com excepção dos membros da ordem sacra ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Batismo, constituídos em povo de Deus e feitos participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, na Igreja e no mundo, a missão de todo o povo cristão» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 31: AAS 57 (1965) 37).

A VOCAÇÃO DOS LEIGOS

898. «A vocação própria dos leigos consiste precisamente em procurar o Reino de Deus ocupando-se das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus [...]. Pertence-lhes, de modo particular, iluminar e orientar todas as realidades temporais a que estão estreitamente ligados, de tal modo que elas sejam realizadas e prosperem constantemente segundo Cristo, para glória do Criador e Redentor» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 31: AAS 57 (1965) 37-38).

899. A iniciativa dos cristãos leigos é particularmente necessária quando se trata de descobrir, de inventar meios para impregnar, com as exigências da doutrina e da vida cristã, as realidades sociais, políticas e económicas. Tal iniciativa é um elemento normal da vida da Igreja:

- «os fiéis leigos estão na linha mais avançada da vida da Igreja: por eles, a Igreja é o princípio vital da sociedade. Por isso, eles, sobretudo, devem ter uma consciência cada vez mais clara, não somente de que pertencem à Igreja, mas de que são Igreja, isto é, comunidade dos fiéis na terra sob a direção do chefe comum, o Papa, e dos Bispos em comunhão com ele. Eles são Igreja» (Pio XII, Allocutio ad Patres Cardinales recenter creatos (20 de fevereiro de 1946): AAS 38 (1946) 149; aduzido por João Paulo II, Ex. ap. Christifideles laici, 9: AAS 81 (1989) 406).

900. Porque, como todos os fiéis, são por Deus encarregados do apostolado, em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm o dever e gozam do direito, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra. Este dever é ainda mais urgente quando só por eles podem os homens receber o Evangelho e conhecer Cristo. Nas comunidades eclesiais, a sua ação é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, a maior parte das vezes, alcançar pleno efeito (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 33: AAS 57 (1965) 39).

A PARTICIPAÇÃO DOS LEIGOS NA FUNÇÃO SACERDOTAL DE CRISTO

901. «Em virtude da sua consagração a Cristo e da unção do Espírito Santo, os leigos recebem a vocação admirável e os meios que permitem ao Espírito produzir neles frutos cada vez mais abundantes. De fato, todas as suas atividades, orações, iniciativas apostólicas, a sua vida conjugal e familiar, o seu trabalho de cada dia, os seus lazeres do espírito e do corpo, se forem vividos no Espírito de Deus, e até as provações da vida se pacientemente suportadas, tudo se transforma em "sacrifício espiritual, agradável a Deus por Jesus Cristo" (1ª Pe. 2, 5). Na celebração eucarística, todas estas oblações se unem à do Corpo de Senhor, para serem piedosamente oferecidas ao Pai. É assim que os leigos, como adoradores que em toda a parte se comportam santamente, consagram a Deus o próprio mundo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 34: AAS 57 (1965) 40: cf. Ibid, 10: AAS 57 (1965) 14-15).

902. Os pais participam dum modo particular no múnus da santificação, «vivendo em espírito cristão a vida conjugal e cuidando da educação cristã dos filhos» (CIC cân 835 § 4).

903. Os leigos, se têm as qualidades requeridas, podem ser admitidos de modo estável aos ministérios de leitor e de acólito (Cf. CIC cân 230 § 1). «Onde as necessidades da Igreja o aconselharem, por falta de ministros, os leigos, mesmo que não sejam leitores nem acólitos, podem suprir alguns ofícios destes, como os de exercer o ministério da Palavra, presidir às orações litúrgicas, conferir o Batismo e distribuir a sagrada Comunhão, segundo as prescrições do Direito» (CIC cân 230 § 3).

A SUA PARTICIPAÇÃO NA FUNÇÃO PROFÉTICA DE CRISTO

904. «Cristo [...] realiza a sua missão profética não só através da hierarquia [...], mas também por meio dos leigos. Para isso os constituiu testemunhas, e lhes concedeu o sentido da fé e a graça da Palavra» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 35: AAS 57 (1965) 40):

- «ensinar alguém, para o trazer à fé, [...] é dever de todo o pregador e, mesmo, de todo o crente» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3 q. 71, a. 4, ad 3: Ed. Leon. 12, 124).

905. Os leigos realizam a sua missão profética também pela evangelização, «isto é, pelo anúncio de Cristo, concretizado no testemunho da vida e na palavra». Para os leigos, «esta ação evangelizadora [...] adquire um carácter específico e uma particular eficácia, por se realizar nas condições ordinárias da vida secular» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 35: AAS 57 (1965) 40).

- «Este apostolado não consiste só no testemunho da vida: o verdadeiro apóstolo procura todas as ocasiões de anunciar Cristo pela palavra, tanto aos não-crentes [...] como aos fiéis» (II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 6: AAS 58 (1966) 843: cf. Id, Decr. Ad gentes, 15: AAS 58 (1966) 965).

906. Aqueles de entre os fiéis leigos que disso forem capazes e que para tal se formarem, podem também prestar o seu concurso à formação catequética (Cf. CIC cân 774.776.780), ao ensino das ciências sagradas (Cf. CIC cân 229) e aos meios de comunicação social (Cf. CIC cân. 822 § 3).

907. «Os fiéis, segundo a ciência, a competência e a proeminência de que desfrutam, têm o direito e mesmo por vezes o dever, de manifestar aos sagrados pastores a sua opinião acerca das coisas atinentes ao bem da Igreja e de a exporem aos restantes fiéis, salva a integridade da fé e dos costumes, a reverência devida aos pastores, e tendo em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas» (CIC cân 212 § 3).

A SUA PARTICIPAÇÃO NA FUNÇÃO REAL DE CRISTO

908. Fazendo-se obediente até à morte (Cf. Fl. 2, 8-9), Cristo comunicou aos seus discípulos o dom de régia liberdade, para que «com abnegação de si mesmos e santidade de vida, vençam em si próprios o reino do pecado» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 36: AAS 57 (1965) 41).

- «Aquele que submete o corpo e governa a sua alma, sem se deixar submergir pelas paixões, é senhor de si mesmo; pode ser chamado rei, porque é capaz de reger a sua própria pessoa: é livre e independente e não se deixa cativar por uma escravidão culpável» (Santo Ambrósio, Espositio psalmi CXVIII, 14, 30: CSEL 62, 318 (PL 15, 1476)).

909. «Além disso, também pela união das suas forças, devem os leigos sanear as instituições e as condições de vida no mundo, quando estas tendem a levar ao pecado, para que todas se conformem com as regras da justiça e favoreçam a prática da virtude, em vez de a impedirem. Agindo assim, impregnarão de valor moral a cultura e as obras humanas» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 36: AAS 57 (1965) 42).

910. «Os leigos também podem sentir-se ou serem chamados a colaborar com os pastores no serviço da comunidade eclesial, trabalhando pelo crescimento e vida da mesma, exercendo ministérios muito variados, segundo a graça e os carismas que ao Senhor aprouver comunicar-lhes» (Paulo VI, Ex. ap. Evangelii nuntiandi, 73: AAS 68 (1976) 61).

911. Na Igreja, «os fiéis leigos podem cooperar no exercício do poder de governo, segundo as normas do direito» (CIC cân 129 § 2). É o caso da sua presença nos concílios particulares (Cf. C1C cân 443 § 4) nos sínodos diocesanos (Cf. CIC cân. 463 § 1-2) e nos conselhos pastorais (Cf. CIC cân 511-512.536) do exercício da função pastoral duma paróquia (Cf. CIC cân 517 § 2) da colaboração nos conselhos para os assuntos económicos (Cf. CIC cân 492 § 1. 537); da participação nos tribunais eclesiásticos (Cf. CIC cân 1421 § 2); etc.

912. Os fiéis devem «distinguir cuidadosamente os direitos e deveres que lhes competem como membros da Igreja, daqueles que lhes dizem respeito como membros da sociedade humana. Procurem harmonizar uns e outros, lembrando-se de que em todos os assuntos temporais se devem guiar pela sua consciência cristã, pois nenhuma atividade humana, mesmo de ordem temporal, pode subtrair-se ao domínio de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm Lumen Gentium, 36: AAS 57 (1965) 42).

913. «Assim, todo e qualquer leigo, em virtude dos dons que lhe foram concedidos, é ao mesmo tempo testemunha e instrumento vivo da missão da própria Igreja "segundo a medida do dom de Cristo"» (Ef. 4, 7) (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 33: AAS 57 (1965) 39).

III. A vida consagrada

914. «O estado de vida constituído pela profissão dos conselhos evangélicos, embora não pertença à estrutura hierárquica da Igreja, está, no entanto, incontestavelmente ligado à sua vida e santidade» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 44: AAS 57 (1965) 51).

CONSELHOS EVANGÉLICOS, VIDA CONSAGRADA

915. Os conselhos evangélicos são, na sua multiplicidade, propostos a todos os discípulos de Cristo. A perfeição da caridade, a que todos os fiéis são chamados, comporta, para aqueles que livremente assumem o chamamento à vida consagrada, a obrigação de praticar a castidade no celibato por amor do Reino, a pobreza e a obediência. É a profissão destes conselhos, num estado de vida estável reconhecido pela Igreja, que caracteriza a «vida consagrada» a Deus (Cf.  II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 42-43: AAS 57 (1965) 47-50; ID. Decr. Perfectae caritatis, l: AAS 58 (1966) 702-703).

916. A partir daí, o estado de vida consagrada aparece como uma das maneiras de viver uma consagração «mais íntima», radicada no Batismo e totalmente dedicada a Deus (Cf.  II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 5: AAS 58 (1966) 704-705). Na vida consagrada, os fiéis propõem‑se, sob a moção do Espírito Santo, seguir Cristo mais de perto, entregar‑se a Deus amado acima de todas as coisas e, procurando a perfeição da caridade ao serviço do Reino, ser na Igreja sinal e anúncio da glória do mundo que há de vir (Cf. CIC cân 573).

UMA GRANDE ÁRVORE, DE FRONDOSA RAMAGEM

917. «Tal como uma árvore se ramifica maravilhosa e variadamente no campo do Senhor, a partir de uma semente lançada por Deus, assim surgiram diversas formas de vida solitária ou comum, e várias famílias religiosas que vêm aumentar a riqueza espiritual, tanto em proveito dos seus próprios membros como no de todo o Corpo de Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 43: AAS 57 (1965) 49).

918. «Desde as origens da Igreja, houve homens e mulheres que se propuseram, pela prática dos conselhos evangélicos, seguir mais livremente Cristo e imitá-Lo de modo mais fiel. Cada qual a seu modo. Levaram uma vida consagrada a Deus. Muitos de entre eles, sob o impulso do Espírito Santo, viveram na solidão; outros fundaram famílias religiosas que a Igreja de bom grado acolheu e aprovou com a sua autoridade» (II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 1: AAS 58 (1966) 702).

919. Os Bispos devem esforçar-se sempre por discernir os novos dons de vida consagrada, confiados pelo Espírito Santo à sua Igreja. A aprovação de novas formas de vida consagrada é reservada à Sé Apostólica (Cf. CIC cân 605).

A VIDA EREMÍTICA

920. Os eremitas nem sempre fazem profissão pública dos três conselhos evangélicos; mas, «por meio de um mais estrito apartamento do mundo, do silêncio na solidão, da oração assídua e da penitência, consagram a sua vida ao louvor de Deus e à salvação do mundo» (CIC cân 603 § 1).

921. Os eremitas manifestam o aspecto interior do mistério da Igreja que é a intimidade pessoal com Cristo. Oculta aos olhos dos homens, a vida do eremita é pregação silenciosa d'Aquele a quem entregou a sua vida. Cristo é tudo para ele. É uma vocação especial para encontrar no deserto, no próprio combate espiritual, a glória do Crucificado.

AS VIRGENS E AS VIÚVAS CONSAGRADAS

922. Já desde os tempos apostólicos, apareceram virgens (Cf. 1ª Cor. 7, 34-36) e viúvas cristãs (Cf. João Paulo II, Ex. ap. Vita consecrata, 7: AAS 88 (1996) 382), chamadas pelo Senhor a unirem-se a Ele sem partilha, numa maior liberdade de coração, de corpo e de espírito, que tomaram a decisão, aprovada pela Igreja, de viver, respectivamente, no estado de virgindade ou de castidade perpétua, «por amor do Reino dos céus» (Mt. 19, 12).

923. As virgens, «emitindo o santo propósito de seguir mais de perto a Cristo, são consagradas a Deus pelo Bispo diocesano segundo o rito litúrgico aprovado, desposam-se misticamente com Cristo Filho de Deus e dedicam-se ao serviço da Igreja» (CIC cân. 604 § 1). Por este ritual solene (consecratio virginum - consagração das virgens), a «virgem é constituída como pessoa consagrada, sinal transcendente do amor da Igreja a Cristo, imagem escatológica da Esposa celeste e da vida futura» (Ordo Consecrationis virginum. Praenotanda 1, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p. 7 [ed. oficial portuguesa: Consagração das Virgens. Preliminares 1, edição típica. (Coimbra. Conferência Episcopal Portuguesa - Gráfica de Coimbra 1993) p. 9]).

924. «Próxima das outras formas de vida consagrada» (Cf. CIC cân 604 § 1), a ordem das virgens estabelece a mulher que vive no mundo (ou a monja) na oração, na penitência, no serviço dos seus irmãos e no trabalho apostólico, segundo o estado e carismas respectivos concedidos a cada uma (Cf. Ordo Consecrationis virginum. Praenotanda 2. editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 7 [ed. oficial portuguesa: Consagração das Virgens. Preliminares 2, edição típica. (Coimbra, Conferência Episcopal Portuguesa - Gráfica de Coimbra 1993) p. 9]). As virgens consagradas podem associar-se para observarem mais fielmente os seus propósitos (Cf. CIC cân 604 § 2).

A VIDA RELIGIOSA

925. Nascida no Oriente, nos primeiros séculos do cristianismo  (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 11: AAS 57 (1965) 102), e vivida em institutos canonicamente eretos pela Igreja (Cf. CIC cân 573), a vida religiosa distingue-se das outras formas de vida consagrada pelo aspecto cultual, pela profissão pública dos conselhos evangélicos, pela vida fraterna em comum e pelo testemunho dado a respeito da união de Cristo e da Igreja (Cf. CIC cân 607).

926. A vida religiosa faz parte do mistério da Igreja. É um dom que a Igreja recebe do seu Senhor, e que oferece, como um estado de vida estável, ao fiel chamado por Deus à profissão dos conselhos. Assim, a Igreja pode, ao mesmo tempo, manifestar Cristo e reconhecer-se como Esposa do Salvador. A vida religiosa é convidada a significar, nas suas variadas formas, a própria caridade de Deus, em linguagem do nosso tempo.

927. Todos os religiosos, isentos ou não (Cf. CIC cân 591), têm o seu lugar entre os cooperadores do Bispo Diocesano na sua função pastoral (II Concílio do Vaticano, Decr. Christus Dominus, 33-35: AAS 58 (1966) 690-692). A implantação e a expansão missionária da Igreja requerem a presença da vida religiosa em todas as suas formas, desde os começos da evangelização (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 18: AAS 58 (1966) 968-969; Ibid. 40: AAS 58 (1966) 987-988). «A história confirma os grandes méritos das famílias religiosas na propagação da fé e na formação de novas Igrejas, desde as antigas instituições monásticas e as Ordens medievais, até às congregações modernas» (João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 69: AAS 83 (1991) 317).

OS INSTITUTOS SECULARES

928. «Instituto secular é o instituto de vida consagrada, em que os fiéis, vivendo no século, se esforçam por atingir a perfeição da caridade e por contribuir, sobretudo a partir de dentro, para a santificação do mundo» (CIC cân. 710).

929. Os membros destes institutos, mediante uma «vida perfeita e inteiramente consagrada [a esta] santificação» (Pio XII, Const. ap. Provida Mater: AAS 39 (1947) 118), tomam parte na tarefa de evangelização da Igreja, «no mundo e a partir do mundo» (CIC cân 713 § 2), onde a sua presença atua «à maneira de fermento» (II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 11: AAS 58 (1966) 707). O seu testemunho de vida cristã visa ordenar segundo Deus as realidades temporais e impregnar o mundo com a força do Evangelho. Assumem, por vínculos sagrados, os conselhos evangélicos e mantêm entre si a comunhão e fraternidade próprias do seu teor de vida secular (Cf. CIC cân 713).

AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA

930. Aproximam-se das diversas formas de vida consagrada, «as sociedades de vida apostólica, cujos membros, sem votos religiosos, prosseguem o fim apostólico próprio da sociedade e, vivendo em comum a vida fraterna, de acordo com a própria forma de vida, tendem, pela observância das constituições, à perfeição da caridade. Entre elas há sociedades, cujos membros [...] assumem os conselhos evangélicos segundo as suas constituições» (CIC cân 731 § 1-2).

CONSAGRAÇÃO E MISSÃO: ANUNCIAR O REI QUE VEM

931. Entregando-se a Deus amado sobre todas as coisas, aquele que pelo Batismo já Lhe estava devotado, encontra-se, assim, mais intimamente consagrado ao serviço divino e dedicado ao bem da Igreja. Pelo estado de consagração a Deus, a Igreja manifesta Cristo e mostra como o Espírito Santo nela atua de modo admirável. Aqueles que pro­fessam os conselhos evangélicos têm, pois, por missão, antes de mais, viver a sua consagração. «Visto estarem dedicados, em virtude da sua consagração, ao serviço da Igreja, têm obrigação de trabalhar, de modo especial, segundo a índole própria do instituto, na ação missionária» (CIC cân 783: João Paulo II, Enc. Redemptoris missio, 69: AAS 83 (1991) 317-318).

932. Na Igreja, que é como o sacramento, isto é, o sinal e o instrumento da vida de Deus, a vida consagrada surge como um sinal particular do mistério da Redenção. Seguir e imitar Cristo «mais de perto», manifestar «mais claramente» o seu aniquilamento, é entrar «mais profundamente» presente, no coração de Cristo, aos seus contemporâneos. Quem segue este caminho «mais estreito» estimula os seus irmãos pelo seu exemplo e «dá este esplêndido e sublime testemunho: o mundo não pode ser transfigurado e oferecido a Deus sem o espírito das bem-aventuranças» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 31: AAS 57 (1965) 37).

933. Quer este testemunho seja público, como no estado religioso, quer seja mais discreto ou mesmo secreto, a vinda de Cristo é, para todos os consagrados, a origem e a meta das suas vidas:

- «como o povo de Deus não tem na terra cidade permanente [...], o estado religioso [...] manifesta a todos os crentes a presença, já neste mundo, dos bens celestes; dá testemunho da vida nova e eterna adquirida pela redenção de Cristo e anuncia a ressurreição futura e a glória celeste» (II Concílio do Vaticano,  Const. dogm. Lumen Gentium, 44: AAS 57 (1965) 50-51).

Resumindo:

934. «Por instituição divina, há na Igreja, entre os fiéis, ministros sagrados, também chamados, em direito, clérigos, sendo os outros chamados leigos». E há fiéis que, pertencendo a uma ou a outra destas duas categorias, se consagraram a Deus pela profissão dos conselhos evangélicos e servem assim a missão da Igreja (Cf. CIC cân 207 § 1-2).

935. Para anunciar a fé e implantar o seu Reino, Cristo envia os Apóstolos e respectivos sucessores. Fá-los participantes da sua missão. É d'Ele que uns e outros recebem o poder de agir em seu nome.

936. 0 Senhor fez de Pedro o fundamento visível da sua Igreja. Deu-lhe as chaves dela. O Bispo da Igreja de Roma, sucessor de São Pedro, é «a cabeça do colégio dos Bispos, Vigário de Cristo e pastor da Igreja universal neste mundo» (CIC cân 331).

937. 0 Papa «está revestido, por instituição divina, do poder supremo, plenário, imediato e universal para o governo das almas» (II Concílio do Vaticano, Decr. Christus Dominus, 2: AAS 58 (1966) 673).

938. Os Bispos, estabelecidos pelo Espírito Santo, sucedem aos Apóstolos. São, «cada um por sua parte, princípio visível e fundamento da unidade nas suas Igrejas particulares» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 23: AAS 57 (1965) 27).

939. Ajudados pelos Presbíteros seus cooperadores e pelos Diáconos, os Bispos têm o encargo de ensinar autenticamente a fé, celebrar o culto divino, sobretudo a Eucaristia, e governar a sua Igreja como verdadeiros pastores. Incumbe-lhes também o cuidado de todas as Igrejas, com e sob a orientação do Papa.

940. «Sendo próprio do estado dos leigos viverem a sua vida no meio do mundo e dos assuntos profanos, eles são chamados por Deus a exercer o seu apostolado no mundo à maneira de fermento, graças ao vigor do seu espírito cristão» (II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 2: AAS 58 (1966) 839).

941. Os leigos participam do sacerdócio de Cristo: cada vez mais unidos a Ele, desenvolvem a graça do Batismo e da Confirmação em todas as dimensões da vida pessoal, familiar, social e eclesial, e assim realizam a vocação à santidade dirigida a todos os batizados.

942. Graças à sua missão profética, os leigos «são também chamados a ser, em todas as circunstâncias e no próprio coração da comunidade humana, testemunhas de Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 43: AAS 58 (1966) 1063).

943. Graças à sua missão real, os leigos têm o poder de vencer em si mesmos e no mundo o império do pecado, mediante a abnegação e a santidade de vida (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 36: AAS 57 (1965) 41).

944. A vida consagrada a Deus caracteriza-se pela profissão pública dos conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência, num estado de vida estável reconhecido pela Igreja.

945. Entregue a Deus, amado sobre todas as coisas, aquele que o Batismo já a Ele tinha destinado, encontra-se, no estado de vida consagrada, mais intimamente votado ao serviço divino e dedicado ao bem de toda a Igreja.

PARÁGRAFO 5

A COMUNHÃO DOS SANTOS

946. Depois de ter confessado «a Santa Igreja Católica», o Símbolo dos Apóstolos acrescenta «a comunhão dos Santos». Este artigo é, em certo sentido, uma explicitação do anterior: pois «que é a Igreja senão a assembleia de todos os santos»? (São Nicetas de Remesiana, Instructio ad competentes 5, 3, 23 [Explanatio Symboli, 10]: TPL 1, 119 (PL 52, 871)). A comunhão dos Santos é precisamente a Igreja.

947. «Uma vez que todos os crentes formam um só corpo, o bem duns é comunicado aos outros [...]. E assim, deve-se acreditar que existe uma comunhão de bens na Igreja. [...], Mas o membro mais importante é Cristo, que é a Cabeça [...]. Assim, o bem de Cristo é comunicado a todos os membros, comunicação que se faz através dos sacramentos da Igreja» (São Tomás de Aquino, In Symbolum Apostolorum scilicet «Credo in Deum» espositio, 13: Opera omnia, v. 27 (Parisiis 1875) p. 224). «Como a Igreja é governada por um só e mesmo Espírito, todos os bens por ela recebidos tornam-se necessariamente um fundo comum» (Cat. Rom. 1, 10, 24, p. 119).

948. A expressão «comunhão dos santos» tem, portanto, dois significados estreitamente ligados: «comunhão nas coisas santas, sancta», e «comunhão entre as pessoas santas, sancti».

- «Sancta sanctis! (O que é santo, para aqueles que são santos)». Assim proclama o celebrante na maior parte das liturgias orientais, no momento da elevação dos santos Dons antes do serviço da comunhão. Os fiéis (sancti) são alimentados pelo Corpo e Sangue de Cristo (sancta), para crescerem na comunhão do Espírito Santo (Koinônia) e a comunicarem ao mundo.

I. A comunhão dos bens espirituais

949. Na comunidade primitiva de Jerusalém, os discípulos «eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações» (At. 2, 42).

A comunhão na fé. A fé dos fiéis é a fé da Igreja recebida dos Apóstolos, tesouro de vida que se enriquece na medida em que é partilhada.

950. A comunhão nos sacramentos. «O fruto de todos os sacramentos pertence a todos. Os sacramentos, e sobretudo o Batismo, que é como que a porta por onde os homens entram na Igreja, são outros tantos vínculos sagrados que os unem todos e os ligam a Jesus Cristo. A comunhão dos santos é a comunhão dos sacramentos [...]; o nome de comunhão pode aplicar-se a cada um deles, porque cada um deles nos une a Deus [...]. Mas este nome convém mais à Eucaristia do que a qualquer outro, porque é principalmente ela que consuma esta comunhão» (Cat Rom 1, 10, 24, p. 119).

951. A comunhão dos carismas: na comunhão da Igreja, o Espírito Santo «distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as ordens» para a edificação da Igreja (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16). Ora, em cada um se manifestam os dons do Espírito, para o bem comum (1ª Cor. 12, 7).

952. «Eles punham tudo em comum» (At. 4, 32): «tudo o que o verdadeiro cristão possui, deve olhá-lo como um bem que lhe é comum com os demais, e deve estar sempre pronto e ser diligente para ir em socorro do pobre e da miséria do próximo» (Cat Rom 1, 10, 27, p. 121). O cristão é um administrador dos bens do Senhor (Cf. Lc 16, 1-3).

953. A comunhão da caridade: na sanctorum communio, «nenhum de nós vive para si mesmo, e nenhum de nós morre para si mesmo» (Rm. 14, 7). «Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro for honrado por alguém, todos os membros se alegram com ele. Vós sois Corpo de Cristo e seus membros, cada um na parte que lhe diz respeito» (1ª Cor. 12, 26-27). «A caridade não é interesseira» (1ª Cor. 13, 5) (Cf. 1ª  Cor, 10. 24). O mais insignificante dos nossos atos, realizado na caridade, reverte em proveito de todos, numa solidariedade com todos os homens, vivos ou defuntos, que se funda na comunhão dos santos. Pelo contrário, todo o pecado prejudica esta comunhão.

II. A comunhão entre a Igreja do céu e a da terra

954. Os três estados da Igreja. «Até que o Senhor venha na sua majestade e todos os seus anjos com Ele e, vencida a morte, tudo Lhe seja submetido, dos seus discípulos uns peregrinam na terra, outros, passada esta vida, são purificados, e outros, finalmente, são glorificados e contemplam "claramente Deus trino e uno, como Ele é"» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 49: AAS 57 (1965) 54):

- «todos, porém, comungamos, embora de modo e grau diversos, no mesmo amor de Deus e do próximo, e todos entoamos ao nosso Deus o mesmo hino de glória. Com efeito, todos os que são de Cristo e têm o seu Espírito, formam uma só Igreja e n'Ele estão unidos uns aos outros» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 49: AAS 57 (1965) 54-55).

955. «E assim, de modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo: mas antes, segundo a constante fé da Igreja, essa união é reforçada pela comunicação dos bens espirituais» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 49: AAS 57 (1965) 55).

956. A intercessão dos santos. «Os bem-aventurados, estando mais intimamente unidos com Cristo, consolidam mais firmemente a Igreja na santidade [...]. Eles não cessam de interceder a nosso favor, diante do Pai, apresentando os méritos que na terra alcançaram, graças ao Mediador único entre Deus e os homens, Jesus Cristo [...]. A nossa fraqueza é assim grandemente ajudada pela sua solicitude fraterna» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 49: AAS 57 (1965) 55):

- «não choreis, que eu vos serei mais útil depois da morte e vos ajudarei mais eficazmente que durante a vida» (São Domingos, moribundo, aos seus irmãos: Relatio iuridica 4 (Frater Radulphus de Faventia), 42: Acta sanctorum, Augustus I, p. 551).

- «quero passar o meu céu a fazer o bem sobre a terra» (Santa Teresa do Menino Jesus, Verba (17 de Julho de 1897): Derniers Entretiens (Paris 1971) p. 270. [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1996) p. 1167])

957. A comunhão com os santos. «Não é só por causa do seu exemplo que veneramos a memória dos bem-aventurados, mas ainda mais para que a união de toda a Igreja no Espírito aumente com o exercício da caridade fraterna. Pois, assim como a comunhão cristã entre os cristãos ainda peregrinos nos aproxima mais de Cristo, assim também a comunhão com os santos nos une a Cristo, de quem procedem, como de fonte e Cabeça, toda a graça e a própria vida do povo de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 50: AAS 57 (1965) 56).

- «a Cristo, nós O adoramos, porque Ele é o Filho de Deus; quanto aos mártires, nós os amamos como a discípulos e imitadores do Senhor: e isso é justo, por causa da sua devoção incomparável para com o seu Rei e Mestre. Assim nós possamos também ser seus companheiros e condiscípulos»! (Martyrium sancti Polycarpi 17, 3: SC 10bis. 232 (Funk 1, 336)).

958. A comunhão com os defuntos. «Reconhecendo claramente esta comunicação de todo o Corpo místico de Cristo, a Igreja dos que ainda peregrinam venerou, com muita piedade, desde os primeiros tempos do cristianismo, a memória dos defuntos; e, "porque é um pensamento santo e salutar rezar pelos mortos, para que sejam livres de seus pecados" (2º Mac. 12, 46), por eles ofereceu também sufrágios» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 50: AAS 57 (1965) 55). A nossa oração por eles pode não só ajudá-los, mas também tornar mais eficaz a sua intercessão em nosso favor.

959. Na única família de Deus. «Todos os que somos filhos de Deus e formamos em Cristo uma família, ao comunicarmos uns com os outros na caridade mútua e no comum louvor da Santíssima Trindade, correspondemos à íntima vocação da Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 51: AAS 57 (1965) 58).

Resumindo:

960. A Igreja é «comunhão dos santos»: esta expressão designa, em primeiro lugar, as «coisas santas» (sancta) e, antes de mais, a Eucaristia, pela qual «é representada e se realiza a unidade dos fiéis que constituem um só Corpo em Cristo»
(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6).

961. Este termo também designa a comunhão das «pessoas santas» (sancti) em Cristo, que «morreu por todos», de modo que o que cada um faz ou sofre por Cristo e em Cristo reverte em proveito de todos.

962. «Nós cremos na comunhão de todos os fiéis de Cristo: dos que peregrinam na terra, dos defuntos que estão levando a cabo a sua purificação e dos bem-aventurados do céu: formam todos uma só Igreja; e cremos que, nesta comunhão, o amor misericordioso de Deus e dos seus santos está sempre atento às nossas orações» (Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 30: AAS 60 (1968) 445).

continua na parte 4

 O Terço (Rosário) dos Homens não exige nada e não cobra nada da vida pessoal dos seus participantes, o que faz com que seus membros se sintam livres, e a liberdade dá ao homem o poder de ser aquilo que ele deseja ser, daí as transformações se sucederem de modo espontâneo causado pelo contato que os mesmos passam a ter com Deus por intercessão de Maria.